Funk Carioca desce o morro de vez

Click here for Funk Carioca comes all the way down the hill

Talvez você pense que todos os cariocas apoiam as mudanças que acontecem no Rio de Janeiro. Ou talvez você pense que quem apoia está mentindo, e que nada está mudando.

Algumas pessoas conseguem ficar paradas

Na verdade, a transformação do Rio se trata de uma aglomeração de forças, empurrando e puxando em direção à Zona Norte, à polícia militar, para as milícias, à Comitê Olímpica, ao subúrbio, na direção dos traficantes de droga, grandes e pequenos, à Zona Sul, para a cidade, aos políticos, os moradores de favela, os donos de frota de ônibus, a polícia civil, aos magnatas imobiliários, às ONGs, para as elites, os traficantes de armas, as autoridades governamentais, os negócios de petróleo, as construtoras, a class média nova, a classe média tradicional, o porto, a Zona Oeste… e no meio disso estamos  nós, onde com frequência parece que vamos todos acabar na Zona Leste– ou seja, o espumoso Atlântico, levando caixote.

Um dia, um deputado estadual e sua família se vêem forçados a se exilarem por um breve periódo por causa de ameaças de morte vindo de milicianos. Outro dia, oficiais do BOPE sentam com moradores de favela e até escutam suas queixas, prometendo se empenhar para acabar com os abusos policiais. Um dia, a conexão ilegal de gás num restaurante no centro da cidade mata quatro pessoas— na mesma praça onde a prefeitura acaba de tirar uma grade feiosa, com o intuito de embelezar a cidade e melhorar o acesso.

No fundo, a sede da Petrobras

Um alto comandante policial é preso por supostamente ter mandado assassinar uma juiza. Um miliciano importante foge da cadeia.

Um dia o governo estadual do Rio de Janeiro custeia sofisticados eventos culturais no Complexo do Alemão; noutro, o Exército faz buscas lá, utilizando um carro de som para mandar que os moradores fiquem dentro de casa. E em mais outro dia, um juiz decide que  não se pode fazer isso.

Mas no último domingo, uma coordenada dessa agitação toda se fez ensurdecedoramente sentida: a música funk do Rio é um fenômeno cultural para ser levado a serio.

Não há desentendimentos entre as gerações

Parada Funk

No centro da cidade, das dez da manhã até as oito da noite, nove mini palcos erguidos pela Rua da Carioca e terminando numa apoteose no Largo da Carioca, separados por paredes de caixas de som, os DJs e MCs competiam entre si para chacoalhar as entranhas de uma multidão estimada em até 150 mil pelos organizadores.

O funk faz muito sampling

“É a batida,” disse um festeiro, segurando uma gelada lata de cerveja.

Funk carioca, o nome desta música, viajou das favelas para as páginas da revista New Yorker em 2005, e para o palco do Circo Voador em 2008, e também neste ano. Mas passaram-se décadas, desde o nascimento da batida marcante nos anos 1980, até as mexidas de quadris e bundas nas ruas do centro do Rio.

O samba– banido no começo do século XX– trilhou um caminho semelhante dos morros cariocas até os espaços abertos da cidade, tais como a Praça Onze. Dizem alguns historiadores que Getúlio Vargas organizou os desfiles para cooptar os pobres. Notavelmente, Vargas destruiu a Praça Onze nos anos 1940, para construir a avenida que leva o nome dele.

O samba sobreviveu e se tornou a música nacional brasileira.

Que números!

Apesar de ocupar um lugar especial nos corações de DJs internacionais e de constar da trilha sonora de Tropa de Elite 2,  o funk carioca não goza de aceitação total aqui. A policia de pacificação em favelas com UPP tende a proibir os bailes funk ou a terminar com a festa bem antes das seis o sete da manhã costumeiras, porque tradicionalmente os traficantes organizam bailes para mostrar o poder e entreter suas comunidades. O funk “proibidão” exalta as drogas, os traficantes, e as armas. E grande parte das letras, junto com a dança, é mais informativo do que a Kama Sutra.

Para muita gente, o funk carioca preocupa pelos estereótipos de gênero e por questões de moralidade. A música passa a ideia de que os homens devem ser polígamos as mulheres devem fazer todas suas vontades.

Apesar disso, no domingo a Secretaria Estadual de Cultura permitiu o uso dos incentivos fiscais da Lei do ICMS e gastou R$ 70 mil, no palco principal. O estado anunciou recentemente que vai custear a produção e documentação da música funk, como parte de uma nova política de valorização da cultura popular.

O local da Parada, o Largo da Carioca, é nada menos do que o coração do Rio de Janeiro, com raízes no século XVII. É parada do metrô e um enorme cruzamento pedestre, para quem trabalha nos escritórios do centro.

“A importância do evento é simplesmente assumir que a o funk é a frente mais legítima e produtiva da cultura carioca no século XXI,” diz Fred Coelho, blogueiro, DJ e professor de literatura.

No fundo, o convento de Santo Antonio

Como o samba, o funk descreve a realidade diária– além de sexo, amor; a rua, a raça, a pobreza.

É som de preto
De favelado
Demoro
Mas quando toca ninguém fica parado

—  Amilka e Chocolate

A legitimação domingo passado do funk carioca faz parte de uma tendência maior, pela qual a sociedade brasileira se torna gradativamente mais inclusiva e mais igualitária.

E não é que cada ação traz uma reação?

“A Parada Funk serve para isso, para trazer a tona preconceitos e conservadorismos (para não falar de outros ismos mais graves) latentes na opinião pública carioca sobre a produção estética de jovens, negros e pobres da cidade,” diz Coelho.

E assim, um dia o jornal de maior influência do Rio de Janeiro, O Globodedica um espaço nobre à Parada Funk, na capa do Segundo Caderno, informando que o organizador vem a ser neto do querido poeta Ferreira Gullar. E no dia seguinte, a magra cobertura do jornal leva a seguinte manchete: “No Largo da Carioca, sinais de desordem na batida da Parada Funk; festa teve estacionamento irregular e pessoas urinando nas ruas”.

Clique aqui para um emocionante relato em primeira pessoa sobre um baile funk, escrito em inglês por Claudia Zmbrana, com muita informação sobre essa música.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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