Nada disso vai acontecer…

O futuro será o passado?

None of this shall come to pass…[Click for English]


Rio de Janeiro, 2017

A Olimpíada terminou − sucesso absoluto em todos os sentidos. Houve paz e o turismo aumentou exponencialmente. Muita gente ganhou bastante dinheiro.

Lula continua aposentado, pois Sérgio Cabral é presidente do Brasil, agora quase no fim do mandato. Tem sido muito bom para o Rio de Janeiro ter um presidente carioca; ele levou as UPPs para o país todo e a cidade se tornou modelo nacional. Nos últimos anos, Cabral desviou sua atenção de questões de segurança para assuntos econômicos.

No meio de seu segundo mandato como prefeito, Eduardo Paes foi eleito governador do Rio em 2014, com base no êxito do seu choque de ordem, junto com a melhoria na segurança pública engendrada pelo governo estadual. Seu substituto não conseguiu manter o choque, contudo. As praias já foram tomadas por quiosques irregulares, supridos por caminhões estacionados pela orla em locais proibidos. Há camelôs em toda parte. Muitos guardas municipais se transferiram à polícia militar, que paga salários maiores e se expandiu para cobrir melhor o interior do estado. A economia desaqueceu, e os poucos homens de que a guarda municipal agora dispõe para controlar esse caos ganham um adicional de salário, de quem quer colocar uma barraca na praia para vender comida, drinques e mercadorias. Os cachorros, que agora são permitidos na areia, agradecem.

Como governador, Paes não conta mais com José Mariano Beltrame, o secretário de Segurança Pública do governo Cabral que iniciou a pacificação das favelas cariocas. A presidente Dilma levou Beltrame para Brasília em 2011 para chefiar a expansão das UPPs, ocupando o cargo de secretário nacional de Segurança. Lá ele ficou. No Rio, a polícia, durante os primeiros anos de ocupação e pacificação, prendeu muitos criminosos e reduziu a taxa de crimes, mas em 2012 acabou empacando. O narcotráfico continua exilado na Baixada Fluminense e no Complexo do Alemão. Com a ajuda do exército, os traficantes não criaram problemas nem durante a Copa do Mundo nem nas Olimpíadas.

“As coisas pioram espontaneamente, se não forem sujeitas a uma melhora intencional.” — Francis Bacon

Mas agora que o Rio não é mais vitrine e o governo federal está focado em outras questões, os bandidos voltam aos antigos redutos, muitos dos quais já foram tomados por milícias. O confronto que se esperava no Complexo do Alemão entre a polícia militar e o narcotráfico não aconteceu, mas agora há várias guerras por território em andamento, entre milicianos e traficantes de drogas. Moradores nessas áreas são sujeitos a toques de queda, extorsão e formas violentas de “justiça”.

Estava em curso uma maior integração entre as várias forças policiais, mas apesar de a integração funcionar bem à época da Olimpíada, nunca chegou ao grau necessário para que se trabalhasse com plena inteligência e agilidade policial.  No judiciário, ainda reina a impunidade.

Ricardo Henriques, que dirigia a UPP Social, atualmente trabalha com Beltrame em Brasília; o conceito de integração morro-asfalto que ele pregava, no sentido de que as favelas precisam de um atendimento social igual ao que existe no asfalto, se expande país afora. Começa a ser criticado, porém, com a volta da violência urbana. Sílvia Ramos, sua subsecretária, está aposentada, escrevendo um livro sobre a UPP social. O coronel Mário Sérgio Duarte, o filósofo-tira que liderou a polícia militar nos anos dourados das UPPs cariocas, também esta aposentado, e escreve. A UPP social  deu certo nas favelas ocupadas e pacificadas, mas o Rio ainda tem grande parte de sua população subempregada em outros bairros e favelas. O nível educacional geral ainda é baixo e não supre a demanda local por trabalhadores qualificados.

Pela pesquisa de opinião do RioRealblog, metade dos eleitores espera que a transformação do Rio de Janeiro dê certo. A outra metade ou não confia nesse resultado, ou acha que só se alcançará um sucesso parcial.

Um sucesso parcial é o cenário descrito acima.

“Aquele que não aplica remédios novos deve esperar perversidades novas, pois o tempo é o maior inovador” — Francis Bacon

Em Medellín, uma das cidades que serviram de inspiração para a política de segurança pública do Rio de Janeiro, o tempo inovou mesmo. De acordo com um relatório da ONG Medellín Como Vamos, as estatísticas colombianas a partir de 2003 mostravam uma queda sensível na taxa de homicídios, que se consolidou entre 2005 e 2007 por volta de 34 homicídos por cem mil habitantes. Em 2008, os números começaram a subir novamente, chegando, em 2009, ao assustador percentual de 85,8% em relação ao mesmo período de 2008. Outros crimes também aumentaram.

Não existe um único fator que explique esse triste fenômeno, mas especialistas colombianos e brasileiros dizem que a saída do prefeito Sergio Fajardo do governo municipal em 2007 e a subsequente falta de foco, gestão e liderança foram fundamentais à volta da insegurança. Além disso, gangues desestabilizadas pelas prisões dos chefes voltaram a atuar. De acordo com o relatório : “Logo que se prendem as grandes cabeças do narcotráfico, essas organizações se pulverizam e se convertem em pequenos bandos e microempresas criminais, mais difíceis de controlar.”

“Se não mantivermos a justiça, a justiça não nos manterá.” — Francis Bacon


About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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2 Responses to Nada disso vai acontecer…

  1. Prezada Júlia

    Achei sua página muito interessante.
    Sobre este texto particularmente (Nada vai acontecer), estou torcendo para que algumas coisas aconteçam e outras não.
    É certo que a Vila Cruzeiro, o Complexo do Alemão e o Complexo da Penha, nós já libertamos. Seu artigo foi anterior.
    Mas ainda falta muito.
    “Se não nos aconselharmos com receios” (vi que você gosta de aforismos e este é do Patton) tudo vai avançar para melhor.
    Ah! Dentre as coisas que torço para que você acerte, está a minha “aposentadoria” ; obviamente que dinâmica, podendo escrever meus textos e livros.
    Parabéns pelo blog.
    Muito legal!

  2. Rio real says:

    Muito obrigada pela atenção, Coronel! Fico honrada. Torço pelo seu trabalho e também pela aposentadoria– na hora certa– e que sejam os dois frutíferos.
    Abraço,
    Julia

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