Não foi a tolerância zero que levou segurança para Nova York; o Rio estaria no caminho certo
Click on the link just below to read a New Yorker article with relevance to crime-fighting in Rio de Janeiro, summarized here in Portuguese
Um artigo na revista New Yorker de 30 de janeiro 2012 por Adam Gopnik sobre o sistema carcerário norteamericano traz informações preciosas sobre como a cidade de Nova York se tornou segura. Gopnik, um escritor ultra-culto da equipe da revista, escreve sobre uma gama enorme de assuntos. Nesse artigo, ele descreve o “escândalo” das prisões nos EUA, que hoje contêm mais gente do que Stalin colocou em gulags no auge desses: acima de seis milhões.
Estranhamente, diz Gopnik, o número de presos caiu no estado de Nova York, no mesmo período em que a taxa de crime caiu vertiginosamente, entre os anos 1990 e 2010. Então, quais foram as causas da queda na taxa de crime?
Gopnik resume as surpreendentes conclusões do livro The City That Became Safe (A cidade que se tornou segura, inédito no Brasil) de Franklin E. Zimring, publicado em novembro passado. Basicamente, a queda se deve a uma maior presença policial em áreas de maior risco; e revistas mais intensas de jovens em bairros de população negra e hispana.
Soa familiar?
A seguir, a tradução dos trechos mais relevantes para o leitor brasileiro, do artigo de Gopnik:
[…]A mudança não veio da resolução de patologias profundas sobre as quais a direita se obcecara — tais como encarcerar superpredadores, forçar para baixo o número de mães solteiras, ou mudar a cultura de dependência no sistema de bem-estar. Tampouco havia curas pelas causas subjacentes apontadas pela esquerda: injustiça, discriminação, pobreza. Nem houve efeitos mágicos surgindo de um aumento de abortos ou coisas do gênero. A cidade não ficou muito mais rica; não ficou muito mais pobre. Ao passo que o crime violento praticamente sumiu, não houve uma mudança significativa na configuração étnica , ou nas médias de nível socioeconômica ou de formação escolar. O policiamento de “janelas quebradas” ou de “saltadores de roleta”, ou seja a efetuação de choques em pequenos delitos visíveis, para criar uma atmosfera que desencorajava o crime, parece ter tido um efeito ínfimo; houve, escreve Zimring, uma grande diferença entre os lemas e a verdadeira estofa da época […]
[…] Em vez disso, pequenos atos de engenharia social, com a intenção de frear o crime, contribuiram para frear o crime. Nos anos 1990, a polícia de Nova York não lutou contra crimes menores em lugares seguros para começar a controlar o crime; porém colocou muitos policiais em lugares onde aconteciam muitos crimes– o chamado hotspot policing, ou policiamento em lugares quentes. Os policiais também iniciaram um programa agressivo e polêmico de revistas, “com a intenção de prender os tubarões e não os golfinhos”, como descreve Jack Maple, um dos pais do pr0grama– que envolvia o que se chama pejorativamente de profiling, ou perfilamento. Isso não era tanto racial, pois em um dado bairro todos os suspeitos seriam da mesma raça ou cor, como era social, utilizando os milhares de pequenos dados que os policiais já reconheciam. As comunidades de raça minoritária, assinala Zimring, pagaram um preço desproporcional em números de jovens revistados e detidos, mas também tiveram um ganho desproporcional na redução do crime. “Os pobres pagam mais e ganham mais,” Zimring coloca. Ele acredita que um programa “leve” de revistas poderia ser menos ofensivo com a mesma eficácia, e diz que ao reduzir o crime urbano, as revistas acabaram por reduzir em muito o número de jovens pobres e de origem racial minoritária, que passam longos períodos na cadeia.
Zimring insiste, plausivelmente, que ele oferece uma reinvenção radical e otimista das teorias do que seria o crime e de onde ficam os criminosos, em grande parte porque desassocia o crime das minorias raciais. “Em 1961, 26% da população de Nova York era de minorias afro americanas ou hispanas. Agora, elas respondem por metade da população — e o que isso nos traz, de maneira enormemente positiva, é a destruição dos preceitos simplistas de criminologia de oferta,” diz ele. Por “criminologia de oferta”, ele quer dizer a teoria conservadora de crime que sustentava que as circunstâncias sociais produziam uma certa quantidade líquida de crimes que aguardavam por serem cometidos; se você os freava aqui, eles estouravam ali. A única maneira de de frear o crime era de prender todos os criminosos em potencial. Na verdade, a atividade criminosa parece ser igual a qualquer outra escolha humana– uma questão de ocasião e oportunidade contingencial. O crime não é a consequencia de um certo número de criminosos; criminosos são a consequencia de um certo número de oportunidades para cometer crimes. Feche o mercado aberto de drogas em Washington Square, e ele não irá migrar automaticamente ao Tompkins Square Park. Ele cessa, ou os traficantes vão para dentro de casa, onde os negócios continuam, sem o crime violento.
E, num ciclo virtuoso, a taxa reduzida de crime alimenta uma nova queda no crime. Quando seus amigos não assaltam mais, há menos chance de que você vá assaltar. Zimring falou, numa entrevista recente, “Lembre-se, ninguém nunca ganhou a vida assaltando. Não há salário mínimo no crime violento.” De alguma forma, ele afirma, é uma forma de lazer, de estilo de vida: “O crime é comportamento de rotina; é uma coisa que as pessoas fazem e se acostumam a fazer.” E é aí que reside sua fragilidade essencial. O crime deixa de acontecer como resultado de “forças cíclicas que operam em coisas conjunturais e contingenciais, e não pela descoberta de ligações essenciais de motivação profunda.” Os conservadores não gostam desse ponto de vista porque revela que não adianta ser durão; os liberais não gostam porque aparentemente tampouco adianta ser bonzinho. Frear o crime não depende de reverter patologias sociais ou de aliviar queixas sociais; depende da construção de pequenas e irritantes barreiras à entrada.
Gopnik lembra que é só olhar o crime de colarinho branco para entender que não se trata de uma população fixa de criminosos que simplesmente vai se mudar de escritório, hora que o governo descobrir um caso de insider trading. “[…] conseguir que a S.E.C. feche as oportunidades é um bom caminho para limitar a gama da patologia,” escreve no New Yorker.
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Profundas tendências sociais talvez apareçam no futuro para esclarecer o momento atual.
[…] É pelo menos possível, por exemplo, que a chegada do telefone celular ajudou a tirar o tráfico de drogas do espaço público, de maneira que reduziu o crime. Pode ser que o valor real das revistas era que se tratava de uma estratégia na qual a polícia acreditava; como a história militar revela, uma estratégia ruim é muitas vezes melhor do que nenhuma, sobretudo se o outro lado pensa que é uma estratégia boa. Mas uma coisa é certa: as epidemias sociais, de crime ou de castigo, podem se curar mais rapidamente do que esperamos com mecanismos mais simples e superficiais do que imaginamos. Passar um curativo por cima de uma ferida grave é na verdade uma jogada decente, se o curativo contribui para que a ferida comece a sarar.
Por fim, Gopnik diz que muitas vezes evitamos tratar de um problema social porque nos parece fazer parte de um desafio tão grande que achamos impossível enfrentá-lo. Nos parece que teríamos que mudar a sociedade toda para solucionar o problema. “[…] humanidade e senso comum fizeram com que o problema insolúvel simplesmente levantou e foi embora,” ele conclui.
Provavelmente o Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, iria concordar.