E o processo continua, sim
Hoje, o Secretário Estadual de Segurança Pública José Mariano Beltrame, estrela do seminário UPP: um novo modelo de segurança pública?, organizado pela escola de direito da Fundação Getúlio Vargas em conjunto com o jornal Folha de São Paulo, se mostrou confiante sobre o futuro da pacificação carioca.
A Secretaria de Segurança acabou de revelar o resultado de uma pesquisa sobre homicídios em favelas com UPP. Ao auditório repleto, Beltrame quis lembrar as conquistas do programa de pacificação, às vezes marginalizadas pelas notícias de corrupção policial, da resistência do tráfico de drogas, e do retorno da violência.
“Tem lugares que [a taxa de homicídios] é zero,” disse Beltrame, num tom de voz baixo, calculado para impressionar. “Homicídio influi em Indice de Desenvolvimento, IDH.” Levantou a voz. “Vamos construir, vamos construindo. [Vão dizer] ‘ah, mas isso ali, na frente, vai fazer agua.’ Não faz mais água, pessoal. Porque é de vocês. Não é meu, eu já fui embora,” ele acrescentou, se diferenciando do personalismo que se estampa em tantas políticas públicas brasileiras.
Ele continuou a defesa do que chama de processo, em vez de projeto, explicando porque a pacificação é fadada a continuar: “Se político pegar isso aí, ele vai tocar porque se você não tocar, vai perder voto. Se um técnico tocar, ele vai tocar porque tem dados, ele tem pesquisas que mostram o que tá bom, e o que tá ruim.”
Fazendo referência à regulamentação das UPPs em janeiro deste ano, Beltrame acrescentou que o estado agora “tem um decreto que estabelece isso aí, também”.
Numa fala bastante truncada, o secretário deixou escapar evidência de pressões que ele deve ter sentido para aumentar o número de UPPs, hoje totalizando 17.
“Eu pretendo não inaugurar mais UPPs enquanto eu não conseguir fazer as bases, porque antes a gente começou, porque a gente começou, porque a gente vai adequando certas, certas coisas que não estão muito bem.”
Os problemas recentes podem ter contribuído agora para fortalecer o que se supõe ter sido a posição dele desde a inauguração do primeiro UPP, no fim de 2008, na Dona Marta, em Botafog0. Naquela época, dizia-se que os policiais de pacificação eram recrutas novos, livres de corrupção e treinados especialmente em policiamento comunitário. Mas há notícias de capacitação inadequada. Os problemas que já surgiram podem ser resultado disso, pelo menos em parte.
A questão de capacitação também ficou evidente em uma pesquisa entre policiais de UPP, apresentada durante o seminário pela socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
Estava também presente no seminário– na primeira fileira da plateia, apenas, fazendo sim com a cabeça– Juliana Barroso, Subsecretaria de Ensino e Programas de Prevenção, encarregada pela reforma dos cursos policiais.
Esta matéria do mês passado no jornal O Globo relata que “[h]á seis meses como subsecretária de Ensino e Programas de Prevenção, a socióloga Juliana Barroso fez uma radiografia do ensino nas cinco escolas das polícias do Rio e encontrou um quadro assustador. Ela descobriu que existem policiais que há mais de dez anos não voltam às academias para reciclagem.”
A matéria diz ainda que a “destruição de valores cultuados no passado, como a formação de uma polícia voltada para a guerra, será a primeira lição a ser aprendida pelos agentes depois da reforma dos cursos das polícias.”
Na FGV, Beltrame, gaúcho, mencionou que a polícia carioca tem que mudar “até os cantos”. Diante dos rostos perplexos na plateia, ele se corrigiu. “Os cânticos,” disse, se referindo às “canções de guerra” utilizadas para motivar recrutas da polícia militar.