Tiroteios por todo lado, exército na Rocinha: o que acontece?

Buraco muito mais em baixo

Relíquia do lado de fora da secretaria de Segurança Pública: sinal dos tempos?

Fracasso das UPPs resulta de gestão questionável

Segurança é um serviço que, diferente de moradia, saúde e educação, não se presta a soluções diferentes, uma para ricos, outra para pobres.

Isso porque ao construir muros, pagar milicianos, comprar armas, contratar segurancas, escurecer vidros e viver em bolhas acabamos por esbarrar no fato de morarmos num lugar só, a cidade. Os fenômenos sociais e políticas envolvem a todos, sejamos ou não conscientes disso. A parálise da metrópole ontem é a maior evidência atual disso.

Só que o Rio de Janeiro até hoje agiu como se fosse possível tratar a segurança com a mesma abordagem dupla com a qual tratamos os outros serviços das quais dependemos.

Feudos 

Ontem o Rio de Janeiro — sobretudo a Rocinha— fervilhava de tiroteios, suscitando muitas perguntas. O que está acontecendo? Onde foi o erro? Há conserto?

Portanto, sua blogueira resolveu compartilhar informações que vem reunindo, no preparo de um post redondo, mais adiante, sobre gestão policial. O assunto veio à tona nas entrevistas para o livro que agora ficou pronto*. De acordo com o professor Ignacio Cano, consultor e pesquisador em reforma policial, coordenador do Laboratório de Análise da Violência, um fator grande no fracasso das UPPs foi a decisão de trazer o programa — até então independente–  para dentro da administração geral da Polícia Militar, no fatídico ano de 2013 (Agora, diz Cano, a decisão de levar as UPPs para dentro das batalhões, deu o golpe mortal num programa que propunha espalhar o policiamento comunitário).

Dentro de pouco, o blog trará informações mais detalhadas, com mais pontos de vista. Por enquanto, a hipótese é de que as polícias são colchas de retalhos compostas de pedaços dissonantes e mal costurados. Especialistas e ex policiais dizem que muitos desses pedaços funcionam como feudos para diversos oficiais, terrenos férteis para a corrupção. Afirmam que falta controle nas forças policiais, que o poder do secretário de Segurança Pública reside apenas na capacidade de trocar os comandantes da Polícia Civil e da Polícia Militar.

Nesses terrenos, há adubo de sobra para desvios. Se a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, aprovar o pedido de ontem do ministro da Justiça Raul Jungmann, para que seja criado uma força tarefa para investigar o crime organizado no Rio, podemos ter mais uma onda de revelações impactantes no território fluminense.

Segurança sem sistema de segurança para si mesma

De acordo com Sílvia Ramos, também consultora à polícia e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, CESeC, as salas em que a Polícia Militar guarda suas armas não contam com câmeras de segurança. As munições são distribuídas com pouco controle: pedidos constantes não são questionados. A entrada de veículos nos batalhões é registrada em papéis impossíveis de serem consultadas, no caso de querer saber, posteriormente, quem frequentou o local. Até os boletins de ocorrência, preenchidos na rua, não passam por controle adequado.

“Se as Lojas Americanas funcionassem assim”, conclui Sílvia, “iriam à falência”.

Os policiais não contam com tratamento psicológico adequado e não há, praticamente, um departamento de recursos humanos. Lembremos que os policiais das UPPs, mesmo nos tempos aúreos, trabalhavam em contêineres quentes, com difícil acesso a banheiros.

Nem se fala de salários atrasados, mortes policiais, armas disfuncionais ou dos desencontros infantis e repetitivos entre os governos federal e estadual, mais o longo silêncio do prefeito Marcelo Crivella.

Quem sabe, o exercício físico faça bem 

Fique sabendo, leitor, que os elevadores na secretaria de Segurança Pública, acima do Central do Brasil, estão parados. Pela lei, não podem funcionar sem contrato de manutenção. E nenhuma empresa se interessou em assinar um contrato, pois é grande demais o risco de ficar sem receber. (Para piorar, como veremos num post mais adiante, o Plano de Recuperação Fiscal do estado é bastante frágil)

Esse é o ambiente em que se propõe trabalhar com inteligência, em conjunto com as forças armadas — para prender criminosos e baixar os níveis de violência.

Há saída? Um cenário bonito porém improvável seria a aceitação da segunda denúncia da Procuradoria Geral da República contra o presidente Michel Temer, com a acensão temporária de Rodrigo Maia, deputado do Rio, à presidência. Quem sabe, ele resolveria se destacar, já no cargo, no papel de salvador da Cidade Maravilhosa. Maia já se mostrou interessado no assunto, por assim dizer.

De outra forma, a solução tomará vulto a longo prazo, com a renovação da política e o convencimento lento da população de que a segurança pública precisa ser um único guarda-chuva para proteger a todos.

*Sua blogueira terminou de escrever o livro que a ocupou nos últimos três anos (Rio Real: quem manda e como manda numa cidade em transformação, os anos Cabral-Paes) e está de volta aqui a todo vapor. Posts a caminho: polícia, gestão/corrupção; jovens de periferia hoje, orfãos de editais; a viabilidade do Plano de Recuperação Fiscal; Câmara dos Vereadores, novo papel no âmbito metropolitano? — e muito mais.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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