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Um acidente de helicóptero no dia 17 de junho na Bahia serve para nos lembrar quão híbrida –ou esquizofrênica, se preferir– chega a ser a política brasileira.
Às vezes, parece que o Rio de Janeiro já está no mundo moderno de transparência, accountability, resultados e mérito, deixando para trás os domínios de subterfúgio fiscal, conexões pessoais, favoritismo, e a troca de favores.
Com a liderança do governador Sérgio Cabral, em março de 2010 o estado do Rio de Janeiro obteve o grau de investment da agência de classificação de risco Standard & Poor, após reduzir a burocracia, profissionalizar a arrecadação de impostos, e sanar as finanças do estado. Com a implantação em 2008 da política de segurança pública do Cabral, baseada em UPPs, as índices de crime começaram a cair de maneira significativa, e continuam a cair. O governador é um embaixador dedicado dos interesses do Rio de Janeiro na esfera federal: há um ano, ele chorou por causa de uma votação na câmara dos deputados para redistribuir os royalties de petróleo até então exclusivamente fluminenses. E ele mantém um diálogo aberto com o governo municipal.
Mês passado, a imprensa brasileira inicialmente deu destaque à morte da namorada do filho do Cabral, junto com mais seis passageiros, na queda do helicóptero de um grupo que estava a caminho a um resort no sul da Bahia. Depois, soube-se que o próprio governador fazia parte do grupo, vivo apenas porque o helicóptero não podia levar todos numa única viagem. E a composição do grupo (além do empréstimo do jato do magnata de energia Eike Batista’s para a viagem até a Bahia) expôs a amizade do Cabral com pessoas que tem grandes negócios no Rio. E benefícios fiscais.
Tudo isso aconteceu no meio de uma longa e difícil greve pelos bombeiros do estado do Rio, que Cabral chamou de “vândalos” depois que centenas deles ocuparam o quartel-geral. A greve agora está praticamente resolvida, com aumentos de salário e a anistia de uns 400 bombeiros presos.
Depois de uma licença de uma semana (os cariocas bem informados dizem que Cabral, supostamente separado de sua esposa, perdeu sua própria namorada no acidente), o governador disse que errara ao usar a palavra “vândalos”, e que gostaria de ajudar a construir um código de ética para ele mesmo. Logo a imprensa noticiou que já existe um…
Talvez não seja importante
Para a maioria dos brasileiros, a conduta do Cabral não surpreende. Nadar em conflitos de interesse é o que mais se espera de figuras de vida pública. Mesmo assim, no clima atual de redução de crime (e mais de aumento da percepção de segurança) e de fluxo de investimento crescente, suas constantes viagens e associações duvidosas podem vir a pesar mais do que a política tradicional de espertalhão.
Ou não. É bom lembrar que estamos apenas no começo do segundo e último mandato do Cabral, ao qual ele se elegeu no primeiro turno, graças á melhora na segurança urbana, com o impressionante número de 66% do total– e que ele ainda não declarou suas ambições políticas para o futuro.
E independente da situação do governador, a vida continua. Muitos dos seus secretários estão produzindo resultados e fazendo planos, como demonstra essa entrevista inédita com o Secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame. Agora a polícia deve diminuir ainda mais as índices de crime, ele disse, com uma presença policial maior, tecnologia e capacitação aperfeiçoadas, e a continuação do combate contra a corrupção.
“Os problemas do Rio de Janeiro são muito grandes,” ele falou para a ONG Rio Como Vamos, que acompanha os resultados das políticas públicas na cidade. “E são muito grandes porque são históricos. Eles criaram uma raiz que está agarrada, e mudar isso não vai ser trabalho de um secretário, não tenha dúvida. Talvez nem para dois. Entendo que as pessoas não conseguiam idealizar um conceito de segurança, mas agora elas percebem que há alguns pilares: a UPP para áreas consideradas mais conflagradas e o programa de metas para as Regiões Integradas de Segurança Pública. Acho que esses dois eixos são o que vêm tornando cada vez mais sólida a queda dos índices de criminalidade. As pessoas começam a ver esses índices, mas acho que sobretudo elas vêem agora um conceito de segurança pública.”
O parceiro municipal do governador Cabral, prefeito Eduardo Paes, também recebe críticas de cariocas que duvidam de sua honestidade e detestam acima de tudo suas táticas de choque de ordem e remoção.
Mas a cidade também — com 110.000 servidores públicos e um orçamento por volta de R$ 20 bilhões– pode se orgulhar de algumas realizações bastante positivas sob sua administração. Através de sistemas desenvolvidos pela IBM e a Cisco, há seis meses inaugurou-se um novo Centro de Operações, no bairro de Cidade Nova. O Centro é um vários novos prédios governamentais que estão contribuindo à revitalização da área, conhecida historicamente pelas suas prostitutas e a proximidade ao Sambódromo (o “Nova” no nome do bairro remete ao começo do século XX, quando residentes pobres foram ali transferidos durante a reforma urbana Pereira Passos).
Uma visita na semana passada ao novo Centro de Operações trouxe à mente nada menos do que a NASA. Uma apresentação demonstrou como esse centro de informações congrega uma série de órgãos governamentais, para que lidem em conjunto com ocorrências do dia a dia, crises, e eventos de escala grande como o Reveillon e Carnaval. Além dos Jogos Olímpicos de 2016 e alguns jogos da Copa de 2014, o Rio também hospedará os Jogos Militares Mundiais neste mês, o Rock in Rio em setembro e outubro, e, ano que vem, a reunião ambiental da ONU Rio + 20, entre 150 chefes de estado.
O Centro utiliza um novo sistema de previsão meteorológica para melhorar a resposta municipal às enchentes que afligem o Rio de Janeiro e que poderiam paralisar qualquer um desses eventos. Moradores de áreas de risco também estão sendo removidos e/ou treinados.
Antes, as órgãos municipais encontravam muita dificuldade para trabalharem juntos, planejar, criar metas, mensurar resultados, ou simplesmente compartilhar informações.
No caso infeliz de acabar a luz em alguma parte da cidade, os administradores podem logo saber quais as escolas afetadas, e os nomes e números de telefone dos diretores– para então tomar as providências. A única crise até agora que surgiu depois da inauguração do Centro foi um ataque de tiros em abril passado, em uma escola pública de Realengo; o mapeamento de leitos e equipamentos hospitalares contribuiu para uma resposta rápida, dizem os técnicos.
Para acompanhar o dia a dia do Centro de Operações, é só seguir @OperacoesRio, no Twitter.
Antigamente, os cariocas tinham à disposição 67 números de telefone para reclamar de buracos, lixo, iluminação falha, e assim por diante. Ligavam raramente. Agora podem telefonar ou fazer o download de um application para entrar em contato com o novo call center 1746 (1-RIO) , e até enviar fotos. Logo, será também possível acessar as imagens de câmeras de rua, para se planejar os caminhos pela cidade.
De muitas formas, o Rio de Janeiro já chegou mesmo na era moderna. Talvez o que falte agora seja apenas um código de conduta– ou pelo menos um que os políticos reconheçam.
Enquanto isso não aconteça, temos aqui um vídeo oficial sobre o Centro de Operações.