Agora nada parece impossível, nem mesmo a redução da corrupção policial

[ATUALIZAÇÃO 16 de FEVEREIRO, 2011: Uma briga interna pelo poder levou ontem à saida do chefe da Polícia Civil Allan Turnowski e à nomeação de Martha Rocha, policial de carreira, como substituta. Talvez uma chefe de polícia mulher –a primeira do Rio de Janeiro– consiga superar as diferenças e pegar as rédeas da tarefa dificílima de limpar as relações incestuosas entre forças de polícia, as milícias, os narcotraficantes e os políticos da cidade. “Temos que ter uma corregedoria forte, porque o bom policial não teme a corregedoria forte. Ele deseja uma corregedoria forte,” ela afirmou numa coletiva de imprensa.

Leia mais abaixo para entender o contexto geral da Operação Guilhotina; as acusações e a possibilidade de indiciamentos e prisões adicionais fazem parte de um processo agitado de mudanças e adaptação a novos padrões e procedimentos impostos pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, chefiada por José Mariano Beltrame.

Ontem o governador Sérgio Cabral garantiu a autonomia de Beltrame para continuar com esse trabalho. “No Rio de Janeiro, graças a Deus, acabou a fase em que o Palácio Guanabara participava ou permitia que outros políticos se intrometessem na política de segurança pública,” ele afirmou. “[Beltrame] tem meu aval.”

Há uma excelente análise da briga pelo poder, aqui. Diz o Beltrame que a investigação pode levar a muito mais do que se viu até agora, e que o estado irá investir em tecnologia para se proteger contra a corrupção. Depois de anunciada, de acordo com o jornal O Globo, a Operação Guilhotina desencadeou no Disque Denúncia 68 ligações referentes a comportamento policial , três das quais se tratavam da investigação atual. Na semana anterior, recebeu-se apenas 21 ligações sobre corrupção policial.]

Decapitação geral

A prisão de 30 policiais militar e civil no Rio de Janeiro no dia 11 de fevereiro é o outro lado da moeda de novembro último, quando policiais e militares assumiram o controle de dois grandes territórios de favela até então dominados por narcotraficantes.

Acreditava-se que a invasão e ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão eram tarefas reservadas para mais adiante em 2011, quando um número suficiente de outras favelas estivesse ocupado, para que a Secretaria Estadual de Segurança Pública estivesse preparada para o embate. Mas os dez dias de incêndio de veículos, supostamente ordenados por traficantes na cadeia, alterou o cronograma.

Após a ocupação destas áreas— realizada sem grandes dificuldades–, houve aplausos para policiais e autoridades da segurança pública, e a imagem pública das forças policiais, de longa data denegrida, melhorou ao ponto de o desfile das escolas de samba no mês que vem incluir integrantes fantasiados de orgulhosos soldados do BOPE. Contudo, no fim do ano passado, residentes dos dois complexos de favelas reclamaram que policiais os roubavam durante as varreduras casa a casa. E muitos outros cariocas, já cínicos em virtude de vidas inteiras de vitimados pelo crime e pela impunidade nos mais altos níveis, repetiam histórias de violência e corrupção policiais aparentemente sem fim O  New York Times, entre outros meios, reportou o estranho fato de que os tiras tenham encontrado somas de dinheiro vivo extremamente pequenas no Complexo do Alemão, um centro nevrálgico para o comércio de armas e drogas no Rio de Janeiro. Igual aos 36% dos que responderam à enquete RioRealblog, muitos cariocas acreditavam que a política atual de segurança pública estava fadada ao fracasso e que logo a cidade voltaria aos jeitinhos e jeitões de sempre.

Essas tradições incluíam policiais civis convencidos, um dos quais participava de invasões de favela vestido de uniforme camuflado não regulamentar. Uma vez que se pronunciava a invasão exitosa, ele sempre acendia um charuto cubano.

Em agosto de 2010, quando houve a emboscada do chefe do tráfico de drogas da Rocinha, o Nem, ao sair de uma festa em um sábado de manhã cedo — e seus homens se refugiaram no hotel Intercontinental em São Conrado (fazendo reféns)– uma teoria que se adiantou foi a de que a emboscada teria ocorrido em função de um desentendimento sobre a propina que Nem supostamente pagava todo mês à polícia. A informação de que as prisões de sexta-feira passada resultaram da descoberta de vazamentos sobre uma planejada ação policial de 2009 na Rocinha traz à mente vários pontinhos os quais falta pouco para se conectarem. Pode ser que a Operação Guilhotina enfraqueça de maneira significativa o acesso do Nem às informações policiais e às armas que os acusados supostamente revendiam, facilitando a tarefa de ocupar e pacificar a Rocinha e o Vidigal, o território contíguo do Nem perto do hotel Sheraton na avenida Niemeyer. Espera-se que tal ocupação aconteça em algum momento de 2011.

Em todo caso, a terra por debaixo das botas policiais por certo começou a se movimentar em 2008 ou 2009– ao passo que as UPPs se formavam, fornecendo um contraste marcante entre os cínicos tiras de sempre e os novos recrutas, cujo treinamento focava em serviço comunitário, em vez de em relações com traficantes de drogas. E então veio a invasão do Complexo do Alemão, com uma cobertura midiática sem precedentes. Logo se proibiu que os policiais fizessem varreduras usando mochila.

Antes disso, sob a égide do governador Sérgio Cabral e seu secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, pela primeira vez na história níveis diferentes de governo e as várias forças policiais do Rio começaram a trabalhar juntos. Iniciou-se um fluxo de informações entre instituições até então insulares; presume-se que comparações e avaliações tenham sido feitas — levando a mudanças. Em maio de 2009, Allan Turnowski assumiu o cargo de chefe da Polícia Civil, prometendo lutar contra a corrupção, aumentar salários e mudar uma escala de trabalho que permitia e até encorajava que os policiais levassem uma vida dupla.

O antigo braço direito de Turnowski, Carlos Antônio de Oliveira, foi um dos presos de sexta-feira, o que colocou o chefe numa situação incômoda. Não está claro ainda o que Turnowski sabia dos supostos negócios de Oliveira, que incluem a venda de armas confiscadas para traficantes de droga, entre outros crimes. [O recém-saido chefe de polícia agora está sob acusação, com base em grampos telefônicos, de ter alertado um policial (que acabou sendo preso) de que ele estava sendo investigado por atividades paramilitares.] Pode muito bem ser que o trabalho de reduzir a corrupção na força estadual da Polícia Civil, que compreende doze mil homens, precisava de uma grande operação como a do dia 11, para entrar em ação de verdade. Ao crédito de Turnowski, ele exonerou Oliveira em agosto de 2010, por não cumprir metas.

Já vimos os dois lados da moeda agora no Rio de Janeiro— menos território controlado pelo narcotráfico e menos policiais corruptos. O valor real dessa moeda continua como tema em aberto. Mas no mínimo, fumar charuto e andar de uniforme camuflado já perdeu o glamour. Aquele cara também foi preso na sexta-feira .

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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