Quem (ou o quê) está prestando ajuda?

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Os brasileiros sabem muito bem se relacionar, mas…

“Uma viciada em crack no morro do Turano, onde trabalho na UPP, estava deitada no chão perto de mim e pediu ajuda,” contou o cabo Evandro Frossard ao RioRealblog enquanto patrulhava os jardins do Palácio da Cidade na quarta-feira passada. “O chefe do tráfico já tinha tacado fogo nela e também quebrado as pernas dela. Agora ela queria sair dessa. Então eu fiz uma busca na Internet, achei um centro de recuperação, e a levei. Ela já ficou quatro meses, está bem melhor. Havia perdido a guarda do filho, e  já o conseguiu de volta. Ganhou peso, está com o cabelo preso.”

Ele a visita toda quarta-feira. “Faço isso porque gosto de fazer, me faz sentir bem,” ele diz. “Pensam que quero ser político, mas não quero. Nem moro por ali.”

O Palácio da Cidade

Trata-se de uma boa ação, um trabalho bem feito, ou as duas coisas? A polícia de pacificação está em 17  morros do Rio de Janeiro para mantê-los em paz, para mediar conflitos e para contribuir no processo de inclusão social. Mas será que cada elemento da força UPP irá reagir a um viciado de crack da mesma maneira que fez o cabo Frossard?

“Não posso responder pelos meus colegas,” diz ele. “Mas estamos lá para servir e proteger, não apenas para manter a paz, mas para ajudar. Semana passada, um rapaz de 22 anos chegou para mim e disse que queria aprender a ler,” ele acrescenta. “Tinha vergonha de falar isso para qualquer outra pessoa.” Frossard se surpreendeu ao saber que os presidentes das associações de comunidade até então não haviam ajudado a viciada, que todo mundo já conhecia.

Seu treinamento não incluiu a divulgação de programas de alfabetização ou de recuperação de vício em drogas. Mas a polícia de pacificação está aprendendo cada vez mais e utilizando táticas de mediação e práticas de primeiros socorros— e estão fazendo partos.

O Rio de Janeiro está mudando, mas as fronteiras entre pessoas físicas e pessoas jurídicas – sejam entidades governamentais, empresas ou ONGs— não estão claras. O vácuo de necessidades sociais, educativas e físicas, que por cinco décadas o governo não preencheu, foi ocupado ao acaso por todo tipo de pessoas e grupos, formais e informais, inclusive traficantes de droga e milicianos. Agora, os papeis começam a se definir.

Alvos novos para a polícia carioca

A necessidade de se sentir parte de algo maior—e melhor

Como parte desse processo, um novo estudo da polícia de pacificação, realizado por Silvia Ramos, Julita Lemgruber, Barbara Musumeci Soares e Leonarda Musumeci, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, CESeC, revelou que muitos policiais da UPP se sentem um tanto alienados. “O que se destaca, finalmente, dessa primeira etapa do levantamento, é a importância de que a formação dos policiais valorize os princípios do policiamento de proximidade, enfatizando os elementos capazes de reforçar a identificação dos agentes com o projeto, de ressaltar a novidade do modelo e a importância do trabalho realizado por cada um,” o estudo ressalta. “Embora, até o momento, as UPPs estejam colhendo muito mais sucessos do que fracassos, há diversos desafios a serem enfrentados para que elas se tornem efetivamente sustentáveis. Um deles é fazer com que os policiais de ponta sintam-se também beneficiários do projeto e responsáveis diretos pela mudança das relações entre população e polícia.”

Falta uma sensação de pertencer, dizem as pesquisadoras; poucos policiais de pacificação sentem orgulho, compromisso. Nem estão seguros de que estarão no cargo por muito tempo. Um total de 70% dos 359 policiais entrevistados no fim do ano passado concordaram com a afirmação de que as UPPs foram criadas apenas para garantir a segurança pública durante a Copa e as Olimpíadas.

A sensação de fazer parte de algo maior do que seu próprio círculo social não é muito comum no Brasil, onde, durante séculos, as instituições débeis e uma sociedade aristocrática levaram as pessoas a depender de sua capacidade relativamente limitada para criar relacionamentos. Pesquisas de ciências sociais revelam que poucos brasileiros se sentem próximos ou confiam em pessoas além de seus parentes e amigos íntimos. “Uma implicação especialmente negativa dos resultados [disso] é que a ineficácia de instituições públicas como o Judiciário e a polícia em conter a transgressão delapida um ativo intangível como a confiança, enfraquecendo a capacidade de famílias, comunidades e organizações religiosas de balizar um leque de comportamentos aceitáveis. Por sua vez, a perda de capital social debilita as instituições, distanciando-as mais ainda da população e realimentando o sentimento de insegurança e alienação,” escrevem os cientistas políticos Amaury de Souza e Bolivar Lamounier em seu livro novo, A classe média brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade.

Pesquisadora do CESeC Silvia Ramos, Secretário Municipal de Habitação Jorge Bittar, Diretor do UN Habitat para América Latina e Caribe Alain Grimard, Presidente do Instituto Pereira Passos Ricardo Henriques, Presidente da Associação de Moradores do Morro dos Prazeres Elisa Brandão, Comandante das UPP Coronel Robson Rodrigues

Dando nome aos bois

Enquanto o cabo Frossard desfrutava dos luxuriantes jardins do Palácio da Cidade, o responsável pela UPP Social, Ricardo Henriques (presidente do Instituto Pereira Passos), estava dentro do palácio apresentando seu trabalho e anunciando uma nova parceria de R$ 5 milhões com o programa Habitat da ONU. Ao dar exemplos de como funciona a UPP Social, ele explicou que, uma vez identificadas as necessidades de uma comunidade, são alocadas para o “Alex, Osório, ou Hans”. Eis como o Henriques denominou algumas secretarias do governo municipal. Os dois últimos homens são fáceisde descobrir. Carlos RobertoOsório é o Secretário Municipal de Conservação Urbana, e Hans Dohmann é o Secretário de Saúde. Mas há vários Alexandres entre os 23 secretários municipais do Rio de Janeiro. Para quem está do lado de fora (e somos muitos), o quem é quem do governo carioca é um desafio e tanto. Novamente, a sobreposição do pessoal com o institucional; surgem dúvidas sobre a continuidade das boas obras e boas ações, uma vez que o “Alex” troca de cargo.

Rio de Janeiro é ao mesmo tempo um lugar de alguns avanços e atrasos no meio de bastante transformação. Os resultados da pesquisa do CESeC certamente serão incorporados ao esquema de treinamento da polícia de pacificação. E à medida que as instituições se tornem mais profissionais, mais responsáveis e transparentes, as pessoas precisam de ajuda de outros indivíduos. Será sempre assim.

Você conhece alguém que pode ajudar Vida Real a achar um novo local?

Foi por isso que a Move Rio, uma associação de jovens profissionais cariocas, na semana passada se juntou ao movimento Rio Eu Amo Eu Cuido e convidou amigos de Facebook para ouvir a história de Tião, que está na foto acima. Ex-traficante de drogas na favela Nova Holanda dentro do Complexo da Maré, faz tempo que o Tião parou de usar e vender drogas, “pelas minhas filhas”.

Uma pessoa leva a outra

Um dia, ele estava à toa em casa, desempregado, quando seu enteado chegou do colégio com a reclamação de que um grupo de meninas lhe havia dado uma surra. Tião foi falar com o diretor da escola. “Disse que não podia fazer nada. Eram namoradas de traficantes”. Então, Tião foi até o chefe do tráfico. “Ele chamou as meninas e seus namorados e aplicou-lhes um castigo: por dois anos elas não podiam frequentar lugar nenhum na favela, apenas ir e voltar de casa para a escola.”

Tião então voltou a falar com o diretor, para agora pedir uma providência. “Para minha surpresa, ele me ofereceu um emprego, de inspetor.”

Tião logo botou ordem no colégio.

Um dia, apareceu uma produtora de documentário, Renée Castello Branco, pedindo que ele encontrasse dez jovens que trabalhassem no tráfico e que pudessem ser entrevistados. “Depois das gravações, a Renée me telefonou com uma oferta de seiscentos reais por mês, querendo que eu os distribuísse entre os meninos para que pudessem sair do tráfico. Mas eu falei que não adiantava, que o que eles precisavam era de um lugar para ir, e atividades para se ocuparem.”  A produtora apresentou Tião a seu amigo Pedro Werneck, e em 2005 sua ONG Instituto da Criança ajudou a criar Vida Real, para jovens de entre 12 e 18 anos. “Começamos com cinquenta adolescentes escolhidos a dedo,” diz Tião. “Até o momento, mil jovens já passaram pela Vida Real. Seis morreram. Nenhum está no tráfico.” Por meio de 12 funcionários remunerados, os jovens têm acesso ao reforço escolar e a aulas de informática, grafite, aerografia,  design e artesanato, entre outras. Vida Real tem uma lista de espera com noventa nomes. O trabalho do Tião é tão bem conceituado que a FIRJAN fez parceria com a Vida Real para dar reforço escolar e treinar sessenta prostitutos e prostitutas jovens, e assim mantê-los longe da rua.

“Precisamos de mais espaço,” Tião falou para seu público em Ipanema na semana passada. Werneck, um empresário que se dedica em tempo integral ao terceiro setor desde 2007, explicou que Vida Real poderia funcionar dentro de um dos muitos prédios abandonados pela Avenida Brasil. “Mas o prédio que vimos pertence ao Governo do Estado, e não conseguimos chegar a um acordo,” ele acrescentou. “Assim é que, se você conhecer alguém que possa nos ajudar– “.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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