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A revista Piauí quebra o silêncio geral: não deixe de ler
Se no portão de embarque do aeroporto você já passou por um atraso ou um cancelamento de voo, você já experimentou o caos (a menos que você estivesse a uma distância confortável, na sala VIP). Primeiro, dizem que se trata de um pequeno atraso, depois não há informação alguma; depois disso, o atraso é de horas ou dias. Não dá para decifrar a fala da voz estridente nos autofalantes. As pessoas contam umas às outras versões do que elas acham que ouviram. Uma multidão se forma no balcão. Punhos levantam em riste. Bebês choram. Outras pessoas como você, num portão bem em frente, estão embarcando para o voo delas, tudo muito normal.
O quê? Como vou fazer para chegar a…? Tenho uma reunião/falecimento na família/criança com fome! Quando sai o voo? O que tem o avião? Mesmo se eles consertarem, eu não vou embarcar. Conexões… Qual hotel? Quem vai pagar? E a comida? Não tem outro voo? Você sabe quem eu sou? Transporte para o hotel? Onde? Amanhã? Passar o dia inteiro aqui? Tenho que fazer uma ligação! Quero meu dinheiro de volta!
Você já viu a cara impassiva daquele funcionário suado da empresas aérea, tentando resolver a situação – para poder dar o fora o quanto antes.
Agora imagine como é receber o comunicado da Prefeitura dizendo que você e alguns dos seus vizinhos na favela terão que se mudar, porque o governo precisa demolir a sua casa .
Além dessa situação ter sido extremamente difícil tanto para os moradores quanto para os funcionários da Prefeitura, é quase impossível dispor de (ou fazer) uma análise completa das notícias sobre moradia de baixa renda e reassentamento. Principalmente porque boa parte da informação disponível vem de ativistas, que carregam certos viés.
Tal era a situação até a semana passada, quando a revista Piauí publicou “Os Descontentes do Porto” na edição de janeiro.
O link do artigo está disponível aqui, mas o texto completo só pode ser acessado por assinantes. Pode-se comprar a Piauí em banca de jornal.
Há muitos dados novos no texto da experiente jornalista Cláudia Antunes, que apoia a conclusão de um post do blog em 2011 sobre reassentamento – de que, para além das questões difíceis de justiça, o performance da Prefeitura em termos de organização e comunicação está aquém do necessário.
Há um fato simples e impressionante no artigo da Piauí, que não é tão novo assim, mas digno de nota: na ausência de uma política de moradia para cidadãos de baixa renda, as favelas cariocas cresceram entre 2000 e 2010 mais de 27%. Na cidade inteira, a população cresceu 7,4%. Atualmente, 1,4 milhão de cariocas, 22% da população, mora em favelas.
Outros aspectos chamam atenção no artigo da Piauí, que trata dos trabalhos de melhoria urbana do programa Morar Carioca, no morro da Providência, local da primeira favela brasileira, contígua à região portuária:
- A autora ouviu uma variedade de fontes, entre autoridades das esferas federal, estadual e municipal, ativistas, líderes comunitários e moradores. No entanto, ninguém dispunha de uma data definitiva para a entrega de apartamentos novos àqueles cujas casas serão ou foram demolidas no morro da Providência. Na verdade, datas definitivas não estão disponíveis para muitos projetos de construção urbana no Rio. E os projetos, depois de entregues, podem apresentar problemas como isso e isso.
- No final de 2010, alguns moradores do morro da Providência (671 famílias, uns 2 mil moradores) foram comunicados sobre as demolições, mas a construção de seus novos apartamentos está atrasada. O novo secretário de habitação municipal, Pierre Batista, disse à revista que o problema é que muitas famílias ainda não decidiram qual das duas opções preferem: reassentamento ou indenização. Não está claro por que o número de apartamentos precisa estar atrelado ao número de famílias relocadas, pois seria fácil ocupar qualquer superávit. Enquanto isso, aqueles que deixaram suas casas e esperam pelo novo apartamento recebem 400 reais por mês a título de aluguel social, valor que se diz muito abaixo do custo atual do aluguel na área. Antunes escreve:
Segundo a Secretaria, está programada a edificação de 752 apartmentos em seis endereços na zona portuária, com dinheiro federal e municipal. Em dezembro, porém, dois terrenos ainda não haviam sido desapropriados, e só num deles, atrás dos trilhos da Central do Brasil, a obra havia começado. O canteiro estava quase sem operários, e o engenheiro informava que eles haviam sido deslocados para a conclusão do teleférico. Ainda assim, a prefeitura insiste em que entregará os 118 imóveis do local neste semestre.
Até agora, 475 famílias da Providência não fizeram acordo para sair. Das 196 que já deixaram suas casas, 135 recebem ajuda municipal para o aluguel, o chamado “aluguel social”, à espera dos novos apartamentos. As outras 61 aceitaram as demais propostas de compensação: indenização em dinheiro, compra de uma nova casa com ajuda da prefeitura ou a mudança pra conjuntos do programa federal Minha Casa Minha Vida fora da zona portuária.
Passados dois anos do início das obras, a reivindicação dos atingidos e de ativistas que os apoiam passou de um “não à remoção” à “troca de chaves”.
- Os moradores poderiam ter sido reassentados na área vizinha do Porto Maravilha, porém essa iniciativa de revitalização imobiliária seria para prédios comerciais, lojas e restaurantes, e moradia de classe média. Segundo a Piauí, toda a região portuária ocupa uma área maior do que dois terços de Copacabana, e no entanto abriga uma população cinco vezes menor, de 28 mil habitantes. De seus cinco milhões de quilômetros quadrados, 3,8 milhões de quilômetros quadrados datam dos primeiros tempos do Rio. O 1,2 milhão de quilômetros quadrados restante, aterrado no século vinte, pertence principalmente ao governo federal e está lotado de armazéns vazios que se tornaram obsoletos devido ao uso de contêineres. De acordo com a revista, o governo federal tem um papel indireto (através de um fundo da Caixa Econômica Federal) em disponibilizar esses lotes para usos sofisticados . A despeito disso, Alberto Gomes Silva, o novo presidente da CDURP, o órgão municipal que administra a revitalização do porto, assegurou à Piauí que disponibilizaria um mapa dos lotes reservados para moradia de baixa renda.
Ele disse que a Cdurp alocou um “terreno nobre” próximo à orla, para o movimento dos sem-teto, e que está trabalhando com a prefeitura para “fazer um estoque” de imóveis para os mais pobres.
- A Defensoria estadual já tentou várias vezes parar as obras do Morar Carioca no morro da Providência, argumentando que os cidadãos não foram devidamente informados ou envolvidos no processo. Em novembro, um juiz tomou uma decisão favorável a esse posicionamento, ordenando a paralisação. E o governo federal, mediante a atuação de um grupo de trabalho sobre moradia ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em outubro do ano passado convocou uma audiência pública sobre o impacto das obras relacionadas aos mega eventos. Representantes do governo municipal não compareceram à audiência. Esta é a única reportagem relacionada à tema na imprensa de maior circulação; na verdade, antes da publicação do artigo na Piauí, o RioRealblog desconhecia tais desdobramentos.
- O antigo secretário municipal de habitação, Jorge Bittar, atribui as críticas a interesses políticos. Essa conclusão é o resultado inevitável da negligência do papel fiscalizador, por parte da mídia; neste caso levando a uma falta de diálogo útil sobre reasssentamento, uso fundiário da região portuária e políticas de moradia de baixa renda.
Os críticos “têm uma visão preconceituosa e ideologizada das coisas,” ele disse. “O epicentro disso chama-se PSOL. Estão fazendo disputa política sob a alegação de que a Copa e a Olimpíada vão explusar os pobres “.
Como todos nós sabemos, as favelas tem sido, por muito tempo, uma solução informal para suprir a demanda por moradia.
Uma vez que elas existem, e uma vez que uma cidade decide integrá-las ao tecido urbano (como o Rio de Janeiro agora faz), os formuladores de políticas públicas se encontram diante de questões básicas de qualidade de vida e custos.
“A manutenção é complicada,” disse Sergio Guimarães Ferreira, diretor de informação do Instituto Pereira Passos, ao RioRealblog na semana passada. “O saneamento básico é um problema sério.” Outros desafios, ele acrescentou, são coleta de lixo, segurança pública, mobilidade e iluminação. Em alguns casos, é preciso abrir espaços para implementar soluções.
Para fazer com que as condições de vida em favelas atinjam os padrões desejáveis, reassentamentos serão necessários. Isso faz parte do programa Morar Carioca, criado para urbanizar todas as favelas do Rio até 2020.
Poderia-se argumentar que o morro da Providência é uma espécie de piloto do Morar Carioca, iniciado no ano passado—com atraso. Lá, um teleférico super moderno está em fase de teste e, em breve, deve começar a facilitar a vida dos moradores da favela que há muito lidam com os altos e baixos do Rio de Janeiro. E, em algum momento de um futuro não muito distante, após um período de confusão, alguns daqueles cujas trajetórias foram perturbadas pela urbanização terão um endereço permanente não muito longe de suas casas antigas.
Tradução de Rane Souza