For What might be at the heart of the firemen’s strike in Rio, click here.
“Mocinhos contra bandidos” não serve para pensar o noticiário
Devido à história autoritária e aristocrática do Brasil, é provável que a maioria dos brasileiros já foi oprimida e vitimizada pelo chefe. É provável que a maioria dos brasileiros pensa em termos de “Nós” contra “Eles”. E que os trabalhadores de baixo escalão, no interesse da sobrevivência, tendem a se juntar para encontrar apoio. Nas fábricas, lojas e escritórios brasileiros, frequentemente valoriza-se a solidariedade acima da competição.
Notavelmente, o empregado que procura satisfazer o chefe é tachado de puxa-saco, um termo que remete aos soldados que puxavam a bagagem dos seus superiores militares.
(Num significativo contraste sociológico, o equivalente de língua inglesa, apple-polisher— polidor de maça– refere aos alunos que presenteavam suas professoras com maças, na esperança de conseguir notas boas.)
Portanto, quando um grupo de trabalhadores faz greve para melhores salários e condições de trabalho, é fácil tomar a decisão sobre como passar um fresquinho domingo de outono: claro que você deve amarrar uma fita vermelha no braço e sair para marchar em apoio daqueles valentes e sexy bombeiros e salva-vidas. A polícia militar e os professores estaduais do Rio já deram seu apoio ao movimento que surgiu no mês passado. Muitos cariocas mostraram simpatia no Facebook e com adesivos nos seus carros. Circulam emails, com links para sites como este.
O bandido é o governador Sérgio Cabral, que mandou o BOPE ao quartel geral dos bombeiros para tirar os grevistas (que haviam vandalizado o prédio) e seus familiares, inclusive uma esposa grávida, que abortou. Cabral estava implementando aumentos salariais progressivos, mas ainda não tirara os bombeiros cariocas do fim do ranking nacional de salários. E chamou os bombeiros de “vândalos“.
As intenções mais doces colocam em grave risco a virada atual do Rio de Janeiro.
Como queijo mussarela e pizza, é justamente o sentimento de solidariedade que atrai os políticos populistas aos eleitores. E populistas, que gostam muito de pizza, sobretudo quando tudo acaba nela, às vezes até são benéficos para com seus eleitorados. Mas o que geralmente energiza os caras que adoram uma multidão não é o bem maior, e sim a necessidade de manter e expandir sua capacidade de influenciar o povo.
A mídia brasileira já assinalou que a liderança dos bombeiros tem ambições políticas. Qual líder não tem? Nada errado aí.
Os bombeiros brasileiros, como a polícia, são militares. E como tal, eles podem portar armas. Isso sim é interessante. É para atirar nos incêndios? Nos incendiários? Saqueadores?
Os populistas contam com eleitores de mãos pedintes e de memória curta, pois esse tipo de político raramente se interessa em algo de prazo mais longo do que a próxima eleição. E é a sorte deles que poucos cariocas se lembrem de ter lido (ou talvez de ter feito a reportagem de) essa pequena notícia, em 2008. Ou essa. Ou essa.
Então quem sabe as armas têm utilidade
As matérias antigas do jornal O Globo lincadas acima, publicadas nos primeiros meses da política de segurança pública do governador Cabral, que transformou o panorama carioca de crime e violência, contam que:
- José Mariano Beltrame, o Secretário Estadual de Segurança Pública, tinha intenção de acabar com o direito dos bombeiros de portar armas fora do horário de serviço.
- O propósito da medida era de reduzir o número de armas nas ruas e enfraquecer as milícias, que “contam cada vez mais com a participação de bombeiros”. De acordo com Beltrame, o jornal disse, “15% dos servidores acusados de participação em milícias que estão sendo investigados pelo setor de inteligência da polícia são bombeiros”.
- Pelo menos metade dos 25 mil bombeiros ativos e inativos no estado portam armas, mas não recebem treinamento sobre sua utilização.
- “Especialistas destacam que os servidores fazem valer o direito facultativo de portar arma para garantir o trabalho de segurança clandestina, e muitos acabam envolvendo-se com milícias. A regulamentação proibindo o uso de armas fora do expediente seria uma forma de reduzir o poder de fogo das milícias. Apesar de reconhecer que bombeiros não são treinados para usar armas, a direção da Assinap anunciou que entrará na Justiça contra a regulamentação proposta pela Secretaria de Segurança Pública.”
- O governador Sérgio Cabral apoiou plenamente a medida, e foi citado de tal maneira em O Globo. Em 2007, ele colocou os bombeiros no âmbito da Secretaria de Saúde, tirando-os da Secretaria de Segurança Pública. Cabral disse que era para enfatizar o papel dos bombeiros como provedores de saúde, mas os bombeiros dizem que era para não ter que empregar mais médicos, a salários mais altos.
- Em 2008, o deputado federal Jair Bolsonaro, cujo eleitorado conservador é principalmente militares do estado do Rio, disse que iria contestar o proposto desarmamento dos bombeiros.
Julia, amiga, temo que vc esteja incorrendo no mesmo erro que critica ao colocar o governador como o “mocinho” da história. Governantes e políticos em geral erram (e pagam caro) quando não ouvem o clamor popular. Foi assim qd o PT se colocou contra o Plano Real, qd o PSDB negou os avanços resultantes do Bolsa Família, ou qd Gabeira criticou as UPPs. Como todo movimento social, o dos Bombeiros tem lá seus aproveitadores, mas Sergio Cabral foi no mínimo inábil. Para a população, o que passa é que o governo é bom de arrecadar dinheiro e atrair investimento, mas na hora de distribuir…ninguém ainda viu melhora nenhuma. Nossos principais serviços estaduais são horríveis (saúde – UPAs lotadas!; educação – a pior do Brasil!; transporte – o metrô só piora! – e mesmo segurança – ainda temos uma polícia violentíssima). É claro que qualidade de serviço não depende apenas de bons salários e condições de trabalho, mas será que é à toa que temos os piores indicadores e os piores salários? Isso num estado que não para de se gabar de sua grande virada. No mínimo, pega mal, né? beijos pra vc!
Oi, Rosa! Concordo plenamente com você. Não considero ninguém nessa história “mocinho”. Justamente é importante apreciar os nuances na política. Minha preocupação é com a continuidade da virada do Rio. Se não com essa turma, com quem, então? Acho que possivelmente se trate de algo bem mais grave do que meros “aproveitadores”. Você leu isso? Veja: http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2011/06/09/respeito-aos-bombeiros-924655390.asp Me parece pouco divulgado. Beijos de volta!!