Arrumando o salão

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O Globo abre caminho para uma reforma no sistema de ônibus

A sexta de uma série de reportagens sobre os ônibus do Rio de Janeiro, “Máquinas mortíferas”, publicada hoje, revela o que está por trás do descaso pelo conforto e segurança dos passageiros: “[…] o transporte rodoviário do Rio ainda se concentra em poucas mãos”. O jornal ainda relata que a licitação das linhas de ônibus que houve há três anos, ao invés de renovar uma das piores mazelas da cidade, apenas maquiou o que já existia.

Comuns no Brasil, os cartéis e monopólios, que geralmente andam, por gerações, de mãos dadas com os governos e os veículos de comunicação, estão no centro dos maiores problemas do país. E, quando os problemas gerados pela ineficiência inerente deles se tornam insuportáveis, surge o desafio urgente de desfazer o quadro.

As reportagens anteriores do jornal carioca mostraram que:

Para os cariocas, nada disso é grande novidade. Esta matéria da revista Veja, de 1997, explicita até um subsídio que as empresas teriam recebido em Belo Horizonte se andassem com prejuízo, o que pode também explicar a quantidade de ônibus vazios na nossa Zona Sul, enquanto sobram passageiros nas Zonas Oeste e Norte.

Os mega eventos mudaram tudo. De repente, o Rio de Janeiro recebe mais turistas, mais investimento, maior escrutínio estrangeiro — e mais profissionais, estrangeiros e brasileiros, voltando de longos períodos no exterior, que trazem consigo expectativas novas. Também, o crescimento econômico levou o carioca a experimentar um maior contato com a vida em outras cidades.

Quando um nativo do Rio volta de uma primeira viagem ao exterior, um de seus primeiros comentários é quase sempre sobre o transporte público em alguma cidade estrangeira — que lhe parece um sonho.

Assim, já começou uma chacoalhada, que ganhou força com o trágico estupro, oito vezes, de uma estudante estrangeira, no mês passado, dentro de uma van que ela pegou em Copacabana.

As vans são resultado do fato de termos um sistema de transporte em forma de cartel. Se tivéssemos um sistema de transporte público diretamente administrado pelo município, com responsabilidade; ou se tivéssemos um sistema de transporte público composto de várias empresas concessionárias, vencedoras de uma licitação transparente e plenamente competitiva (de acordo com a matéria de hoje do Globo, algumas empresas caíram fora da licitação que houve há três anos, justamente por se tratar de um jogo feito), os ônibus atenderiam às necessidades verdadeiras dos cariocas. As vans não seriam necessárias. O trânsito seria menos congestionado.

Para quem administra a cidade, tudo isso deve estar bem claro, faz tempo. Mas como enfrentar a força dos donos de ônibus e das vans? Começou-se com medidas menos difíceis de resistir, como os BRS, as pistas dedicadas aos ônibus e táxi; e os BRT, as vias exclusivas, trafegadas por ônibus articulados.

O estupro serial da estudante, e aqueles que vieram à tona depois disso, provavelmente serviram de uma ótima desculpa para começar a reforma para valer.

Agora sabemos os nomes dos donos das frotas de ônibus no Rio de Janeiro, nomes que quase não se pronunciavam nos anos 1990 e 2000, porque eram alvos de sequestro por terem acesso fácil a grandes quantias de dinheiro vivo.

O transporte público no Rio de Janeiro é apenas uma questão, entre muitas, que necessitam urgentemente de reforma – na cidade e no país como um todo. Tristemente, as reformas aqui costumam acontecer apenas quando acontece uma tragédia ou sob a pressão de atores recém-chegados à cena. Pelo menos, com a reportagem de hoje pelo jornal O Globo, podemos ter certeza de que o vento mudou, a favor do passageiro, finalmente.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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