Quinta de uma série de pepitas conversacionais, sobre a transformação da vida cultural na cidade maravilhosa.
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Escultor (e blogueiro) Raul Mourão trabalha com grades desde o fim dos anos 1980. Não do tipo para carregar garrafas de cerveja, ou aquele que organiza horários de aula, mas a espécie que ele observou tomando conta de todo portão e janela, ao passo que os cariocas se enjaulavam, como proteção contra a crescente criminalidade.
“Eu pensei que a gente ia ter que conviver com o tráfico de drogas e as milícias sempre. Sempre morei no Rio, sempre fui apaixonado pelo Rio,” diz ele, confessando que já pensou em se mudar, mas que a ideia “demorou cinco minutos”.
“São Paulo é uma cidade muito interessante,” acrescenta. “A maior parte dos meus colecionadores está lá, os museus. Aqui no Rio a cena é mais frágil. As galerias são menores.”
Já fazia uns vinte anos que Mourão trabalhava com as grades, quando a companhia de acrobacia Intrépida Trupe lhe pediu permissão em 2009 para usar suas esculturas no palco. Mourão não gostou da ideia; temia que as pontas machucassem os bailarinos, que a solda não aguentasse o peso deles.
Quem sabe os bailarinos pressentiam alguma coisa que fugia ao artista. Foram até seu atelier para brincar com as esculturas. Num ensaio, Mourão presenciou um momento quando alguém colocou uma escultura em cima da outra, e deu uma empurrada leve. O improviso balançou até acabar a energia do toque.
“Desde então, eu parei com as grades e fiz as cinéticas,” Mourão explica a dois visitantes ao atelier dele, na Lapa. “Antes, eu tinha uma mensagem. Agora é arte anticonceitual, não tem ideia por trás.” Levanta-se da cadeira, caminha pelo atelier e, um por um, toca uns oito conjuntos de barras de ferro soldadas, pendurados nas paredes ou fincados no chão.
O primeiro conjunto lembra um grande relógio de pendulo; outro um pênis que balança. Um terceiro é uma casa cujo teto mexe de um lado para o outro. Alguns são simplesmente geométricas lúdicas.
A mudança de Mourão de estase para a kinese aconteceu bem quando o Rio de Janeiro começava a se transformar. “O trabalho ganhou uma beleza, leveza e interatividade, o que coincidiu com o momento em que as grades estão sumindo,” ele comenta, feliz.
Ainda existem muitas grades no Rio de Janeiro. Mas em agosto a prefeitura removeu a grade que cercava a Praça Tiradentes, em parte para encorajar quem pensasse fazer igual. Com um ar mais artístico, a praça se torna uma extensão da Lapa, o primeiro bairro carioca a se revigorar, já nos anos 2000. Em março, a Universidade de Columbia inaugurou um laboratório de pesquisa urbana na praça.
Outro fenômeno sincrônico, Mourão ressalta, foi o filme de animação, Rio. “Foi pensado há seis ou oito anos,” calcula ele. “Estreia no momento que a cidade está ficando legal. Rio é tão importante quanto as Olimpíadas e a Copa. Está entre os dez filmes mais vendidos para crianças entre cinco e dez anos. Em cinco anos, eles terão dez ou quinze anos, e vão ver as Olimpíadas acontecendo numa cidade real que eles conheciam apenas como um desenho animado”.
No mês passado, o Rio de Janeiro ofereceu uma feira de arte contemporânea no revitalizado Pier Mauá, com 28 exibidores estrangeiros, de um total de 77. As curadoras Elisangela Valadares e Brenda Valansi Osorio se juntaram aos craques de negócios Luiz Calainho e Alexandre Accioly, e, de acordo com a imprensa, conseguiram um milhão de reais em investimento municipal, mais cinco milhões em recursos privados para o projeto. Apesar dos quatro dias do ArtRio terem competido com uma igualmente concorrida Bienal do Livro na outra ponta da cidade, a feira de arte foi um sucesso estrondoso.
“A estimativa oficial é que vendeu três vezes (R$ 120 milhões) o que a feira de São Paulo vendeu neste ano,” diz Mourão. De acordo com a imprensa, os organizadores esperavam 20 mil visitantes– e tiveram 46 mil. “A feira pode suscitar novas coleções, pode dar esse clique em jovens, em um cara que nunca comprou nada,” diz Mourão, explicando que as feiras de arte derrubam barreiras que existem normalmente em museus e galerias, ambientes mais formais.
Não satisfeito com o movimento do dinheiro em direção á arte, nem com a novidade de movimento no atelier, Mourão se propulsiona para lugares e parcerias inusitados para a arte contemporânea e para os artistas. Em novembro, ele irá participar de uma exposição coletiva, Travessias, num galpão abandonado no Complexo da Maré, junto com Luiz Zerbini, Lucia Koch, Marcelo Cidade, e Marcos Chaves, entre outros. A exposição conta com a curadoria de Daniela Labra, Frederico Coelho e Luisa Duarte. Geógrafo Jailson de Souza, fundador do ONG Observatório de Favelas, localizado no Maré, é coordenador da iniciativa.
“A gente está circulando. Enxergo o Rio no futuro como uma das cidades principais do mundo,” comemora Mourão. “A cultura pode ser uma ferramenta de transformação gigantesca.”
Diferente de muitos outros idiomas, a palavra de língua portuguesa mudar conota tanto transformação quanto movimento físico. A cidade que abrigou os compositores Noel Rosa e Tom Jobim, o poeta Carlos Drummond, o cineasta Glauber Rocha, e escritores Machado de Assis e Nelson Rodrigues, e que também foi o berço do samba, choro, bossa nova, a inovação arquitetônica e tantas coisas mais está… mudando, e chegou a hora de se aproveitar de tudo que ela nos oferece, exorta Mourão, enquanto suas esculturas mexem, mexem, e mexem.