Rio de Janeiro: cidade radical, cidade diagonal

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As gambiarras das cidades da América Latina: na frente da Assembleia Legislativa, candidatos se anunciam em cartazes removíveis

Radical Cities/Ciudades Radicales/Cidades Radicais: Across Latin America in Search of a New Architecture, publicado na Inglaterra, mapeia as parcerias urbanas da América Latina, antigas e novas

Aceitar a cidade informal como um atributo inevitável da condição urbana, e não como uma cidade no aguardo, é a lição mais importante que essa geração de arquitetos latino americanos pode oferecer ao mundo. O desafio que enfrentam hoje não é apenas como revitalizar as favelas, ao inserir os serviços necessários e melhorar a qualidade de vida, mas como integrá-las na cidade como um todo, criando as conexões e os fluxos, os pontos de comunicação e inclusão que irão dissolver as linhas de exclusão e colisão. O urbanismo na cidade informal tem que ser mais inteligente do que no passado; tem que ser flexível, para que possa lidar com mudanças imprevistas. Inevitavelmente, isso implica na participação de quem ali mora.

prédio ocupado em São Paulo

Prédio ocupado, em São Paulo

Desse lado do Atlântico, o apreço e admiração do autor britânico Justin McGuirk pelas soluções urbanas híbridas — soluções que surgem tanto do planejamento urbano e arquitetônico quanto da espontaneidade da vida do morador — podem parecer um tanto gratuitos. Afinal, o protagonismo e a criatividade do latino americano, face à negligência de governos, de mercados e das classes mais altas, são simplesmente necessários.

O Rio de Janeiro talvez tenha sido a cidade pioneira no mundo, ao reconhecer que o caminho era esse, com a implantação do programa Favela-Bairro, que data de 1994.

A elaboração das soluções, como McGuirk descreve no livro, em Argentina, Peru, Chile, Brasil, Venezuela, Colômbia e México, raramente é fácil nem tranquilo. O arquiteto brasileiro Luiz Carlos Toledo descobriu essa realidade, na hora de abrir uma rua na Rocinha, conforme comentou no vídeo mais novo da RioRealblogTV, sobre becos e vielas.

E nem sempre os ativistas encontram a continuidade, caso das mais de 750 famílias que por sete anos ocuparam uma incompleta e abandonada torre de escritórios no centro de Caracas, uma das histórias mais impressionantes do livro Radical Cities.  Os moradores, que lançaram mão dos músculos e da maior criatividade para viver em 28 dos andares da torre, sem elevador e faltando muitas paredes externas, foram transferidos em julho último, para moradias construídas pelo governo.

Mas são essas soluções não ideais, como o autor descreve, o que temos — mesmo quando dão em moradia construída pelo governo e invadida por milicianos, que lá fazem uma gestão, digamos alternativa. São frutos de uma desistência generalizada da utopia, de almejar as condições ideais. São soluções em constante negociação.

Mas todas as cidades são territórios em constante negociação, não são?

A dinâmica está bem clara no lamento que McGuirk faz pelo abandono de nosso programa municipal, o Morar Carioca, alardeado em 2010 como promessa de melhorias das favelas da cidade em dez anos.  Diz ele que o Morar Carioca ficou de banho-maria para depois dessa eleição para governador. “É esse o tipo de pontuação política que sufoca tanto o potencial da América Latina,” conclui.

Para quem mora no Rio de Janeiro, sujeito de uma transformação enorme desde 2008, efetuada com uma grande dose de autoritarismo, as histórias dos políticos ativistas colombianos impressionam pela capacidade, tanto por parte deles como por parte do eleitorado, de pensar fora da caixa e de trabalhar em conjunto.

Antanas Mockus, por exemplo, prefeito de Bogotá por dois mandatos, terminando em 2003, colocou mímicos nos cruzamentos mais conturbados da cidade, para apontar aos motoristas e pedestres comportamentos mais adequados e seguros. Distribuiu cartões vermelhos aos motoristas, para que pudessem identificar as faltas dos outros. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, talvez gostasse de saber que Mockus tomou banho em frente às câmeras, fechando a torneira enquanto se ensaboava, para convencer os cidadãos a reduzir o consumo de água. Cumpriram, em 14%.

Mockus mexeu com a cultura urbana e demonstrou que alternativas existem, que é possível mudar. Veja mais um pouco sobre ele neste vídeo, que documenta o surpreendente fato que levou esse filho de imigrantes lituanos a entrar na arena política: perdeu o cargo de reitor universitário ao interromper as vaias de estudantes no meio de uma assembleia.

Como Mockus fez os estudantes calarem? Abaixou as calças, no palco do auditório.

As histórias de Mockus e de tantos outro protagonistas no continente, profissionais e meros moradores, ilustradas com ótimas fotos coloridas, são contadas com nuance e contextualização histórica. Servem, além de lições de urbanismo e arquitetura, para nos lembrar que, na luta para a evolução de cidades mais justas, não estamos sozinhos aqui no Brasil.

Como diz McGuirk, no fim do livro, citando o arquiteto venezuelano Alfredo Brillembourg, figura marcante em Caracas, “[ …] se o século XIX deu luz à cidade horizontal, e o século XX deu  luz à cidade vertical, o século XXI deu luz à cidade diagonal, uma que faz um corte através das divisões sociais.”

Amanhã não perca, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, às 19 horas, o lançamento do livro organizado por Miriam Danowski e Ephim Shluger, Cidades em transformação, uma coletânea de artigos sobre a revitalização de cidades-porto no mundo, o que deve ser muito útil para quem pensa a nossa área portuária. 

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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