Liberdade, enfim: as favelas do Borel, casa para 35 mil

Lenita de Sousa Vilela é diretora do CIEP Antoine Margarinos Torres, que atende a 500 crianças de 4 a 11 anos. Há cinco meses, 300 recrutas recém-treinados da Polícia Militar ocuparam e pacificaram a região do Morro do Borel, na Tijuca. O tráfico de drogas ainda existe, mas não há mais armas. Lenita nasceu de novo.


Durante todo o ano anterior à chegada da UPP, o tiroteio era praticamente diário. As crianças não dormiam por causa dos tiros. Na escola, tinham medo de ser atingidas por uma bala perdida e temiam pelos familiares, que às vezes estavam envolvidos. Você não sabia quando iria começar, quando iria terminar, nem quem estava atirando. Sabia apenas que estava no lugar errado, na hora errada. Graças a  Deus, nunca ninguém se feriu. Mas houve muitos estragos no concreto, que já arrumei. Guardei algumas balas que chegaram até a escola, para usar no que eu chamo de meu Museu do Holocausto. Sobrevivi a um Holocausto, que exterminou meus sonhos e minha voz, minha capacidade de falar a verdade. Me sinto omissa, mas tive que ficar quieta para sobreviver.

Quando a polícia invadia a favela, eles queriam entrar na escola para beber água. Não podia deixar. Não podia trazer visitas nem mostrar a vista desta quadra. Se fizesse isso, o traficante mandava um homem armado para me dizer que tinha que parar de apontar. Quando instalei câmeras de segurança na escola, ele mandou um homem aqui, para perguntar por que estava vigiando eles. Eu estava aqui naquele dia por acaso, estava de licença-maternidade. Lá estava eu, dando de mamar ao meu filho, na frente de um homem armado. Mostrei para ele que as câmeras focavam os meus alunos. Falei que eu não tinha interesse nenhum naquilo que ele e seu pessoal estavam fazendo. Falei para ele cuidar do pedaço dele que eu cuidava do meu.

Deus me manteve aqui (como diretora) por 18 anos porque ele queria que eu comesse filé, depois de comer apenas osso. Tem que ter eleição para esse cargo, mas em todos esses anos eu nunca tive concorrente. Ninguém mais queria trabalhar aqui.


About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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