Favelas: preservar o quê?

Um mundo na van

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Não existe ônibus direto para Copacabana, vindo da avenida Brasil, altura da passarela nove, Parque União.  Então, o jeito é andar de van. Só que o caminho até o ponto é um desafio mortal.

“Há cracudos,” avisa Jailson de Souza e Silva, fundador do Observatório de Favelas, “e eles avançam. Conhecem as caras das pessoas, e avançam em quem tem cara de gringo.” Ele pede para uma funcionária fazer o papel de guardacostas. No caminho, a acompanhante opina que o governo devia colocar os viciados para trabalhar. “Podiam estampar camisetas,” sugere.

O thinktank Observatório de Favelas é localizado na beirada do Complexo da Maré, uma coleção de 16 favelas e conjuntos habitacionais espremidos entre a avenida Brasil e a baía de Guanabara. A pacificação não chegou ainda à Maré. Souza e  Silva morou lá sete anos, e mais onze numa favela perto da Penha.

O interior da van, quase totalmente ocupada, é escuro, fresco, sonorizado de samba. O ar está ligado e os vidros estão abertos, para aproveitar a brisa de uma das últimas tardes de primavera carioca. Não se demora muito para sair, mas na hora da partida aparece uma mulher negra, repleta de curvas e megahair. O motorista, rapaz sólido de olhos doces e redondos, para, desce, e deixa-a subir para se sentar na metade de um lugar na frente, junto a ele e mais duas mulheres.

Mas nem se andou meio metro e alguém lembra que a polícia está por aí na avenida, entre os viciados, de moto, sirene, e revólver, feita pastor de zumbi– espalhando fieis. O motorista para novamente, a bonitona desce, dá volta, e sobe na parte traseira da van, para ficar em pé junto ao cobrador.

Ponto de van e de mototáxi

Ponto de van e de mototáxi

Co-autor do recém-lançado livro O Novo Carioca, Souza e Silva faz parte de um grupo de pensadores e agitadores no Rio de Janeiro, que observa e encoraja o surgimento do tal “Novo Carioca”. Trata-se de pessoas, na sua maioria jovens, que aproveitam cada vez mais a cidade. Aventuram-se por bairros e morros, fazendo conexões e amizades, criando e participando em uma gama de manifestações culturais. A integração urbana– e a cara futura da cidade– dizem os autores do livro, dependem muito do novo carioca.

De acordo com Souza e Silva, “[…] não existe uma identidade carioca independente das favelas […] a cidade tornou-se uma referência nacional e internacional também em função do peso arquitetônico, cultural e social de seus espaços favelados. A garantia dessa riqueza paisagística e dessa pluralidade cultural é central para o Rio de Janeiro”, conforme ele escreve no livro.

Jailson de Souza e Silva

Dali a alguns metros, passados vários cracudos solitários e em grupo, alguns no meio fio,  depois da polícia, a van encosta. O motorista e a moça descem, ela dá volta,  e sobe para ficar novamente no meio, ao lado dele, na frente. E o samba brada. A viagem recomeça, a van entrando numa passarela de retorno ao outro lado da avenida. Do alto, mais cracudos a vista.

“Vamos parar pro diesel,” avisa o cobrador. Ninguém diz nada, mas ele– saradão, de tênis, regata e bermuda, cabeça raspada menos um topete aloirado e encaracolado, de tatuagens, pede desculpas. O motorista queria encher o tanque antes, mas não deu. O cobrador desliza a porta e desce para cuidar do combustível. O posto também vende empadas, e pela porta aberta o motorista e o frentista trocam comentários engraçadinhos porém herméticos para quem é de fora, sobre empadões.

Passa uma mulher negra de soutien roxo e micro saia de material elástico e barato, descalça, pedindo esmola no balcāo das empadas. Passa um rapaz de muletas, faltando uma perna.

Há pouco, Souza e Silva disse que nunca quis sair da favela. “Não é verdade que as pessoas queiram sair da favela,” falou. “Eu sou o exemplo mais concreto. Eu só me mudei da favela– eu fiz uma ótima casa na favela– porque a guerra tornou impossível criar meu filho na favela […] se fóssemos só eu e minha mulher não sairíamos, mas criar um filho com isso, com bala perdida o tempo inteiro, sem poder andar na rua, porque tem jovens com fuzis, e a policia desrespeitando o morador– foi isso que me fez sair da favela. Onde eu morava tinha coleta de esgoto, calçamento, comercio imenso, grau de solidariedade com as pessoas, grau de intensidade de vida, de festa muito forte, de envolvimento, pertencimento grande, e cada vez mais criando opções [culturais].”

Para o americano nascido num subúrbio de casas com quintal para brincar, grama para cortar, e folhas para juntar, soa familiar a descrição de vida comunitária de favela. No subúrbio americano, os vizinhos sabem quem está doente, quem precisa de canja de galinha, carona, uma visita. Lá, o estado é mais eficaz do que no Brasil– as escolas públicas geralmente são boas, por exemplo– mas fora das grandes cidades as pessoas vivem espalhadas, precisando de apoio, e dando apoio, nas horas de dificuldade. Vizinhos limpam a neve da entrada da casa dos mais velhos, andam de porta em porta distribuindo panfletos de candidatos, dão carona para a igreja, fazem babysitting, passeiam cachorros, regam plantas, distribuem balas às crianças no Halloween.

Pit stop

Pit stop

O carioca do asfalto conhece e cumprimenta vizinhos, porteiros, entregadores, feirantes, comerciantes do bairro. Brinca, zoa o time do outro. Participa de bloco de carnaval, e de festa junina na praça. Compartilha praia, cerveja, galeto, pelada de futebol. Mas raramente se junta aos vizinhos para providenciar algo necessário e de utilidade geral: água, luz, casa. No Brasil, quem mora no asfalto paga imposto, paga porteiro, paga pedreiro, passeador e empregada– e assim resolve a vida.

No Brasil, o nivel de confiança no outro é baixo, sobretudo quando o outro não é parente ou colega. Mas na favela a confiança é maior do que em geral, porque há menos desigualdade. O outro é mais parecido, menos assustador, disse Souza e Silva. E a vida é mais pública.

A van tem termometro. No painel acima da cabeça da moça de megahair, marca mais de 36 graus. Mas a brisa é fresca, o samba incita, e Mara, a moça do lado, está negociando com o motorista o transporte de um grupo em janeiro, para Jacarepaguá. Haverá um casamento. “Seu?” pergunta o cobrador, com um sorriso malicioso. Pelo tom de voz e a plenitude de expressões faciais, mais a roupa, conclui-se que ele é homossexual.

“É ruim, hein!” exclama Mara. “Eu casar em Jacarepaguá? Vou casar no Copacabana Palace!” Ela pede um preço do motorista. Ele diz que está pensando.  E para num ponto de ônibus. Sobe um rapaz de pele enrugado pelo sol, que fica em pé ao lado do cobrador. No próximo ponto, o cobrador abre a porta para revelar uma loira, segurando uma grande sacola. Ela faz não com a cabeça. O motorista diz que tem lugar. “Vem, sim!” ele exorta, dobrando-se por cima das três moças no banco de frente para que sua voz chegue aos ouvidos da cliente em potencial. Mas ela se recusa.

“Agora mete o pé!” diz um passageiro, ao passo que a van engrena na avenida Brasil.

“Vou meter,” responde o motorista. “Tem que estar em Copacabana às duas horas.”

As vans surgiram nos anos 90 no Rio de Janeiro, como resposta informal à falta de transporte entre bairros afastados e áreas centrais da cidade. “Sem a van Copacanana-Maré, nao sei o que seria da gente, galera que circula dia e noite construindo novas formas de viver a cidade,” comentou Souza e Silva.

Hoje, milicianos controlam grande parte do negócio e o prefeito Eduardo Paes tenta racionalizar o transporte urbano. Para reduzir o número de veículos nas ruas, fariam muito mais sentido linhas de ônibus ou de metrô. A questão não é tāo diferente da de ocupaçāo do solo. Já existem prédios em favelas.

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“Quanto, então?” pergunta a Mara. “Vinte,” diz o motorista.

“Por pessoa? Isso sai do meu bolso!” Ela mexe com o celular e mostra alguma coisa, uma foto talvez, à moça do lado dela.

Neste momento, quatro anos após o início da pacificação no Rio de Janeiro, com vários reflexos economicos e imobiliarios dela em curso, fala-se muito na preservação da favela, sobretudo das na Zona Sul. Sabe-se que um número crescente de jovens estrangeiros brinca de casinha no Vidigal, na Rocinha, no Pavão-Pavãozinho e no Cantagalo. Uma breve caminhada em qualquer um desses morros revela sacas de cimento, tijolos recém-colocados. A vida ficou mais segura em muitas favelas pacificadas. As pessoas investem, a cidade se transforma. A barreira entre morro e asfalto fica um tanto menos nítida.

O que deveria ser preservado, nestas áreas da cidade tão longamente negligenciadas? “Uma grande confusão que se faz,” disse mais cedo Souza e Silva na sala dele no Observatório, “é de considerar, quando se fala em preservar a favela como habitat, [que trata-se de] preservar  paisagem.”

A paisagem, mesmo nas favelas mais cinematográficas, mesmo onde as crianças hoje brincam tranquilamente na rua e faz-se churrasco de Reveillon para turista, ainda é frequentemente feia e malcheirosa.

“Tem que garantir todas as condições básicas: saneamento, luz, água, esgoto, coleta de lixo, crêche, educação, equipamentos culturais,” acrescentou Souza e Silva. “Tudo que se tem para viver com dignidade num centro urbano tem que ter na favela. Só que isso não quer dizer eliminar a favela,” explicou. “Significa reconhecer que a favela tem uma geografia particular, que pode ser preservada como as cidades medievais foram preservadas […] podemos ter vários tipos de habitat, de estrutura urbana, sem perder a dignidade.”

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E, supondo que a favela ganhe essa dimensão toda nos próximos anos– pois o programa Morar Carioca, parcialmente financiado pelo BID, pretende justamente urbanizar todas as favelas cariocas até 2020– o que Souza Silva e outros representantes das regiões populares da cidade querem preservar é um estilo de vida.

O cobrador manda a Mara tomar nota do celular dele, no dela. “Agora liga para mim,” ele diz. ” Para eu ter teu número também.” A negociação será demorada.

“Alguém vai para o Aterro?” pergunta o motorista. “Eu,” diz a moça do outro lado da Mara.

“Serve o Largo do Machado?”

“Serve.”

“Você que vai casar?” pergunta o cobrador novamente, como se fosse policial tentando desvendar mentiras. “Só no Copa Palace,” reitera a Mara.

“Faz tempo que não vejo sua namorada,” provoca a amiga da Mara ao motorista.

“Que namorada!” ele corrige. “Sou casado.”

O próximo é próximo: cobrador e passageiro

A van passa pela estação de trem Leopoldina, pelo Sambódromo, e finalmente encosta no Largo do Machado. A temperatura já baixou um grau. O samba ameniza, e a brisa idem. A amiga da Mara desce. Mara diz que vai para São Conrado, mas para chegar lá terá que descer antes do Shopping Rio Sul e pegar outro transporte.

O passageiro de pele enrugado quer pagar seus três reais ao cobrador. “Na saída,” afirma este.

Cariocas do asfalto criam e mantém vínculos no bairro, na cidade. Os vínculos entre moradores de favela, disse Souza e Silva, precisam ser preservados. Muitas vezes, advêm de fortes experiências de vida.

Não devem ser muito diferentes dos vínculos comunitários evidentes na pequena cidade de Sandy Hook, por exemplo, cidade norte americana recentemente atingida por uma tragédia terrível. Vizinhos lá estranharam nunca terem entrado na casa da māe do matador, de acordo com reportagens. Pois lá, entra-se na casa de vizinho, mesmo que não seja amigo. Tomar essa liberdade, e sentir a confiança embutida no ato, fazem parte da democracia americana.

No Brasil, tal comportamento pode ser considerado uma intrusão. Na Zona Sul do Rio de Janeiro, pede-se licença, cheio de dedos, para conferir a criatividade de um decorador ou arquiteto, num apartamento de layout igual.

“Reconhecer que a favela é mais do que paisagem é reconhecer esses vínculos,” finalizou Souza e Silva.

O passageiro de rugas chegou no destino. A van para, o cobrador desce, o passageiro paga na calçada. “Não quer receber antes,” lamenta o motorista. “Só viado, mesmo.”

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Não casa em Jacarepaguá

A van chega na praia do Flamengo, e descem vários passageiros, criando mais espaço. “Onde você trabalha em São Conrado?” pergunta o motorista, agora sozinho no banco da frente, para Mara.

“No Fashion Mall?” aposta o cobrador. É o shopping mais chique do Rio de Janeiro. Ela diz que sim. “Qual loja?” ele pergunta. Agora resolve receber de todo mundo. O dinheiro é passado adiante, troco feito.

“Armani,” responde a Mara. A van passa por um túnel pequeno. Na saída, Mara está colocando um óculos de sol com um AX no haste. Logo a van para no ponto, ela desce, e daí aparece no vão da porta aberta um jovem de topete e sobrancelha feita, mão sugestivamente na cintura, um pé esticado à frente do outro para ressaltar um quadril amplo.

“Seu irmão?” pergunta o motorista ao cobrador. O rapaz sobe requebrando para o assento de carona agora vazio, e o cobrador, de sorriso maroto, desce para comprar água gelada para ele e o colega de trabalho.

Enquanto os dois bebem das garrafinhas suadas de plástico azul, a van chega em Copacabana, o bairro mais denso do Rio de Janeiro. A brisa do mar adentra os vidros; o samba flui para fora. Fazem 33 graus, de acordo com os números vermelhos do painel. Os últimos descem na altura da Francisco Sá, e lá vai a dupla Copacabana-Maré pelo retorno, pela praia, de volta ao Parque União.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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19 Responses to Favelas: preservar o quê?

  1. Querida Júlia, legal seu texto, deixando claro como é possível fazer muitas leituras dos territórios da cidade. Apenas dois reparos: o conjunto do Quitungo fica em Brás de Pina, na região da Leopoldina, perto da Penha. E o cuidado contigo em relação aos consumidores de crack não significa perder a consciência da humanidade dessas pessoas, do sofrimento que passam e da necessidade de se encontrar caminhos solidários, fraternos e integrados para trabalhar com eles. Seu texto não expressou isso, não por culpa sua, e vale a pena reforça isso. Reconhecer a humanidade, a dor e intensidade de suas escolhas é fundamental para que não se repitam fatos como da semana passada: quatro dessas pessoas receberam comidas envenenadas com “chumbinho” e morreram, de acordo com depoimentos deles. Alguém fez isso porque eles foram tão “monstrualizados”, assim como os jovens do tráfico de drogas, que podem ser eliminados sem dó ou consciência. Desafio imenso para todos nós. Vamos nos falando na vida. Beijos. Jailson de Souza.

  2. Rio real says:

    Que horror, Jailson, sabia não disso. Quando iremos achar um caminho para que os viciados possam voltar a viver plenamente? Sobre a localização do Quitungo, vou consertar! Nada como GoogleMaps…

  3. Gary Cobin says:

    Gostei muito da leitura Julia.
    E Jilson eu sou americano agora aqui em Nova York. Quando volto pra o Brasil em marco ou abril pretendo comprar o livro O Novo Carioca. BOAS FESTAS! Gary(o Garioca).

  4. Uma pintura vívida. A preservação social nas favelas será um desafio ainda maior do que a preservação física ou cultural. É difícil manter, ao mesmo tempo, a solidariedade e mobilidade econômica,.

  5. Rio real says:

    Gary, muito obrigada! Jake, vamos nos falando! beijos a todos e boas festas

  6. pedroevora says:

    Parabéns pelo texto, Julia! Feliz 2013, Pedro.

  7. Marcio says:

    Que gerações inteiras de cariocas criaram espaços de vivência muito bonitos malgrado viverem em condições DESPRIVILEGIADAS, isso é louvável. Mas certo discurso de conservar a favela – as condições desprivilegiadas que obrigaram a todos que se virassem e constituíssem outros modos de vida -, esse certo discurso romântico malgré lui, só ajuda a manter as coisas como se tornaram.

    • Rio real says:

      Agradeço o comentário, Marcio. A questão termina no âmbito da democracia. A democracia norteamericana se baseia em parte em valores que não são amplamente compartilhados no Brasil. Como será a democracia brasileira daqui a vinte anos? Espero viver o suficiente para ver!

      • Marcio says:

        Obrigado! A questão se reduplica: há uma democracia no Brasil, enquanto existem condições desprivilegiadas que dividem os habitantes entre o “asfalto” (o acesso aos serviços públicos) e o “morro” (a ausência deles)? Indivíduo sem estatuto de cidadão de fato, quando é cidadão apenas de direito, é verdadeiramente cidadão? Enquanto há “asfalto” de um lado e “morro” de outro há cidadania e portanto democracia?

      • Rio real says:

        pois é, pois é… e hoje em dia, perguntas semelhantes se formam na democracia até então mais desenvolvida do mundo, os EUA…

  8. Favor, desculpe meu gringo-guês!

    Isto é um bom diálogo. Creio que as preocupações com a preservação não se resumem ao romantismo, mas sim com questões verdadeiras na relação dos meios da assim chamada “integração social”. A integração não é totalmente benéfico para uma minoria desprivilegiada. É bom na medida em que ela significa mais oportunidade, melhor acesso aos serviços, melhor educação e assim por diante. Mas também pode significar que o talentoso e o sortudo se mudem para cima e para fora, enquanto os vulneráveis ​​permanerem. Sucesso econômico pode ser fugaz, enquanto os sistemas informais de apoio, que se acumularam ao longo do tempo, foram perdidos para sempre. É por isso que eu acho errada a “integração” como metáfora pela maneira em que comunidades carentes dever ser tratadas. A certa é algo mais semelhante ao “empoderamento”. Comunidades marginalizadas têm ativos, mesmo se foram difícil de reconhecer, e mesmo se a própia comunidade estiver na pior posição para reconhecê-los.

  9. Rio real says:

    Muito muito interessante, agradeço a contribuição, Jake. Será que as favelas irão desaparecer do mapa da cidade? Marcio, algum comentário?

    • Marcio says:

      Obrigado novamente.
      Com certeza há “ativos” na favela. A questão – uma questão ética muito séria – é delimitá-los. Isso porque, mesmo que haja um gigantesco, assustador appartheid entre ricos e pobres no Brasil (e o RJ é chocante nesse sentido), em muitos sentidos ricos e pobres compartilham também não apenas “ativos”, mas “reativos”, isto é, pensamentos bastante preconceituosos, classistas, racistas etc. Nesse sentido, a mudança não é apenas de geografia e materialidade, mas sobretudo de mentalidade. Nesse sentido, o que deixar para trás? A cultura da malandragem, que permitiu o pobre se defender da malandragem mais implícita do rico, vai continuar? Criaremos uma cultura da malandragem em segunda potência, por assim dizer? Ora, driblar regras por via da malandragem significa duas coisas ao mesmo tempo: obter o que uma sociedade exclusória não dá, mas ao mesmo tempo formar essa própria sociedade exclusória que é sobretudo uma sociedade de ganhos privados em cima da esfera pública. Nisso a questão dos ativos.
      Creio que seu blog é fabuloso e se transformou num poderoso canal de discussão. É interessante ver seu respeito, até seu cuidado para com o que analisa. Mas se o blog começar a ver as coisas com menos romantismo, colocando maior vigor analítico, creio que pode ser muito bom para quem acompanha tais mudanças no RJ. No mais, keep doing the good work!

      • Rio real says:

        Olá Marcio, muito interessante seu comentário. Não sei se o blog é tão poderoso.. mas me parece importante tanto fazer análises a partir de dados e fatos, como fazê-los a partir de observações, experiências e reflexões.

        Justamente, como iremos nos relacionar, ao passo que a democracia brasileira se desenvolve? Como será que nossos valores irão se transformar? É por querer saber as respostas a essas e outras perguntas que eu me mantenho na vigília…

  10. Márcio, o que é que Souza e Silva está falando como “vínculos” na favela, e ao que é que me refiro aqui como “ativos” é, talvez você conheça já, a matéria que os sociólogos chamam “capital social”. O capital social é o que sustenta e apoia comunidades, e, portanto, permite melhores resultados de vida, principalmente em ambientes de escassez. As condições do apartheid que deram origem a favelas é um injustiça, e essa injustiça é propagado pelo estigma. Mas a questão é o que fazer quando os sistemas sociais já se radicarem em uma geografia segregado. Como se diz em Inglês, não se pode colocar a pasta de dentes de volta no tubo.

    É tentador dizer que a melhoria das relações sociais podem ser alcançados por meio de políticas de integração. Nos Estados Unidos, este sentimento tem sido usado para argumentar a favor de, por exemplo, mudar os pobres em comunidades de classe média, e contra, por exemplo, as escolas que se matricular apenas as mulheres ou os jovens GLS.

    Acontece que essa abordagem é contraproducente, porque se dissolve a única coisa que as minorias desfavorecidas têm a seu favor: um forte sistema de apoio informal – o seu capital social. A resposta para um Harlem falha não é apagar a sua identidade cultural existente como um bairro negro, mas para fortalecê-la. Quando isso foi feito, as suas fronteiras se tornaram naturalmente porosos. Integração é um * resultado * da igualdade social – não é a causa do mesmo.

  11. Pingback: Viver no Rio de Janeiro | o rio e as ostras

  12. Renato says:

    O pior é que é pura verdade mesmo! No RJ só tem favela! Tanto que a música é tiro, porrada e bomba representa muito o que o Rio é, mais São Paulo não fica atras também ão, todos os dias tem tiro,porrada e bomba também.

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