
Garotos ouvem a dor de mães cujos filhos morreram baleados por policiais em favelas do Rio de Janeiro
Sua blogueira foi assaltada a mão armada em dezembro de 2002. Três rapazes a fizeram descer do carro, entregando tudo. No dia seguinte, depois de uma farra na Vila Mimosa, ao furar um bloqueio policial, eles bateram o carro num ônibus e fugiram à pé. Dois foram presos.
O desafio então: chegar na delegacia e identificá-los, ou não? A polícia fizera o trabalho dela, tanto que um policial não deu uma aperto de mão porque doía, dizia ele, sugerindo uma boa e merecida surra. A cidadã então fizera o papel dela, numa delegacia de computadores medievais, onde se cruzava, no meio do depoimento, com a mãe dos suspeitos. Eram irmãos, um menor, um adulto.
Horas depois, o medo inundou o corpo, a garganta fechou, ilustrando o sufocamento de morar numa cidade tão violenta.
Meses depois, os irmãos, identificados mais uma vez, julgados, foram para o castigo.
Isso tudo aconteceu há treze anos, num Rio de Janeiro dividido e desesperado que sua blogueira mal conhecia.
Hoje de manhã, numa sala da Nave do Conhecimento do Complexo do Alemão, durante um café de manhã que marcou a criação de um Conselho de Mães de Favela, uma mãe, Monica Cunha, contava a história da morte do filho dela. Estavam mais quatro mães que perderam filhos à violência policial, inclusive a do menino Eduardo, morto no Complexo no início de abril. Todas contaram suas histórias.
As datas da história da Monica quase bateram com a época do assalto de sua blogueira: preso, o filho da Monica foi para o Degase, o Departamento Geral de Ações Socioeducativas. Ao sair, algum tempo depois, em 2006, morreu, vítima de um tiro policial.
“Os filhos não nascem segurando um AK47. Têm família. A vida acontece. O Estado não explicou porque estava fazendo o que fez,” disse ela, que luta contra a redução da maioridade penal porque quer evitar mais mortes.

Mãe de um garoto que levou um tiro da polícia, como resposta a moradores que jogavam pedras, em Manguinhos
Os rostos dos rapazes que bateram com um revólver no vidro do carro, fazendo um toc-toc impossível de apagar da memória auditiva: eram parecidos com o rosto da Monica? Ou de alguma outra mãe ali, bebendo café e comendo bolachas com presunto e queijo? Como era mesmo a cara daquela mãe na delegacia?
Qualquer parentesco real é improvável. O assalto foi em Laranjeiras, longe do Alemão. Os rapazes, se vivos, teriam agora por volta de trinta anos. Mas hoje de manhã, o universo de repente se manifestou em toda sua tapeçaria intricada e perversa. Mostrou-nos que nada é fácil de entender ou de mudar e que, às vezes, um abraço confortante para o Dia das Mães é mais do que necessário.
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Não sei se entendi, JP. Você pode explicar mais um pouco?
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