Beltrame: o futuro da pacificação

Secretário aproveita a pausa natalina para fazer reflexões

Assim como a URV, as UPPs devem ser compreendidas como um mecanismo de transição do velho  para o novo modelo de segurança pública e, em consequência, de uma nova realidade de desenvolvimento econômico e social da cidade do Rio de Janeiro.

Na época da hiperinflação, anos 80, a maioria das empresas ganhava dinheiro não de suas atividades de origem, mas no mercado financeiro. O mercado de investimentos “overnight”, de noites e mais noites seguidas, era mais lucrativo do que a produção de bens e serviços.

Do mesmo jeito, nós aqui no Rio de Janeiro nos acostumamos com distorções de comportamentos e valores, na longa noite de violência que vivemos nas últimas décadas. Policial virou assassino. Traficante virou juiz. E assim por diante. Todos coniventes, até que o lucro virou perda, grande demais para aguentar.

No artigo de destaque da página de opinião de O Globo de hoje, o Secretário de Segurança estadual José Mariano Beltrame faz uma comparação esclarecedor entre o programa de pacificação que ele administra, e o Plano Real, de 1994. O título é “Apenas o primeiro passo”, uma frase que ele fala quase todos os dias.

Surrealismo carioca: fotógrafo Davi Marcos segura uma foto que levou uma bala na Maré, ao fazer parte da mostra Travessias

“Assim como na estabilização econômica  a URV preparou o caminho para a chegada do Real, as UPPs são o instrumento de transição do jugo da violência para o regime de cidadania, onde o Estado está de volta com serviços essenciais como saúde, educação, água, saneamento, coleta de lixo e iluminação pública,” ele explica.

Beltrame sempre ressalta que os serviços sociais são imprescindíveis. “Com a chegada da Polícia Pacificadora, com homens e mulheres treinados não apenas para enfrentar a violência — mas também, e principalmente, para conversar e negociar com a comunidade –, o poder público agora encontra as portas dessas comunidades abertas para receber os serviços que demandam há décadas.”

Enquanto os serviços sociais tentam de se transformar para atender as comunidades até então excluídas, Beltrame empreende uma transformação da polícia carioca. O jornal O Dia publicou uma longa entrevista com o secretário dia 24, destacando a notícia de que a pacificação em 2012 se estenderá as favelas do Manguinhos, Jacarezinho e Maré.

Churrasco natalino no capô de uma picape, av. Visconde de Pirajá

Mas há na entrevista uma outra grande notícia, bem quente. Para combater a corrupção policial, já se cogitou vigiar os patrimônios dos policiais, mas existe um obstáculo jurídico, pois é preciso justificar a quebra de sigilo caso por caso.

Agora, diz Beltrame, ‘”Estamos lançando, depois do caso do Fallet/Fogueteiro (‘mensalão’ pago pelo tráfico a policiais da UPP), um mecanismo juridicamente palatável. A PGE (Procuradoria Geral do Estado), a CGU (Corregedoria Geral Unificada) e corregedorias internas estão finalizando o decreto de averiguação preliminar, instrumento que vai nos permitir descobrir possíveis desvios. Teremos visão, em tese, da desproporção patrimonial de um policial. Queria fazer até o fim deste ano, mas a PGE está finalizando esse decreto, que o governador vai assinar.”‘

Desvios policiais ainda são comuns no Rio de Janeiro, e falta muito ainda para que as favelas tenham um padrão de serviços municipais compatível com aquele do asfalto. Enquanto o nosso longo overnight esvaece, e transicionamos para a tal “nova realidade de desenvolvimento econômico e social da cidade“, é uma boa hora de fazermos as nossas próprias reflexões e comparações.

Na favela do Batan, zona oeste

Como foi que deixamos a favela existir?

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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