A pacificação está saindo dos trilhos?

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Seis adolescentes mortos no final de semana, na Chatuba

“Você vai ver, [a violência generalizada] está apenas adormecida,” disse um taxista ontem, no trajeto entre o aeroporto internacional e a cidade.  “Vai voltar. Faz apenas quinze dias que eu levei um vidro quebrado, aqui pela [ainda não pacificada] Favela da Maré, na Linha Vermelha.” Ele apontou para vãos entre os painéis de acrílico instalados dois anos atrás ao longo da Linha Vermelha. Logo em seguida, uma mulher saltou por entre um desses vãos em direção a uma barraca improvisada, para vender petiscos e bebidas a motoristas presos no transito, como nós. “Eles retiram os paineis, tá vendo?”

Ele voltou a olhar para a estrada à frente. “Quebraram o vidro da janela. O traficante mandou os moradores invadir a pista, para ‘protestar’. Foi porque a polícia matou dois traficantes – os moradores disseram que os caras não eram do tráfico. Fazem esses protestos, e daí, você vê todo aquele pessoal de direitos humanos  se juntando a eles.”

As alianças mudam com frequência no Rio de Janeiro, à medida que grupos diferentes disputam poder e território. Enquanto isso, os cariocas—geralmente sem questionar os próprios preconceitos e pré-julgamentos– se esmeram para entender as notícias.

Ontem, seis adolescentes da baixada fluminense, desaparecidos desde sábado, foram encontrados nas margens da rodovia Dutra, seus corpos nus indicando mortes horrendas.

Versões sobre o que levou à tragédia não faltam, mas todos concordam que aqueles garotos, com idades entre 16 e 19 anos, eram inocentes– e foram brutalmente assassinados durante um passeio a uma cachoeira. Duas outras pessoas foram assassinadas nessa região nos últimos dias, e mais um jovem está desaparecido. Além disso, quatro pessoas foram encontradas mortas no domingo em uma casa que era conhecida por ser um ponto de venda de drogas na cidade vizinha de Japeri, a cidade mais pobre do estado do Rio.

Todo mundo tem uma teoria

“A Chatuba, assim como as demais comunidades dominadas pela marginalidade armada do estado,” disse o governador Sérgio Cabral na manhã de ontem ao jornal O Globo, “tem traficantes que fugiram do Rio após a pacificação. Isso é bem claro, não temos ilusão. Ações de violência como essa são uma reação ao enfraquecimento, à diminuição de seu poder.” Ontem mais cedo, em preparação para a chegada de um destacamento policial de longo-prazo à área, a polícia militar ocupou a Chatuba, prendeu alguns suspeitos e encontrou indícios de cinco áreas de acampamento, incluindo um gerador.

As ações policiais de ontem têm o objetivo de “consolida[r] o fim do domínio da Chatuba pelo tráfico de drogas”, de acordo com uma nota divulgada pela Secretaria Estadual de Segurança Pública.

Além da cidade do Rio de Janeiro, destacamentos policiais similares foram designados neste ano, em resposta a atuações criminosas, para as cidades de Macaé e Niterói, dentre outras.

Cariocas que acreditam que a violência está adormecida, que a pacificação não passa de maquiagem e / ou que a pacificação tem apenas a Zona Sul e as instalações que serão usadas nos Jogos Olímpicos como foco– geralmente concordam com o governador e dizem que os traficantes estão migrando, meramente mudando a geografia do crime.

José Mariano Beltrame, o chefe de segurança pública do Rio, discorda.

“As pessoas superestimam a migração,” disse o sociólogo Ignacio Cano ao jornal O Estado de São Paulo. Pode ser que a migração do tráfico de drogas da capital do estado para algumas das treze cidades da Grande Rio seja mais percebida em termos de fatos pontuais, do que estatisticamente comprovada.

“Um traficante que teve que sair de uma favela que ganhou uma UPP vendeu [armas] em uma dessas cidades,” disse um analista de segurança. “Aí, para pagar pelas armas, os compradores acabaram por praticar assaltos no asfalto.” Possivelmente, esses fenômenos ocorrem em partes diferentes do Rio, mas não constituem uma tendência.

O analista diz ainda que Remilton Moura da Silva Junior, conhecido como “Juninho Cagão”—supostamente o algoz dos adolescentes – não saiu de uma favela pacificada para a Chatuba; na verdade, ele comanda o tráfico na região há um tempo. Além disso, muitos dos traficantes mais procurados do Rio como, FB, Nem e Coelho foram presos.

Infelizmente, há pouca informação disponível sobre o impacto da pacificação no tráfico de drogas e nos traficantes de qualquer nível dentro da hierarquia de suas organizações.

O objetivo da pacificação não é reduzir o tráfico de drogas, é somente reduzir seu domínio territorial e os níveis de violência.

O analista, que preferiu não se identificar, disse que quando alguns traficantes migram para outras partes da região metropolitana do Rio, eles conseguem trabalhar apenas as sobras de um mercado que já está estruturado em termos de território e responsabilidades. O Nem da Rocinha, por exemplo, deu cargos de gerência a Peixe e Coelho, chefes do tráfico exilados de suas comunidades.

“Na grande maioria dos casos, […] eles continuam na favela,” disse o analista. “Alguns seguem no negócio do tráfico, que não tem mais a facilidade, a quantidade e qualidade dos clientes de antes, vendem quantidades muito menores para os próprios viciados da favela, e mesmo assim de forma bastante discreta.” Outros passam a cometer roubos de carros e pequenos delitos. Muitos trocam de profissão, com ou sem a ajuda da ONG Afroreggae, especializada nisso. Descobriu-se recentemente que um chef do restaurante japonês Manekineko ocupava anteriormente um alto posto na hierarquia de Nem, antigo chefe do tráfico na Rocinha.

Os painéis que separam a favela da Maré da Linha Vermelha foram instalados em março de 2010, supostamente para reduzir o barulho da estrada que chegava até os moradores da favela. Mas havia claramente motivos estéticos e de segurança envolvidos também. No entanto, quem chega ao aeroporto internacional e se dirige à cidade não deixa de perceber – seja através dos vãos entre os painéis ou de outro modo – a extensa paisagem de moradias de tijolos expostos e cimento espalhadas ao longo do trajeto.

E, com a morte trágica de seis ou mais jovens, os cariocas não devem deixar de perceber que é necessário muito mais do que dispositivos tais como barreiras de som,  para fazer com que o Rio seja mais seguro para famílias da Chatuba, da Rocinha e da Maré, assim como para aqueles que passam de táxi pela Linha Vermelha, chegando de uma viagem de avião.

Clique aqui para assistir a uma declaração do Secretário Estadual de Segurança Pública José Mariano Beltrame sobre a tragédia da Chatuba, a resposta da polícia, e o contexto geral de crime no Rio.

Tradução de Rane Souza

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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