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O primeiro dia de greve dos policiais no Rio de Janeiro não foi muito fora do comum. Os cariocas trabalharam, foram à praia, cruzaram a cidade, e também entraram no espírito de Carnaval, com desfiles dos primeiros blocos da temporada. Tudo sem violência. Dos três mil policiais que patrulham as 19 comunidades pacificadas do Rio, apenas 14 soldados faltaram, de acordo com a TV Globo— que também noticiou que 123 guardavidas não compareceram no serviço, e que a polícia civil trabalhou normalmente. Houve a prisão de um número relativamente pequeno de policiais que fizeram greve. De acordo com as notícias da mídia principal, a adesão à greve foi maior no interior do estado, sobretudo em Campos, cidade do ex governador Anthony Garotinho.
Pode muito bem ser que a multidão de homens ruidosos na Cinelândia ontem à noite, soltando fogos, gritando palavras de ordem e levantando os braços– uns três mil policiais e bombeiros que decidiram fazer greve– não representem a massa das forças de segurança fluminense (70 mil). Ou que a maioria sente a pressão das prisões e das ameaças das autoridades. Até a presidente Dilma Rousseff criticou os grevistas, sobretudo os do estado da Bahia.
Existe o perigo de uma greve de forças de segurança se espalhar pelo país, mas o governo federal se diz preparado para essa eventualidade.
Quaisquer que sejam os motivos reais, pessoais ou políticos dos grevistas, estão de fato com muita raiva. Nos anos 1960, os militares brasileiros reprimiram demandas da camada mais pobre da população, com um golpe que manteve até 1985 um governo autoritário no poder. A volta à democracia foi gradativa, com uma cuidadosa administração por parte das elites. Apesar do Lula ter continuado muitas práticas econômicas e políticas da velha guarda, o seu governo entre 2002 e 2010 marcou uma volta à cena principal das demandas reprimidas ao longo de décadas.
Administrá-las não é tarefa fácil, como estão descobrindo o governador Sérgio Cabral e a TV Globo. Concederam-se grandes aumentos de salário, mas as forças de segurança, ressentidas e agora se sentindo mais poderosas do que nunca, não os acham suficientes. Com base em escutas telefônicas que foram para o ar pelo Jornal Nacional quinta-feira à noite, prendeu-se um bombeiro por incitar crimes contra a lei militar, e seus colegas querem sua libertação. Em dois anos teremos a eleição para governador, e pelo menos parte dessa história provém dos preparativos do ex-governor Anthony Garotinho, que apoia os grevistas.
O momento de crescimento econômico e de euforia geral no Brasil e sobretudo no Rio de Janeiro, com uma crescente escassez de mão de obra qualificada e não qualificada, constrói um cenário em que diversos trabalhadores se sentem sempre mais no direto de fazer reivindicações. Resta saber se a sociedade brasileira, chacoalhada por mudanças socioeconômicas em todas suas camadas, consegue digerir essa e muitas outras implicações. Hoje em dia pouca coisa acontece de jeito gradativo.
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