Alerta de Beltrame, especialistas, para tempos instáveis
Poucas reportagens sobre as recentes rebeliões de presidiários mencionam os motivos pela violência que, até hoje, causou a morte de aproximadamente 16 detentos, com a fuga de 55 de detentos, a maioria recapturados.
O brasileiro está acostumado a esse tipo de notícia; sabemos da superlotação crônica dos presídios, das condições desumanas. A reportagem do Jornal Nacional, ontem à noite, poderia ter sido veículada em qualquer ano ou hora das últimas décadas.
O JN, que omitiu o incêndio de ontem, numa penitenciária no interior do estado de São Paulo (reportado pela GloboNews), mencionou uma “briga entre facções”. O Grupo Globo jamais pronuncia nomes de facções. Portanto, e pela brevidade da reportagem — 45 segundos– o telespectador desavisado facilmente conclui que as rebeliões de Rondônia e Roraima sejam acontecimentos locais.
No Rio, as reportagens do dia de ontem sobre a segurança pública focaram na posse de Roberto Sá, braço direito de José Mariano Beltrame, como nosso novo secretário de segurança.
Parece faltar coordenação nessa área. Alexandre Morães, ministro de Justiça do governo Temer (desde maio), aproveitou a posse aqui para descrever um novo plano nacional de segurança, interdisciplinário, pelo qual as penas seriam mais longas para crimes mais graves. Apesar do Morães falar do plano meses antes, a notícia surpreendeu o palácio do Planalto, de acordo com o colunista Guilherme Amado. Durante o fim de semana, tivemos a estranha notícia de que Carmen Lúcia, a presidente do Supremo Tribunal Federal teria convocado uma reunião emergencial, para o dia 28, para tratar da atual crise de segurança.
O Brasil certamente precisa de articulação entre os três níveis de governo, na elaboração e execução de políticas de segurança pública. Claudio Beato, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública , da Universidade Federal de Minas Gerais, lembrou ao RioRealblog que tal articulação praticamente nunca aconteceu. O suposto novo foco nas fronteiras, que o ministro Moraes tem divulgado, diz Beato, seria menos eficaz do que uma maior cooperação com nossos vizinhos e a utilização de tecnologia, inteligência e investigações.
Em todo caso, acrescenta, grande número das armas no Rio são nacionais, e muitos, acredita, entram pela baía de Guanabara.
Desde junho, sabia-se que o assassinato no Paraguai de um traficante chave, a mando de um brasileiro encarcerado no mesmo país, supostamente pela mão de um criminoso carioca (do morro do Fogueteiro), iria desestabilizar o crime organizado na região, com reflexos para as taxas de crime em vários lugares do Brasil.
Do Globo, em junho de 2016:
“Secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame disse nesta quinta-feira que o assassinato de Rafaat vai mexer com o futuro da criminalidade no Brasil:
— Ele era antigo fornecedor de drogas e armas do Paraguai, não permitia e não gostava que brasileiros se estabelecessem no país. Ele foi morto de forma cinematográfica. Temos relatórios informando que uma facção de São Paulo está no Paraguai há bastante tempo. Se isso está acontecendo, teremos brasileiros deste grupo de traficantes trazendo armas e drogas até São Paulo. De lá, serão distribuídas para o país todo. É algo muito sério. O Brasil, como nação, precisa tomar uma providência — disse Beltrame”.
De acordo com alguns especialistas, a morte de Rafaat destruiu a aliança que o PCC, o grupo de crime organizado dominante em São Paulo, tinha com o Comando Vermelho, do Rio. Teria sido esse fato que levou às rebeliões, e a múltiplos pedidos por transferências dentro do sistema prisional, anteriormente.
Não está claro qual será o desfecho desta parte da história, nem se os tiroteios em várias favelas do Rio fariam parte de uma reorganização do tráfico, de cima para baixo. Apontando situações parecidas no México e na Colômbia, Beato acredita que haverá uma nova acomodação, a longo prazo. Os negócios, enfim, irão orientar o comportamento do crime organizado, diz — e terão que deixar as brigas de lado.
O poder dos incarcerados sobre a vida urbana no Brasil não pode ser subestimado. A invasão do Complexo do Alemão, no fim de 2010, veio como resposta a uma série de incéndios desafiadores de ônibus e de outros veículos, pelo Rio todo. Na época, Beltrame, então secretário de segurança pública, dizia saber que as ordens vinham de dentro de presídios, por traficantes a quem a pacificação estaria incomodando.
Enquanto uma nova ordem não se estabeleça, no Rio continuaremos a viver num clima de apreensão, sobretudo diante da penúria do estado — com dificuldades para pagar os policiais.
Diz Rob Muggah, especialista em segurança e desenvolvimento, do Instituto Igarapé, numa mensagem escrita ao blog:
“É um quadro sombrio. Aparentemente, o PCC recebeu ordem para massacrar todos os detentos do CV em Roraima. Depois, era para o CV matar o PCC em Rondonia, em retaliação. Tudo é ligado a questões penitenciárias […], mas também é provável que tenha uma conexão com a entrada do PCC em território CV (no Rio) nos últimos anos. O CV sofreu com a UPP, mesmo que tenham voltado com mais força em anos recentes. […] Também é provável que tenha a ver com uma chacoalhada no negócio de drogas que começou há alguns meses. O PCC está expandindo o negócio nas partes de tráfico de armas e drogas, onde o CV tinha controle ou alianças. Tudo começou a desandar depois que [Jarvis Chimenes] Pavão (supostamente com a ajuda do PCC) liderou o assassinato do Rafaat (o cara do CV) no Paraguai, há alguns meses. Isso resultou em bastante incerteza (para um negócio que gera de US$ 30-40 milhões por ano) e o que vemos hoje podem ser as consequências disso”.
Veja aqui outra matéria de análise.
Nesta entrevista de saída, na revista Época, Beltrame faz referência a uma suposta perda de controle, por parte de traficantes:
ÉPOCA – No último ano, a sensação foi que a segurança do Rio desandou. Policiais e inocentes voltaram a ser mortos. Balas perdidas reapareceram. Bandidos não respeitam UPPs. Policiais não respeitam moradores e matam crianças e adolescentes. A guerra entre gangues voltou. Os arrastões se sofisticaram. A população voltou a sentir medo de morrer na rua. O senhor sentiu perda de controle?
Beltrame – Quem perdeu o controle foram os traficantes. Eles põem seis pessoas num lugar dando rajadas para cima para causar na população um estremecimento. É como se eles quisessem proclamar a todos: acabou a UPP. Eles estão tentando uma reintegração. Eles estão com muito armamento estrangeiro, do Paraguai, principalmente, e também da Venezuela.