Imagine a cara do Rio na hora de acendermos a tocha olímpica — e depois
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As favelas mais acessíveis e seguras da cidade serão uma versão de Santa Teresa em níveis diferentes, cheias de pizzarias bacanas e bares de tapas, música legal na calçada e vistas maravilhosas? Muitos dos residentes, de posse do título de propriedade, terão vendido seus imóveis e mudado para Guaratiba, Santa Cruz ou Rio das Pedras? A cidade continuará dividida entre panelinhas, com funkeiros, hipsters e membros do Country Club acomodados às suas respectivas zona de conforto?
Ou o Rio será capaz de manter e alimentar um rico mosaico que estimula a travessia de zonas e túneis, levando a encontros inesperados que fomentam a criatividade e iluminam vidas?
Há mitos urbanos de sobra. Um deles é que a política de tolerância zero para janelas quebradas e similares ajudou a revitalizar a cidade de Nova York. Outro poder ser a ideia de que títulos de propriedade empoderam os pobres.
Títulos de propriedade
Um esforço pioneiro para emitir títulos de propriedade na favela do Cantagalo, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, é examinado em um livro publicado no ano passado por Paulo Rabello de Castro: Galo Cantou: A conquista da propriedade pelos moradores do Cantagalo. Para que fosse possível a emissão de títulos de propriedade aos moradores do local, uma equipe de jovens advogados voluntários precisou convencer o governador Sérgio Cabral a alterar a constituição estadual.
Atualmente, a concessão ampla de títulos de propriedade é uma política tanto do estado quanto da cidade do Rio de Janeiro, em consonância com um preceito expresso pela primeira vez nos anos 1980 pelo economista peruano Hernando de Soto. Ele disse que uma escritura abre as portas ao crédito, à informação e a outros benefícios da economia de mercado formal.
Portanto, foi um tanto quanto chocante ouvir recentemente o agitador de favelas Jaílson de Souza, residente de longa data do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, falar sobre como se poderia evitar a gentrificação. “O último passo é a concessão de títulos de propriedade,” ele disse, acrescentando que os moradores de favelas precisam de tempo para desenvolver a capacidade econômica, cultural e educativa necessária para ficar com suas casas.
Jaílson de Souza disse que apoia a criação de “espaços culturais”, utilizando o modelo da APAC (Áreas de Proteção de Ambiente Cultural) instituído no Rio em 1992, que visa a proteção de edifícios.
De acordo com o relatório do urbanista e arquiteto brasileiro Edésio Fernandes, publicado pelo Lincoln Institute of Land Policy, intitulado Regularization of Informal Settlements in Latin America [Regularização de Habitações Informais na América Latina], em Recife o zoneamento urbano tem sido um mecanismo bastante eficiente para proteger moradias da população de baixa renda da especulação imobiliária. Ele cita um estudo dizendo que uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) que estabelece “limites no tamanho dos lotes, altura dos edifícios e número de lotes permitidos por indivíduo, quando usada em conjunto com programas de concessão de títulos de propriedade, pode reduzir significativamente o surgimento de pressões imobiliárias em comunidades recém regularizadas.”
Em algumas cidades da América Latina, legisladores tentaram limitar a transferência de títulos de propriedade obtidos recentemente, exigindo a aprovação da associação de moradores ou proibindo a venda por vários anos (o caso dos apartamentos do Programa Minha Casa, Minha Vida). Segundo Edésio Fernandes, essas iniciativas somente estimularam a criação de outros tipos de transações informais.
A gentrificação não tarda
Talvez para a felicidade daqueles que concordam com Jaílson de Souza, no Rio de Janeiro a concessão ampla de títulos de propriedade acontece de maneira cara, burocrática e lenta, com somente um pequeno número de moradores de favelas já de posse da escritura de seus imóveis até o momento.
Enquanto isso, os aluguéis em favelas e os valores dos imóveis estão aumentando rápido, o mercado da construção civil está aquecido, um número crescente de estrangeiros morando em favelas fazem vanguarda, e a gentrificação está acontecendo em partes formais da cidade contíguas às favelas .
No entanto, há pouco debate a respeito.
É claro que a gentrificação, até o momento, não afeta áreas como o Complexo do Alemão, na Zona Norte da cidade. Porém, a mistura de níveis de renda na Zona Sul, alimentada pela proximidade à praia, é, sem sombra de dúvida, a chama-piloto do estilo de vida vibrante de toda a cidade, que atrai tanto cariocas quanto turistas. E, já que vivemos numa época tão focada no mundo virtual, um estilo de vida urbano vibrante é algo singular e precioso– que não pode ser desperdiçado.
Community Land Trust: é possível ganhar dinheiro, sendo proprietário de imóvel em favela
Na década de 1960, alguns americanos se preocupavam com o destino daqueles que estavam sendo forçados a sair de bairros de baixa renda. Nesse contexto, criou-se o modelo do Community Land Trust (uma entidade comunitária que cuida de questões fundiárias), cuja premissa básica era “equilibrar interesses individuais e comunitários”, de acordo com o manual Community Land Trust Handbook.
A questão fundamental, ao criar um modelo de fundo para a proteção de imóveis, é como preservar algum grau de valor de mercado e, ao mesmo tempo, proteger a comunidade de um boom imobiliário ou da especulação, ou ambos fenônemos.
Isso é possível? Um dos fundos comunitários para proteção de imóveis mais antigos foi criado em 1984 em Burlington, Vermont. Esse fundo supostamente foi capaz de proteger partes da cidade de uma expansão do mercado de casas de final de semana (estimulada por novaiorquinos endinheirados ). Um estudo de impacto demonstrou resultados positivos a longo prazo.
Nessa localidade, o fundo comunitário (ou seja, a comunidade) intermedeia as compras e vendas de imóveis. Os proprietários ganham 25% do aumento no valor que ocorreu entre a compra e a venda do imóvel. O estudo comprovou que os proprietários tiveram ganho real no valor da propriedade, ao mesmo tempo que preservou-se a acessibilidade econômica aos imóveis.
Essa porcentagem poderia ser adaptada ao mercado carioca.
Características adicionais de um Community Land Trust
- A terra é tratada como patrimônio comunitário. Os títulos de propriedade de várias parcelas de terra estão sob responsabilidade de uma instituição sem fins lucrativos que administra essas terras em benefício de uma comunidade específica, tanto no presente como no futuro.
- A terra é removida do mercado como um todo, e nunca poderá ser revendida pela instituição sem fins lucrativos. No entanto, a terra é empregada para, por exemplo, o arrendamento de lotes individuais para a construção de moradias, a produção de comida, o desenvolvimento de empreendimentos comerciais ou a promoção de outras atividades de apoio à subsistência individual ou à vida comunitária.
- As benfeitorias (casas) estão juridicamente separadas da terra, para o efeito de titulação. Os títulos de propriedade de imóveis pertencem a proprietários de casas, empreendedores e cooperativas de moradia, etc.
- O arrendamento de terra de longa duração confere aos proprietários das benfeitorias o uso exclusivo da terra sob seus imóveis.
O fundo de Vermont surgiu com apoio governamental e de ativistas. Uma subvenção municipal deu início às atividades. Obviamente, esse é apenas um exemplo, que poderia ser adaptado a ambientes diferentes. Há outros modelos sendo usados para evitar a gentrificação nos EUA e em outros países da América Latina.
Ao longo dos anos, o fundo de Vermont desenvolveu uma variedade de papéis comunitários e no âmbito de moradia, vinculadas à sua missão original.
De conto de fadas para a realidade
Para criar estruturas nesse molde no Rio de Janeiro, seriam necessárias grandes doses de paciência, idealismo e determinação. Muitos valores e suposições teriam que mudar. A longa tradição de participação comunitária nas favelas cariocas foi enfraquecida pelos traficantes de drogas. O engajamento comunitário precisaria retomar fôlego. E quem faz políticas públicas teria que repensar a tradição de impor soluções de cima para baixo.
Também, são necessárias regras para a tomada de decisões coletivas – e elas precisam ser rigorosamente observadas. “As pressões econômicas para ignorar essas regras e para vender os lotes informalmente tornaram-se comum nos ejidos mexicanos, localizados nos arredores de cidades em franco crescimento, minando, portanto, os objetivos iniciais da comunidade,” segundo Edésio Fernandes.
A gentrificação é apenas um dos problemas que desafiam a sociedade brasileira, tão desigual, autocrática e classista. A reviravolta do Rio de Janeiro faz parte de um quadro bem maior: milhões de pessoas saíram da pobreza, ganhando acesso sem precedentes à informação, aos mercados e às redes sociais. Poucas dessas conquistas são reversíveis e isso implica mudanças de longo prazo em atitudes e comportamentos.
Agora é o momento de criar arenas para a participação comunitária e para legitimar instituições e leis. Pois a democracia é um processo, lento e doloroso, sem alternativas.
O que os especialistas têm a dizer
“Se as pessoas que estão realmente interessadas em preservar as comunidades ‘nos morros’ são sérias, elas precisam encontrar mecanismos para conferir poder à comunidade, torná-la autônoma perante o estado, a política e o setor privado,” disse Robert Wilson, fundador da Startup Rio. Wilson, que está trabalhando em uma iniciativa de capital de risco para evitar a gentrificação em favelas, sugere um programa amplo por meio do qual os moradores aprenderiam como assumir suas propriedades, controlar e administrar terras e construções em suas comunidades através de parcerias, e como gerar receita de maneira individual e coletiva.
Matias Sueldo escreveu sobre gentrificação para obter o título recém outorgado de bacharel em direito pela Yale Law School, concluído simultaneamente a um mestrado em Administração Pública pela Kennedy School of Government. Ele sugere que o Rio de Janeiro considere a possibilidade de fazer concessões para uso fundiário com limitações para transferência de títulos, ou a aplicação de regras rígidas de zoneamento urbano para a concessão de títulos de propriedade. “De qualquer modo,” ele afirma, “os procedimentos de concessão de títulos de propriedade no Rio de Janeiro precisam ser repensados antes que a gentrificação force algumas das comunidades mais antigas e vibrantes para as margens da sociedade”.
Theresa Williamson, que fundou a Catcomm, uma ONG sem fins lucrativos em defesa das favelas cariocas, aponta que elas são produto de décadas sem regulamentação e legislação de zoneamento urbano, são problemas transformados em oportunidades. “No fim das contas, essas comunidades oferecem moradia acessível e bem localizada. Uma comunidade é diferente da outra e todas têm manifestações de desenvolvimento cultural e arquitetônico,” ela afirma. “Um modelo de Community Land Trust permitiria que os bens de cada comunidade fossem definidos, fortalecidos e consolidados.”
O que você acha? Por favor, deixe seu comentário abaixo.
Tradução de Rane Souza
Bom dia, Super interessante!
Vivi no Rio, trabalhando na questão da regularização fundiaria e da luta pelo acesso a cidade. No Rio, a primeira questão é o acesso a moradia. A questão de “Gentrificação” entra agora como segundo momento, trazendo novas perguntas, tal como a possibilidade de manter o acesso a cidade num contexto de aumento dos valores fundiarios, ou seja, num ambiente que passa a ser valorizado, de uma forma ou outra. A possibilidade de Community Land TRust oferece uma possibilidade enorme de criar espaços dentro da cidade, espaços que saem do mercado e cujo a valorização sempre beneficia a comunidade. Interessante é que este modelo passou a ser conhecido pelo enfrentamento do fenomeno de gentrificação, e ele constitue no final uma solução inclusive pelos demais espaços para os quais houve e ha um interesse commun. No final das contas, quer dizer todos os espaços: cooperativas de habitação, areas irregulares e informal, etc.
Agora, dois pontos extemamente importantes: a communidade que dirige é pensada em Burlington de uma forma especifica. Dentro do “Conselho” que dirige o trust, encontra-se todos os perfils que tem um interesse no trust, quer dizer:
– os moradores, primeiro,
– a vizinhança. Aqueles que não estão morando la pois tem um interesse no lugar. Penso nos moradores da favela vizinha, que quer manter uma vista sem construição de imoveis. Penso em todas as ONGs tentando apoiar a comunidade, etc.
– o Poder publico. Mas este ultimo, por ser presente, é designado pelos dois outros setores.
E cada parte dessa diretoria tem um terço do poder de decisão. Este modelo de decisão é uma condição do controle ao longo prazo dos valores fundiarios.
Outra parte do mecanismo, que é essencial, é que a mais valia realisada se um morador que quer vender a sua casa, é compartilhada. Uma parte, +- 25 %, vai para o proprio morador. O restante volta para a comunidade. E na verdade, estes 75% de mais valia, ela vai ser retirada do preço de venda desta casa vendida. O resultado, é que o morador seguinte podera ter um nivel de renda bastante similar ao precedente, dato fato que ele vai pagar uma casa com uma redução de preço de 75%.
Esses dois mecanismos, 1. ) governança compartilhada entre moradores, vesinhos e poderes publicos e 2.) mais-valia imobiliaria compartilhada entre o morador e a comunidade, são os mecanismos que fazem do Community Land Trust um mecanismo extraordinario para fortalecer a comunidades enfraquecidas e construir cidade de acesso para todo no muito loongo prazo.
Praticamente, uma perspectiva daquela so teria chance de avançar se houver uma corrente de organização que constroem esta forma de cidade como necessidade, como solução e como reivindicação. Deve incluir moradores, ong, tecnicos do direito, urbanistas, etc, construir a expertisa e apresentar la nos espaços de decisão. Estamos construindo esta corrente na Bélgica, am apoio com as organizações de Brulington (http://communitylandtrust.wordpress.com). Posso ajudar na construção desta reflexão no Rio se for necessario.
Até a apropriação coletiva do solo urbano,
Loïc Géronnez
Agradeço o comentário, muito ponderado e útil!