A construtora Delta, a corrupção e a liderança no Rio de Janeiro

Impacto: Luz vai permeiando os cantos mais escuros

Favela de Pavão-Pavãozinho

Com o início dos trabalhos hoje de uma Commissão Mista de Inquérito Parlamentar sobre as atividades do bicheiro Carlos Eduardo Ramos (vulgo Carlinhos Cachoeira), e suas ligações ao pagamento de políticos e servidores envolvidos em contratos de construção no país, alguns já sentem o sedutor cheiro de pizza, prato preferido dos políticos.

No Rio de Janeiro, o impacto mais imediato desse escándalo foi a saída nesta semana da construtora pernambucana Delta do canteiro de obras do Maracanã, deixando a Odebrecht e a Andrade Gutierrez para terminar o estádio. A obra, que está pela metade, deve ficar pronta para a Copa do Mundo em 2014.

Presença maciça no Rio

De acordo com o jornal O Globo, a Delta tem contratos com a prefeitura do Rio de Janeiro por quatro grandes projetos (o corredor para ônibus articulado Transcarioca, o Parque de Madureira e obras viárias na Zona Oeste, obras de urbanização do projeto Morar Carioca, e o tratamento de resíduos no aterro sanitário em Gericinó) totalizando R$ 560 milhões. O estado do Rio de Janeiro ainda está levantando o valor total de seus contratos com a empresa, que além de seu papel no Maracanã tem pelo responsabilidade pela recuparação da Região Serrana das chuvas do ano passado; e 20 quilômetros do Arco Metropolitanto.

Com a Petrobras, empresa de acionistas do mercado de capitais junto com o governo federal, a Delta teria quatro contratos totalizando quase R$1 bilhão. Dois se referem a obras do complexo petroquímico Comperj no estado do Rio, que está com o cronograma atrasado e problemas trabalhistas; e um se refere à obras na refinaria Reduc, em Duque de Caxias, que faz parte da região metropolitana do Rio. O Globo não informou a natureza do quarto contrato.

Com a ajuda do bicheiro Cachoeira, a Delta teria também construído uma rede nacional de funcionários públicos e de políticos, recipientes de suborno em troca de contratos para obras públicas.

A CPI pode  criar um impacto político aqui, pois a Delta tem uma presença maciça no Rio, com, de acordo com o jornal O Globo, mais de R$1 bilhão em contratos com o município, e a mesma quantia em contratos somados com o estado do Rio desde 2007.

Fernando Cavendish, que hoje deixou a presidência da empresa em função das acusações, é amigo do governador Sérgio Cabral. A viagem de Cabral para a Bahia em junho passado para a comemoração do aniversário de Cavendish revelou a intimidade dos dois, na queda de um helicóptero que matou sete pessoas do grupo de amigos.

Como consequencia da tragédia, Cabral criou em novembro passado um código de conduta para relações entre servidores estaduais e o setor privado. Em março, ele nomeou os membros de duas comissões que deve vigiar tais relações. Não há notícias sobre as atividades das comissões desde março.

É difícil prever o resultado da nova CPI. Essa difere das anteriores por ser constituída depois de concluídas as investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, com acusações já elaboradas. Assim, pode ser um exercício menos investigativo e mais expositor.

Portanto, alguns brasilienses brincam que vai ter Kool-Aid em vez de pizza, apelidando a commissão de CPI Jim Jones.

Ao passo que o Rio de Janeiro se transforma, surge uma espécie de modus operandi híbrido de transição. Procedimentos, comportamentos e atitudes da política tradicional de troca de favores e de panelinha convivem com procedimentos, comportamentos e atitudes mais democráticos e modernos.

Todo mundo vigia todo mundo

Um fator chave na transição é a liderança.

Na medida em que os líderes atuem como modelos de comportamento ético diante dos agentes em toda a pirámide social, espalhando-se dos palácios dos políticos até os  barracos dos cidadãos mais simples, a transição será mais fácil e mais rápida.

O prefeito Eduardo Paes passa por uma eleição neste ano, e o governador Sérgio Cabral anda em direção ao fim de seu segundo mandato, em dezembro de 2014.

Resta saber em que medida os dois são e serão modelos, enquanto a CPI discute e a transformação se desenrola. Os tempos são de smartphone com vídeo, câmera, e aplicativo para gravação em aúdio. São, mais do que nunca, tempos em que o mundo está de olho no Brasil.

Uma das perguntas mais insistentes feitas por uma equipe da ESPN americana que está no Rio de Janeiro esta semana, fazendo uma reportagem sobre os preparativos para a Copa, é “A presidente Dilma vai conseguir dar um jeito na corrupção?”

A ESPN aguarda uma reposta do Planalto ao seu pedido para uma entrevista com a presidente, mas só o tempo dirá se o jeito será de um jeito, ou de outro.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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