
José Marcelo Zacchi, diretor executivo da Casa Fluminense: ainda falta uma ideia de um Rio plenamente integrado
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Moradores de Santa Cruz e líderes de importantes movimentos cariocas por mudanças sociais se reuniram, no sábado passado, na ponta mais a oeste da cidade, para inaugurar o novo think-and-do-tank, a Casa Fluminense. Para iniciar o trabalho ambicioso da Casa, a pesquisadora do IETS, Valéria Pero, mostrou mapas da desigualdade na região metropolitana; moradores prestaram depoimento em vídeo, e ao vivo, sobre a carência de serviços públicos na região; e os participantes do evento expressaram ideias e sonhos para o ano de 2017.

Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, e Valéria Pero, pesquisadora no IETS: curtindo uma tapioca no Matadouro Imperial de Santa Cruz, antes do evento de inauguração
Nos seis anos de mudanças no Rio, já se fez muito para melhorar a vida das pessoas. Talvez, o fato mais significativo seja a queda, em quase 50%, nos índices de homicídios, chegando aos atuais 24 por 100 mil habitantes. O aumento da segurança, aliado ao crescimento econômico, estimulou investimentos, tanto públicos quanto privados. Apesar dos preços exorbitantes, o turismo cresce.
Mas, como os mapas da desigualdade mostraram a todos, no sábado, houve pouco avanço, no sentido de combater vieses endêmicos, paradigmas de políticas públicas ultrapassadas e modelos de crescimento econômico tacanhos.
“O Rio corre o risco de se acomodar, de reproduzir a desigualdade que está em nosso DNA: da Casa Grande e Senzala,” disse José Marcelo Zacchi, diretor executivo da Casa. Zacchi destacou que a prefeitura já gastou dois bilhões de reais em reformas urbanas (Morar Carioca) até o ano de 2012 – e quase a metade desse montante, no mesmo período, para reformar o estádio do Maracanã (que por coincidência também foi inaugurado sábado, com a polícia jogando gás lacrimogêneo em manifestantes pacíficos, que estavam do lado de fora).
Os participantes apontaram que a empresa estatal de água e saneamento, CEDAE, abastece a cidade com água da Baixada Fluminense – e, enquanto o Leblon nunca fica sem água, a Baixada Fluminense frequentemente sofre com cortes. Os pontos de ônibus, ao longo da nova faixa exclusiva para ônibus, a BRT, ligando a Barra ao resto da Zona Oeste, perdem qualidade quanto mais a oeste o passageiro viaja – e alguns pontos de ônibus BRT nem ficaram prontos.
Uma tarefa importante para a Casa Fluminense é reunir e apresentar dados: monitorar governos. Os mapas da desigualdade apresentados no sábado ofereceram um panorama da região metropolitana do Rio, uma oportunidade de entendimento raramente ao alcance dos cidadãos. Enquanto as médias para o Grande Rio melhoraram, áreas chave continuam com índices baixos em educação, emprego e renda, dentre outros indicadores. O mais impressionante foi um gráfico mostrando que, enquanto a desigualdade de renda no país e na região sudeste caiu significativamente, conforme a medida do índice de Gini, a melhora no Rio ficou para trás.
Os economistas afirmam que isso se deve principalmente ao fato de que empregadores do setor de petróleo e gás, ao enfrentar carência de mão de obra, oferecem salários mais altos que acabam por distorcer o índice de Gini aqui. Porém, segundo Valéria Pero, o modelo de crescimento econômico estatal, focado no setor energético, deve ser repensado, para que o quadro possa ser diferente.
Aproximadamente 60 pessoas compareceram ao evento, mas a maioria não era de Santa Cruz. De acordo com aqueles que estiveram presentes, a participação de moradores,em qualquer região da cidade, costuma ser baixa.
A despeito disso, Alexandre Damascena, artista e professor – e líder local – apontou que a escolha de Santa Cruz para a inauguração colocou o bairro como um ponto de partida, ao invés de um ponto final. Alair Rebecchi, um ativista da igreja católica, reclamou de problemas com transporte e demonstrou esperança de que a Casa vá além de questões superficiais. Segundo Pablo Ramoz, o imponente e belíssimo recém reformado Matadouro Imperial, onde a inauguração aconteceu, é subutilizado. Sugeriu que o espaço fosse usado por artistas, em diálogo com a indústria local – assinalando ainda que Santa Cruz tem altos índices de pobreza, apesar de abrigar indústrias que geram alta renda.
Marcus Faustini, nascido e criado em Santa Cruz, fundador do programa para jovens Agência Redes para a Juventude, encorajou seus colegas fundadores da Casa a enxergar além dos sintomas da desigualdade, para mapear não somente os efeitos, mas as causas também. “Temos que ser ousados, tomar partido,” ele disse, acrescentando que o modelo atual, no qual as pessoas na base da pirâmide socioeconômica moram mais distante de seus empregos que as pessoas no topo da pirâmide – e precisam gastar muito com transporte –, contribui para a concentração de renda.
“Temos que ir de bairro em bairro, porta a porta,” disse, fazendo referência às dificuldades de mobilização. “A Casa precisa criar uma metodologia para escutar as pessoas, precisa ser uma força política, e não apenas produzir pesquisa e livros.”
Miguel Lago, um dos fundadores do grupo de ativismo digital Meu Rio, disse que o desejo dele para o Rio em 2017 seria “não apenas redistribuir a maneira de falar das coisas, mas redistribuir o poder”.
Aberta a todos (esta blogueira que vos fala é uma orgulhosa e ativa sócia fundadora), a Casa Fluminense é um empreendimento de longo prazo, criada para propor políticas públicas de redução da desigualdade e aprofundamento da democracia, no Rio como um todo. A Casa fará monitoramento dos gastos públicos; mapeamento colaborativo das necessidades e dos programas socioeconômicos; e oferecerá cursos em liderança e governo.
Em 2009, quando o Rio foi escolhido para sediar as Olimpíadas, esse e outros mega eventos pareciam distantes – e quase inimagináveis. Como faria esta cidade decadente, com mentalidade de vilarejo, para se transformar?
À medida que o tempo passa, apesar das mudanças na cidade, ainda vivenciamos muita violência, em tantas formas, em grande e pequena escala. Os cariocas olham à sua volta, se deparam com os desafios e os problemas que persistem – e resmungam a frase feita, “Imagine na Copa”.
O fato de que um grupo de ativistas, oriundos de Comunidades Catalisadoras, Redes da Maré, Agência Redes para Juventude, IETS, Meu Rio, O Instituto, ISER, Fundação Getúlio Vargas e Brazil Foundation/Fundo Carioca (com vários outros grupos representados, e o número de sócios em pleno crescimento), tenha se encontrado em Santa Cruz, para começar a pensar o Rio pós-olímpico, é um sinal de que alguns cariocas importantes — de imaginação — estão trabalhando firme, e podem se tornar uma força nada desprezível.
Tradução de Rane Souza
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Parabéns pela iniciativa! É sempre muito importante termos veículos como este blog para entendermos melhor a realidade e seus contrastes no Estado do RJ!