Abre uma “birosca” já, diz agência de propaganda

Rio + Rio

Quinta-feira passada ia ser dia de compra, tarefa de baixa prioridade para uma blogueira, porém um compromisso cuja importância vai aumentando conforme o papel higiênico vai acabando.

Mas daí Camilo Coelho, ex repórter do Blog da Pacificação (publicação pouco crítico), postou  no Facebook sobre um evento na quadra de samba na favela Santa Marta, em Botafogo. Dizia se tratar de “discutir o papel da sociedade e das grandes marcas no processo de pacificação das favelas”. Da NBS, agência de propaganda cujo nome por extenso seria No Bullshit.

Hein? Marcas? Bullshit é o cacete.

A favela de Santa Marta foi a primeira a ser pacificada, em dezembro de 2008, mas esta blogueira não estivera lá desde 1996. Aquela visita foi na companhia de um morador, sem máquina fotográfica, para entrevistar um presidente de associação de moradores para o newsletter da ONG pioneira, CDI. O entrevistado disse que dois ou três dos presidentes anteriores haviam sido mortos a tiro.

Mais fácil dizer "xis" hoje em dia

E assim, na correria da comunicação virtual, ficou claro que seria preciso esticar o papel higiênico.

A quadra de samba enchia rapidamente de gente. De quê se trata? RioRealblog perguntou ao responsável pela UPP Social, Ricardo Henriques, que apresentou o Coordenador da Polícia Pacificadora, o coronel Rogério Seabra. Seabra deu de ombros; Henriques disse que aquilo acontecera à margem de seu dia a dia no Instituto Pereira Passos.

Lotação esgotada

O Secretário Estadual de Segurança Pública José Mariano Beltrame estava lá; também estava o Secretário Municipal de Conservação Carlos Roberto Osório e seu subsecretário, Joaquim Monteiro. E a colunista de economia d’O Globo Miriam Leitão; um guia de turismo local; e os presidentes da Light e o Banco Santander…

Dispostos nos 300 assentos estavam caderninhos, lápis pretos, um livrinho de dicas sobre como fazer negócios em favelas, e um desenho de mapa de atrações inusitadas em locais inusitadas.

Foi difícil não sentir uma certa marginalização. Tantos preparativos, e o evento surgiu por acaso ontem, no Feice?

Seria o verdadeiro Rio de Janeiro?

Havia uma iluminação toda transada, um sistema de som e um palco; o quadro era comparável ao coquetel e palestra recentes da arquiteta Zaha Hadid no MAM. Exceto aqui era uma favela.

Será que já se viu tamanho hype em Medellín?

No palco, o pessoal da agência disse que tivera uma surpresa. “Queríamos um projeto marcante, que reafirmasse a relação da NBS com o Rio nestes dez anos de agência,” explicou André Lima, sócio e diretor de criação. “Criamos o Rio1416, para compreender as oportunidades e desafios da cidade, queríamos convidar empresas para participar do debate. A ideia era falar de Copa e Olimpíadas, mas quando começamos as conversas, vimos que as pessoas queriam falar de UPP.”

Então a NBS mandou fazer uma pesquisa de opinião, RIOSurveyII, elaborada nois dois últimos meses.

Setenta quatro por centos dos respondentes disseram se sentir mais seguros hoje do que há três anos. Quarenta sete por cento disseram estar otimistas sobre a nova política de segurança pública. A amostra é pequena, de apenas 172 respondentes, aparentemente nenhum morador de favela, a maior parte jovens.

NBS também conduziu entrevistas com os mais importantes agentes da transformação do Rio de Janeiro. A Secretária Municipal de Educação Claudia Costin afirmou que sem a pacificação, ela não poderia reformar as escolas da cidade.

A NBS achou tão marcantes esses resultados postivos que decidiu abrir um escritório no Santa Marta e chamou seus clientes– entre os quais os sucos da Coca-Cola Brasil, a Oi e a empresa de seguros e previdência privada SulAmerica– para dar uma conferida nos morros do Rio.

Os morros pacificados.

“Para mim, parece que estão dizendo às empresas que podem entrar, desde que seja com escolta policial,” comentou uma de algumas pessoas do público que estavam meio inconformadas com a proposta.

“É isso mesmo,” diz Taciana Abreu, diretora de planejamento da NBS . “Me diz, alguma empresa vai entrar de outro jeito? Acho que não né? ”

Outros críticos dizem que a escolta –a pacificação policial — é maquiagem. Os policiais são truculentos e corruptos, afirmam. Alguns críticos têm ojeriza da ideia dos moradores de favela serem vistos como consumidores em potencial– ou, no caso dos dançarinos de passinho que fecharam com chave de ouro a apresentação e uma sessão de perguntas e respostas, como produtos. Existe também a questão subjacente do grau de abrangência e profundidade da pacificação, num quadro de preconceitos e comportamentos profundamente arraigados, de criminosos em migração, e de relatos de milicianos com poder crescente.

Antes, uma escola de samba se apresentava. Agora é o passinho...há uma diferença?

É fácil esquecer de como era a vida.

No começo dos anos 2000, enormes números de visitantes entravam nas favelas cariocas pelo mundo virtual, ao jogar o videogame Counterstrike. Estranhamente, faltam ao território do jogo verdadeiros moradores de favela, criminosos e transeuntes. Há apenas terroristas, reféns e strikers. Ninguém mais importava.

Muita gente de verdade mora em favelas, e há anos que muita gente trabalha em projetos sociais em favelas. Muitos desses podem se sentir, bem, marginalizados pela pacificação e pela proposta da NBS. Porquê, depois de tantos anos, muito morador de favela já perguntou, você está se importando comigo agora?

A participação do setor privado na pacificação é crucial, conforme dizem os governos estadual e municipal desde o começo. Mas até agora os únicos conhecidos participantes de vulto são o programa nacional Coletivo da Coca-Cola, e o magnata de energia e mineração, Eike Batista.

Agora, a NBS está falando do que interessa mesmo: resultados financeiros. Na quadra de samba, os executivos da agência mostraram uma capacidade impressionante para perceber a realidade. “Cada comunidade é uma comunidade,” assinala o livrinho de dicas. “Ouça os moradores, quando for convidado para um cafezinho, aceite […] lembre-se que estamos falando de territórios em transição”.

Caminhão de entrega das Casas Bahia sobe o morro, seguido por uma van da NBS

Garotos de tênis bonitos, aponta o escritor e organizador das Batalhas do Passinho Julio Ludemir, antigamente eram imediatamente identificados como garotos que ganhavam dinheiro no trâfico. Hoje em dia, com a nova classe média, muitos garotos compram tênis bonitos. “É a cidade que quer a pacificação,” diz ele, “e a cidade é mais do que todas as políticas públicas juntas”. A classe C, ele  e outros acreditam, é o verdadeiro motor da transformação social no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo.

Isso estava em evidência no dia seguinte não muito longe do Santa Marta, em um supermercado de Botafogo, com prateleiras de madeira novas e aconchegantes na seção de vinhos. No centro da loja, comemorava-se o aniversário de um funcionário com música, bolo e guaraná. Apesar dos preços altos, os clientes empurravam seus carrinhos acompanhando o ritmo do parabéns.

Enquanto isso, a NBS diz que alguns clientes já manifestaram interesse em fazer negócios em favela, mas não pode citar nomes ainda.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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