A polícia do Rio cerca e depois ocupa as perigosas favelas de Manguinhos, Mandela, Varginha e Jacarezinho, localizadas na Zona Norte do Rio, entre o estádio do Maracanã e o aeroporto internacional.
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A transformação do Rio às vezes parece um trabalho de desvio de um rio do tamanho do Nilo em canaletas de irrigação, utilizando apenas areia. O sistema é frágil e tende a reverter ao leito original. Cariocas frequentemente atribuem a motivos pessoais ou corporativistas o raciocínio por trás das decisões que afetam todo o mundo. Alguns relatos da ocupação de hoje dizem que foi apenas uma resposta ao recente resgate por comparsas, de um traficante de Manguinhos, preso numa cela de delegacia policial.
Na mesma linha de raciocínio, o prefeito Eduardo Paes anunciou nesta semana que ele irá acabar com as vans de passageiros administradas por milícias, não para melhorar a eficácia do transporte urbano, mas por causa de um protesto de motoristas de van feito em agosto, que criou um engarrafamento enorme. “Tenho horror de ameaças,” ele disse ao jornal O Globo. “[…] Vamos acabar com essa bagunça.”
Mas, cada vez mais, parece que muitos brasileiros trabalham para reforçar as canaletas e manter o fluxo de água fresca; há um novo tipo de carioca andando por aí, de acordo com um livro que será lançado na terça-feira. Pessoas com visão, com ideias sobre como a cidade deve ser.
Conforme a revista Veja Rio apontou nesta semana, esses cariocas votaram com um pouco mais de consciência para escolher os vereadores, no dia 7 de outubro, evitando em certa medida amadores, milicianos e chefões políticos da antiga guarda.
E a novela da TV Globo de enorme sucesso, Avenida Brasil, que colocou a nova classe média da Zona Norte no imaginário coletivo, será substituída na semana que vem pela nova novela Salve Jorge, que mostrará ao Brasil nada menos que o próprio Complexo do Alemão.
Há apenas dois anos, poucos de nós tínhamos consciência ou curiosidade para saber da localização geográfica desta parte da cidade.
Em novembro de 2010, a polícia do Rio e o exército brasileiro conduziram a invasão e a ocupação das favelas do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, após os traficantes terem criado terror nas ruas, incendiando ônibus e outros veículos. Aquela bem sucedida operação improvisada marcou uma guinada na política de segurança publica do Rio. “Rio de alma lavada,” dizia uma manchete de jornal, pois os cariocas passaram a entender que a pacificação, focada no domínio territorial, era a estratégia certa para o Rio.
Naquela época, a política de pacificação só tinha dois anos de existência e o Rio acumulava apenas treze unidades de polícia pacificadora.
A ocupação de hoje representa mais uma guinada, com um foco em planejamento de longo prazo e inteligência; os esforços coordenados das polícias civil, federal, militar e rodoviária federal, bem como do corpo de bombeiros e da Marinha; e a estreia do novo Centro de Comando e Controle da Polícia Militar, inaugurado em junho para a Rio +20.
“Toda ocupação tem seu ponto alto,” o secretário Beltrame disse na coletiva de imprensa desta manhã. “O ponto alto desta é a capacidade de integração de nossas forces policiais, e [a utilização da] inteligência policial “.
No últimos dias, a polícia cercou áreas vizinhas, fazendo 51 prisões e matando cinco suspeitos. Nesta manhã, eles encontraram armas, drogas e veículos roubados. Pedia-se que os moradores das favelas ligassem para o telefone da Disque-Denúncia para apontar o paradeiro de drogas, armas e criminosos.
Porém, os traficantes de peso provavelmente foram embora há tempos, pois não era segredo que estava a caminho a pacificação do Jacarezinho e de Manguinhos. Semanas atrás, uma fonte local disse ao RioRealblog que os narcotraficantes já tinham ido embora, deixando para trás várias esposas e filhos, com dinheiro que logo será gasto.
Ainda assim, foi notícia hoje que dois mil policiais, 24 tanques e sete helicópteros estavam trazendo paz à região conhecida como Faixa de Gaza, o apelido irônico dado ao local nas proximidades da Avenida Leopoldo Bulhões. Por anos, aconteciam tiroteios na região, entre facções rivais de traficantes e entre essas gangues e a polícia.
Disseram as autoridades que quatro unidades de polícia pacificadora serão instaladas até janeiro, somando-se às 28 existentes. Faltarão apenas mais oito para que a meta de quarenta seja alcançada até 2014. Na coletiva de imprensa de hoje, o secretário de segurança pública do estado, José Mariano Beltrame, não disse onde a polícia carioca concentrará esforços após as operações de hoje, mas ele afirmou que o formato do mapa da UPP se assemelha a uma parábola. Pode-se inferir que o vizinho Complexo da Maré seja um provável alvo de curto prazo.
A área agora ocupada é um exemplo da triste história da decadência do Rio, com muitas fábricas forçadas a fechar as portas nos últimos dez anos, contribuindo para uma espiral de pobreza e violência. Dentre essas fábricas estão a Gillette, a General Electric e a fábrica de laticínios CCPL. De acordo com o jornal O Dia, mais de um milhão de pessoas mora nos 28 bairros contíguos. Aproximadamente 70 mil pessoas moram nas favelas em si.
O maior território do Rio para o uso de crack, a cracolândia, também faz parte da paisagem. Os agentes de serviço social da cidade levaram hoje para abrigos mais de cem usuários de crack. Especialistas afirmam que a maioria voltará em breve às ruas, em algum outro local.
De acordo com o governador Sérgio Cabral, amanhã agentes da prefeitura farão sua própria invasão, para atender aos moradores com os serviços municipais até então afugentados pelo crime. Nove mil moradias também serão construídas no local, ele disse, como parte do PAC. Ele espera que caiam as taxas de criminalidade no local; a área é conhecida pela ocorrência de roubos de carros e atividades relacionadas. Prevê o governador que a pacificação renovará a vocação industrial da região, devido à proximidade a corredores importantes e ao aeroporto internacional.
É só manter a visão.
Tradução de Rane Souza