Planejamento urbano no Rio de Janeiro

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O Rio nunca foi tão debatido como agora – mas em que vai dar tudo isso?

Recentemente esta blogueira atendeu a um pedido para descrever o Rio de Janeiro por meio de uma abordagem espacial. Levou duas tentativas para acertar. Foi muito mas natural, de primeira, comentar aspectos políticos e sociopolíticos da cidade. Já finalizado, o texto tornou-se um surpreendente (e instrutivo) conto de duas cidades, com um centro em expansão, um tanto instável.

Nada de Cidade Partida, termo cunhado pelo autor e colunista Zuenir Ventura, para descrever a dialética Morro/Asfalto, – mas a união, por um lado, das zonas mais densas Norte e Sul, em contraste com a espraiada Zona Oeste, por outro lado. E um território central, que poderá crescer mais de 100%, com o novo acesso à baía de Guanabara, arranha-céus e museus de primeiro mundo e transporte público de maior alcance. (Aqui estará incluído o Museu do Amanhã de Santiago Calatrava, surgindo em um píer despontando da Praça Quinze. Não se ouve nada por aqui ainda, sobre como o Rio se certificará de que essa obra está andando corretamente, após a publicação de uma recente reportagem no New York Times, num contexto de dificuldades crônicas da Prefeitura no que tange à fiscalização e follow-up).

Não é fácil conceber o Rio em dimensões espaciais, sendo que se trata de uma cidade com 1.182 quilômetros quadrados, igual à cidade de Nova York (1.213 km2), gigante ao lado de Paris não-metropolitano (105 Km2). Ao considerar o atual processo de transformação urbana, diversas necessidades e desafios se apresentam mais prontamente: infra estrutura, urbanização de favelas, faixas exclusivas para ônibus, a introdução do horário integral nas escolas públicas.

Mas, não vem à mente a aparência da cidade como um todo, panorâmica – e como isso irá ou poderá mudar.

Third and last  portion of New York's Highline will run beside new housing, 30% of which will be low-income

Terceira e última parte do parque Highline em Nova York, que irá ladear novas moradias, 30% das quais serão de baixa renda e serão iguais às unidades não subsidiadas

O plano estratégico do segundo mandato  do prefeito Eduardo Paes, deste ano até 2016, apresenta, sim, um único mapa da cidade, dividido em cinco áreas, indicando as porcentagens de orçamento para cada uma. Ele acertadamente concentrou o investimento nas Zonas Norte e Oeste, as mais pobres da cidade. O plano, focado em um “Rio mais competitivo e integrado”, criado com a ajuda da empresa de consultoria corporativa McKinsey, é composto de metas e orçamentos nas categorias de saúde, educação, transportes, habitação e urbanização, ordem pública e conservação, gestão e finanças públicas, meio ambiente e sustentabilidade, desenvolvimento econômico, cultura e desenvolvimento social.

Falta uma orientação global do fluxo da cidade, de sua forma física – falta visão. Talvez seja por isso que o cidadão carioca se depare com relatos de imprensa como este aqui, indicando (indiretamente, apenas) que levar e trazer grandes números de trabalhadores saindo da Zona Oeste não é uma proposta exatamente sustentável e eficiente. À medida que aumenta a quantidade de passageiros, as empresas de ônibus precisam comprar mais veículos, os quais passam a maior parte do dia desocupados.

Em áreas urbanas mais densamente povoadas e mais interligadas, o transporte também tende a ser mais intenso e articulado.

Enquanto isso, o boom imobiliário da Zona Oeste, chamado de potencialmente “catastrófico” pelos pesquisadores, continua. “Há gente que mora em uma casa naquela região e que, em um belo dia, abre a janela e dá de cara com um prédio enorme”, diz uma carioca, dona de uma casa de final de semana na área de Vargem Grande. “Ninguém está fazendo nada a respeito disso. O dinheiro é que manda”.

Some considerations

Critérios sofisticados de planejamento urbano para o parque Highline

Highline neighbors and visionaries, Josh and

Vizinhos e visionários do Highline, Josh David e Robert Hammond no Arqfuturo no Rio de Janeiro, mostrando um projeto que não foi para frente

No entanto, ao passo que o futuro do Rio toma corpo, à sombra dos Jogos Olímpicos, a cidade vem sediando um número crescente de conferências e debates, reunindo urbanistas, designers e arquitetos. Nunca antes houve tanta atividade e discussão nesse campo. É uma troca rica com potencial para impactos reais.

Na semana retrasada, o seminário Arqfuturo congregou, dentre um rol fabuloso de convidados, a equipe do parque Highline de Nova York, no Rio, para discutir as origens da criação desse parque numa abandonada linha elevada de trem – e como foi concretizado. A história deles destacava o valor da participação comunitária, fenômeno raro no Rio. Uma palestrante divulgou a informação de que moradias ocuparão um antigo pátio de trens no final da última parte do ramal, com 30% reservado para habitação de baixa renda, conforme o zoneamento da prefeitura de Nova York. “E todas as unidades serão idênticas,” ela complementou.

É difícil imaginar algo parecido na revitalização da região portuária do Rio, por exemplo, onde, até o momento, dominam espaços corporativos. Não muito longe dali, moradias de baixa renda até que estão sendo erigidas. Mas, as fileiras de prédios financiados pelo governo federal no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, logo abaixo da favela São Carlos, parecem uma reencarnação, no melhor estilo jogo Banco Imobiliário, daquilo que existia antes naquele lugar: uma cadeia.

O Institute for Transportation and Development Policy [Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento], sediado em Nova York, organizou um seminário em 18 de setembro no Rio, para debater de que maneira a faixa exclusiva de ônibus Transbrasil (BRT), a ser construída ao longo da Avenida Brasil, pode beneficiar áreas adjacentes. O seminário seguiu um workshop sobre planejamento de design , que, de forma inusitada, reuniu representantes municipais das secretarias de Planejamento, Transportes e Urbanismo, da secretaria estadual de Transportes e do gabinete do prefeito. Especialistas estrangeiros também participaram tanto do seminário quanto do workshop, presumivelmente trazendo para o Rio ideias novas e mais sustentáveis.

ITDP seminar

O seminário do ITDP contou com uma apresentação por Lélis Teixeira, presidente do FETRANSPOR, muito criticado no auge dos protestos contra a alta da tarifa de ônibus

Poderia se pensar que os urbanistas cariocas não acompanhem as ideias e práticas internacionalmente consagradas. Mas não é o caso. A arquiteta Helena Galiza disse ao RioRealblog que no início da década de 2000, sob a égide da Caixa Econômica Federal e do Ministério das Cidades, ela trabalhou em parceria com nada menos que a prefeitura de Paris, para criar planos detalhados de revitalização em duas áreas do centro do Rio, com foco na reabilitação de habitação. Porém, os planos ficaram no papel.

Segundo ela, isso se deve à criação do Minha Casa, Minha Vida em 2009, uma iniciativa federal que surgiu em parte para criar empregos em resposta à crise econômica mundial. Desde então, o MCMV tem construído casas de baixa qualidade nos arredores das cidades, beneficiando grandes empreiteiras (frequentemente grandes patrocinadores de campanhas eleitorais) e exacerbando problemas de transporte existentes. Prioridades econômicas e políticas nacionais se sobrepuseram às necessidades locais e ao pensamento urbanístico mais atual. Enquanto isso, continua inexplorado o potencial para a revitalização de moradias subutilizadas no centro das cidades.

” [… ] os interesses políticos, a corrupção, a avareza, a impunidade, o poder dos empreendedores imobiliários e das empreiteiras, aliados aos desequilíbrios sociais de longa data, nunca deixaram que a democracia tivesse uma chance justa  para criar arcabouços exequíveis de planejamento a nível local, sistemas de participação que funcionam e são respeitados,” explica Vicente del Rio, arquiteto e urbanista carioca que leciona na Cal Poly, nos Estado Unidos, e que esteve aqui para o workshop e o seminário do ITDP.

Sérgio Magalhães, presidente do Instituto Brasileiro de Arquitetos, se movimenta constantemente pelo Rio, explicando sua visão de um Rio de Janeiro mais compacto, sustentável e vibrante. Em uma reunião recente do Rio de Encontros na Casa do Saber, ele mostrou parte de uma apresentação marcante, mostrando o fracasso de longa data em atender às necessidades de deslocamento de grandes números de passageiros. Afirmou que o Rio tem estatísticas de deslocamento piores do que São Paulo; de maneira perversa, seus sistemas de trem e metrô não são interligados – e não existe uma parada de trem na universidade estadual, UERJ. Os slides de Power Point (principalmente entre os números 50-61) contam a história de um apartheid urbano que, se não for intencional, advém, no mínimo, parcialmente, de comportamentos preconceituosos profundamente enraizados e da falta de consideração pela população brasileira menos favorecida.

Falta de planejamento no quesito transporte de massa é a maior crítica de dois jovens que se puseram a repensar o Rio, autores do blog Quero Metrô!

E, sim, as empreiteiras desempenham um papel central no transporte, também. As linhas de trem, geridas pela SuperVia (majoritariamente controlada pela empreiteira Odebrecht, que também administra o Teleférico do Complexo do Alemão), são uma concessão estadual com vigência de 1998 a 2048; a concessão estadual do Metro Rio, controlada pela empreiteira OAS e pelo fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, data da mesma época e tem vigência até 2038.  Ambas estão construindo a Linha 4, extensão do metrô à Barra, na Zona Oeste.

Ao passo que eles cavam os túneis, a falta de visão geral (ou seria de mão de obra, ou de financiamento, ou simplesmente de atenção?) leva alguns urbanistas ao desespero pela situação do Rio.

“Enquanto Madureira ganha um novo parque linear com novos equipamentos, temos o Parque do Flamengo que há muito tempo está abandonado e clama por uma projeto de renovação, não somente paisagístico, como de ativação do uso de seus equipamentos originais –o tanque de modelagem naval, pistas de aeromodelismo, coreto para as bandas e a marina publica,” diz Ephim Shluger, arquiteto brasileiro que voltou ao Rio faz pouco tempo, depois de passar anos nos EUA. “A cidade carece de um sistema moderno de sinalização com mapas e placas uniformizadas para facilitar o bom uso e circulação da população e dos visitantes”.

(O Parque do Flamengo, a propósito, brilha no novo filme Flores Raras, dirigido por Bruno Barreto, sobre a poeta americana Elizabeth Bishop e sua companheira brasileira, Lota Macedo Soares, que idealizou o parque e foi fundamental para que fosse construído, no início da década de 60.)

Houve sim um plano para a Barra da Tijuca, elaborado em 1969 por Lúcio Costa, o arquiteto e urbanista que, juntamente com Oscar Niemeyer, planejou Brasília. Mesmo considerando que, conforme explicitado neste artigo de O Globo de abril de 2013, o plano para a Barra foi bastante distorcido ao longo do tempo, a região ainda depende do uso de automóveis e compete com o centro da cidade (existe até um shopping com o nome confuso de Downtown) – exatamente como Costa havia imaginado.

Para o prefeito Eduardo Paes, criado na Barra da Tijuca, é preciso o município atender às necessidades dos moradores e usuários, já que existe uma grande população morando na região – daí, a nova faixa exclusiva de ônibus Transoeste e a extensão do Metrô. Mas, há nuances em tudo isso que demandam atenção.

IAB president Sérgio Magalhães

Presidente do IAB, Sérgio Magalhães, falando no Rio de Encontros

“O Transoeste é um corredor importante de conexão da Zona Oeste com o restante da cidade, e sem dúvida relevante principalmente considerando que na Zona Oeste estão os bairros mais pobres do Rio,” diz Clarisse Linke, diretora nacional do ITDP Brasil. “No entanto, é necessário controlar o adensamento nesta área, para que não aumente – mas sim permaneça no nível atual – e, ao mesmo tempo, ofereça oportunidades comerciais, de trabalho e serviço suficientes para que a população desta área não tenha que fazer este deslocamento pendular diariamente”.

A crescente convergência de ideias, nacionais e estrangeiras, é um elemento positivo, diz Linke. “O fato de o debate estar na mesa já define pressões de todos os lados. Acho que o papel da sociedade civil é o de promover plataformas de discussão. É isso que temos tentado fazer […] Falta, acima de tudo, diálogo e participação social”.

Até agora, o Rio cresceu e mudou no improviso, sem uma visão abrangente, exceto pela era Pereira Passos, no início do século vinte, quando o centro do Rio foi reorganizado ao estilo de Paris. O prefeito Eduardo Paes também pretende deixar sua marca na cidade e seu governo não descansa um momento sequer, mexendo em praticamente cada aspecto da vida dos cidadãos. As ruas estão cheias de caminhões e de coordenadores de tráfego, guardas municipais, orientadores para o descarte de lixo e um número crescente de ônibus.

Como será a nossa vida e a de nossos descendentes na cidade que estamos criando hoje? Haverá acesso pleno, para todo mundo poder viver com saúde, e trabalhar e desfrutar do tempo livre? Os moradores da Zona Oeste irão dar uma passada na Lapa, para dançar samba? Os moradores da Zona Sul irão zarpar para a Cidade das Artes, na Barra, a fim de ouvir a Orquestra Sinfônica Brasileira? Ou estaremos exaustos dos nossos deslocamentos diários, pensando que é caro demais, trabalhoso demais, sair da nossa área de conforto? Apenas os moradores da Zona Norte visitarão o esplêndido Parque de Madureira?

Nunca houve tanta gente, brasileira e estrangeira, com foco no Rio de Janeiro. Nunca houve melhor época para pensar a cidade como um organismo integral e vivo – e para planejar o futuro daqueles que aqui viverão. 

Tradução de Rane Souza

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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1 Response to Planejamento urbano no Rio de Janeiro

  1. Julie says:

    As críticas virão de todos os lados. É importante ver que o Rio esta melhorando muito em termos de infraestrutura.. os transportes públicos foram licitados e a Fetranspor vem fazendo um bom trabalho. Claro que ainda há muito oque se fazer,mas acredito que esse seja o caminho.

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