Complexo da Maré: dose de outra realidade para a tropa de elite

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Desde do o começo da nova política de segurança pública no Rio de Janeiro, em 2008, o BOPE já se reuniu com representantes comunitários, mais nunca desse jeito.

Discutindo a relação muito muito ruim

Primeiro, ninguém convidou os policiais. “Quando a gente viu o BOPE chegando, primeiro pensamos que era para fechar a reunião,” disse Rubens Casara, um juiz que se interessa por direitos humanos. “Depois pensamos que era para limitar as denúncias,” ele contou aos três oficiais do BOPE que foram para a reunião, no fim das contas, para ouvir e responder às queixas de moradores.

Perguntam "O que que você está olhando?", invadem nossas casas

Depois, o motivo de todo mundo estar espremido numa grande sala de aula da ONG Observatório de Favelas na favela Nova Holanda no Complexo da Maré, Zona Norte, era… a primeira ponte estaiada do Rio de Janeiro– algo que normalmente não faz parte de estratégias de segurança pública.

Troubled waters

Brasil, terra de contrastes

Programada para abrir ao tráfego veicular no mês que vem, a moderníssima ponte de R$ 300 milhões toma vulto por meio das máquinas e homens da construtora Queiroz Galvão. Vai conectar a Linha Vermelha à UFRJ, onde duas outras façanhas de engenharia, no caso engenharia de negócios, ganham vida: o centro de R$ 800 milhões equivalentes, de pesquisa e desenvolvimento, da GE, e um centro de pesquisas de R$ 500 milhões, onde a universidade e algumas outras empresas irão desenvolver tecnologia para a exploração do pré-sal.

Por último, a comunidade mais próxima (comunidade sendo o termo politicamente correto para favela, algo um tanto irônico pois comunidade é justamente o que falta no Brasil, onde os corpos e mentes de alguns tem maior prioridade do que os corpos e mentes de todos), o Complexo da Maré, não está pacificado. Tão sem paz está, que no dia 10 de outubro, de acordo com o jornal Extra, um número desconhecido de traficantes armados chegou ao canteiro de obras e demandou R$2 milhões em troca de um ambiente pacífica de construção civil.

E o que fez a tropa de elite, para assegurar que a ponte cumprirá o cronograma? Jogou panfletos de um helicóptero, pedindo a ajuda dos moradores da Maré, e enviou 120 soldados para a área, com a missão de encontrar os extorquidores.

Contudo, os panfletos (sobras de outra favela) continham a informação errônea de que a área estava sendo pacificada; não se mencionou a caça aos extorquidores até ontem; e, dizem moradores, os soldados estão invadindo casas, atirando sem considerar transeuntes, e aterrorizando a população de maneira geral. “O mandado judicial é o uniforme deles,” disse um morador. “Eles falam, ‘O que você está olhando?’ e não portam identificação” .

“Há entre 400 e 500 traficantes aqui,” disse Jailson de Souza, fundador do Observatório, que tem um enfoque em direitos humanos. “E algo entre 140 e 150 mil pessoas moram aqui, no total. Mas os soldados parecem pensar de tudo isso como território inimigo”.

Capitã Marlisa (que conforme o hábito brasileiro, não adiantou o sobrenome), de rabo de cavalo loiro, prometeu passar os contatos dela, para que os moradores pudessem denunciar abusos policiais. “Preciso desse tipo de retorno,” ela falou. Pela lei, os soldados têm que portar etiquetas de identificação no uniforme, e pode-se adentrar uma casa apenas com um mandado judicial, ou se pegar um criminoso em flagrante.

Será possível construir um outro tipo de ponte?

Os três oficiais do BOPE pareciam sinceros na vontade de melhorar a comunicação e trabalhar junto com a comunidade. Em favelas com UPPs novas– pelo que se relata, os únicos lugares onde a tropa de elite tem se reunido com moradores para conversar– esse posicionamento tem funcionado bastante bem. Mas o Complexo da Maré é outro mundo, sem paz, um teste verdadeiro de capacitação e comportamento policial.

Tenente Alexandra Vicente, psicóloga do BOPE, disse que as denúncias seriam investigadas e que os soldados culpados iriam “para a rua” em até trinta dias.

Jailson de Souza reivindica

De Souza admitiu que a política de segurança pública representa uma mudança de paradigma, com capacitação em policiamento comunitário, a retomada de territórios até pouco tempo atrás dominados por criminosos, e a criação até agora de 17 UPPS. “Mas o que acontece aqui é o velho paradigma,” ele concluiu.

Agentes de saúde presentes na reunião disseram que o estresse na população local traz um aumento de queixas de hipertensão e diabetes e, em crianças, febre psicossomática. Um professor reclamou de um muro metralhado. Charles Guimarães, presidente da Associação de Moradores do Baixa do Sapateiro, disse que os policiais não prestaram socorro a uma mulher que levou um tiro deles mesmos.

Da tentativa de extorsão surgem perguntas sobre a geografia do enorme Complexo e de qual das três facções locais teria responsabilidade.  A área onde o BOPE tem agido nos últimos onze dias não fica perto do canteiro de obras da ponte. Mas a polícia conta com inteligência e uma estrategia, tenente Vicente assegurou ao RioRealblog. “Não estamos dizendo, ah, vamos ali hoje,” ela acrescentou.

Dos moradores a inteligência não deve estar vindo, pois estão desconfiados e furiosos com a maneira pela qual vêm sendo tratados.

Acima de tudo, eles querem que o comportamento policial real seja igual à prescrita. Sabe-se que policiais fabricam flagrantes, com drogas. “O que vou dizer [quando um soldado faz uma busca sem mandado, ou bate num morador, por exemplo], ‘Vou contar tudo à capitã Marlisa ‘?” perguntou um participante na reunião.

Após a reunião de ontem, representantes de 30 ONGs, associações de moradores, projetos comunitários, postos de saúde e uma escola municipal  divulgaram uma nota reivindicando uma reunião imediata com a Secretaria Estadual de Segurança Pública, com o comando do BOPE, e o comandante do batalhão local; uma nota do BOPE aos moradores para explicar a operação atual e descrever o comportamento correto de policiais; a investigação de todas a violações de direitos relacionadas ao BOPE; e a suspensão imediata da operação em curso até o cumprimento dessas demandas.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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2 Responses to Complexo da Maré: dose de outra realidade para a tropa de elite

  1. Pedro says:

    De todas as favelas do Rio, o Complexo da Maré vive a situação mais dramática em minha opinião. Há mais de uma década, os moradores estão no meio de uma guerra entre traficantes rivais e o Estado fecha os olhos. A inauguração do 22º BPM é bem representativa do cinismo das autoridades públicas no tratamento dos moradores do conjunto de favelas. A versão oficial era de que o BPM pacificaria a região, mas a verdade é na verdade o batalhão serve para patrulhar a Linha Vermelha, via expressa que liga a cidade ao Aeroporto Internacional do Galeão. São inúmeros casos de crianças e mulheres mortas por tiros de fuzil na Maré. Agora, uma ponte cinematográfica vai passar sobre as favelas. Um boato (não foi mais que isto) de extorsão fez o Bope (que sempre esteve mais para milícia do Congo do que para tropa de elite, mas isto é outro papo) ocupar o local para invadir casas e balear inocentes. A nova sede da “tropa da elite” ficará nos fundos da Vila do João e já se fala em pacificação automática do local pela simples presença da unidade. Ok. Apenas não entendi, porque a primeira providência da tal tropa ao entrar na Maré foi destruir as máquinas caça-níqueis nos bares, conforme relatam os moradores.

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