Repensando as drogas, repensando a sociedade

 

Carl Hart, autor de Um preço muito alto

Carl Hart, autor do livro Um preço muito alto

Após mais de uma década de inclusão social e econômica, o Brasil talvez esteja diante de dois cenários. Ou o pêndulo muda de sentido, agora limitando cada vez mais a mobilidade social, congelando o status quo; ou iremos expandir e aprofundar os ganhos já alcançados.

As dificuldades econômicas que começam a aparecer nos últimos meses apontam para o primeiro cenário. Mas é difícil imaginar hoje, num contexto de crescentes demandas e questionamentos sociais, que o segundo cenário não venha a se materializar em algum ano próximo, nem que seja após um período de digestão das novidades que já experimentamos. Também, com uma eleição próxima — que irá decidir o futuro de nossa política de segurança pública — o debate amplo é essencial.

Portanto, a palestra ontem do psiquiatra e professor norte americano, Carl Hart, sobre “Drogas e Sociedade”, traz questões prementes para o Brasil. Diz Hart que a guerra às drogas serve apenas para excluir as pessoas “indesejáveis” da sociedade, que o problema verdadeiro não é o tráfico de drogas nem o vício das drogas, mas a pobreza.

Foi uma troca instigante, com a participaram do desembargador Siro Darlan, o pesquisador da Fiocruz Francisco Inácio Bastos, Orlando Zaccone, delegado de polícia civil, e Bruno Torturra, jornalista; além de Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Cândido Mendes. Com o apoio da fundação Open Society, Lemgruber organizou este evento.

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O consenso é que o álcool produz consequências piores do que as drogas

Seguindo o padrão dos Estados Unidos, o Brasil já ostenta uma das maiores populações carcerárias no mundo. Ela é composta, sobretudo, de jovens negros, usuários de drogas.

Pela descriminalização e/o a legalização das drogas

Drogas e sociedade também foram debatidas no último Rio de Encontros, que tratou de “Drogas, respostas alternativas e políticas públicas”.  Nesse encontro, entre especialistas e jovens, Julita Lemgruber, ex diretora do sistema fluminense presidiário, logo apontou a morte recente, em consequência de um tiro, do jovem dançarino DG, na favela Cantagalo, em Copacabana. Diz ela que mortes como essa acontecem porque nosso foco está no combate ao tráfico, quando deveria estar no combate à pobreza. 

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O governo conseguiu reduzir o tabagismo, por que não pode agir sobre o consumo de drogas?

“A legislação atual dá brechas para que o juiz, por exemplo, use circunstâncias pessoais e sociais na hora de julgar entre usuário e traficante. O que está aí está dando resultados? O que está por trás da violência é a guerra às drogas,” declarou Julita.

O debate, que contou também com a participação da psicóloga Christiane Sampaio e da antropóloga Alessandra Oberling, trouxe surpresas: muitos participantes jovens, tantos os que moram em favela quanto os alunos da ESPM, não gostariam de ver a legalização das drogas que as debatedoras propõem. Para eles, o vício preocupa demais, abalando famílias e vidas. O estado não atende às necessidades dos viciados e de suas famílias. Muitas vezes, quem preenche o vácuo é uma igreja.

Algumas dessas preocupações surgiram também durante o debate após a apresentação de Carl Hart, que respondeu de maneira rápida e provocadora. Tirar a droga não resolve o problema do viciado, alertou. O certo é procurar a causa original do vício e educar a sociedade sobre todos os aspectos das drogas. As pessoas precisam saber com são ingeridas e como funciona a tolerância, por exemplo; quando e por que as pessoas usam drogas. Todo mundo, ele apontou, acaba por saber quanto álcool consegue tolerar. E as drogas?

"Crack, é possível vencer", no parachoque

“Crack, é possível vencer”, no para-choque: Hart andou no Rio, fotografando nossa realidade

Há mitos sobre drogas, prosseguiu. Os viciados não são zumbis. Hart fez um experimento no qual ofereceu cinco dólares ao viciado como alternativa a uma dose de crack. Todos optaram pelo dinheiro. “Vocês vão me dizer que usaram a grana para comprar drogas depois do experimento,” ele disse. “Pode ser. Mas muitos deles me pediram para escrever cheques para pagar suas contas. Isso mostra que são pessoas racionais.” O certo, acrescenta, é que os pobres tenham alternativas às drogas: relacionamentos sólidos, trabalho, estudo, comida.

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A palestra de Hart aconteceu um dia antes da Marcha da Maconha no Rio de Janeiro

Outro mito vem dos políticos, Hart afirma. “A guerra às drogas permite que os políticos finjam que estão lidando com os pobres. Querem que você acredite que o crack cria a pobreza.” Ele e outras pessoas, como Christiane Sampaio, do governo estadual do Rio de Janeiro, que administra consultórios de rua, dizem que é preciso ouvir os usuários de crack, saber do que precisam, simplesmente atendê-los.

Ideias que mexem com (quase) tudo o que pensamos sobre o mundo

O Brasil está pronto para descriminalizar as drogas? perguntou um participante ao Hart, que propõe a descriminalização como passo intermediário à legalização de todas as drogas. Enquanto um comentarista da mesa lembrou que perguntava-se se os escravos estavam prontos para a liberdade, na época da Lei Aurea, Hart foi ao ponto:

“O ser humano está pronto para qualquer coisa, é só dar uma oportunidade,” disse.

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Quando você olhar para trás para o assunto maior de injustiça social desta época, como você irá descrever sua contribuição?

Para assistir a um vídeo feito pelo comediante político Rafucko, sobre a cocaína e a política brasileira, clique aqui.

 

 

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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1 Response to Repensando as drogas, repensando a sociedade

  1. Clovis Marques says:

    Traduzi o livro de Hart que deve estar sendo lançado no momento. Trabalho sério, claro, e útil, como estamos vendo, mas com uma peculiaridade desse tipo de literatura do cientificismo empírico anglo-saxônico para efeitos de divulgação e ação política: o autor se sente no direito e na necessidade de relatar sua experiência pessoal e sua imbricação com a questão tratada. No caso de Hart, é perfeito e faz todo sentido. Muitas vezes esse tipo de “mistura” dá lugar a tagarelices indesejadas. Não é o caso aqui. Mas ainda assim, tendo a achar que tudo podia ser dito com, digamos, dois terços do espaço ocupado?…

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