Protestos no Rio: dizendo o indizível

E fazendo o que não se pensava possível? O Morar Carioca – programa de urbanização das favelas — está praticamente parado

As casas de quem serão derrubadas, para criar mais espaço, luz e ar?

As casas de quem serão derrubadas, para criar mais espaço e trazer mais luz e ar?

É inverno, não primavera, no entanto, um novo tipo de claridade acompanha a generosa luz que faz desta cidade um lugar único. As pessoas fazem perguntas – e as respostas estão começando a surgir. Costumávamos compartimentalizar experiências e conhecimento. Atualmente, os elementos começam a se integrar, compondo um quadro impressionantemente feio. Na semana passada, vários leitores do blog chegaram com alguma informação.

Não é o caso de um Estado totalitário que parou de nos espionar. Após e durante os protestos, as pessoas se convencem que dizer o indizível pode fazer alguma diferença.

“Quando o papa visitou a Polônia [em 1979], saímos às ruas e, pela primeira vez, pudemos nos contar. A maioria das pessoas era contra o sistema, porém somente naquele momento pudemos ver quantos éramos,” diz Monika Libicka, uma jornalista que escreve para a edição polonesa da revista Newsweek, dentre outras publicações. Libicka, uma leitora do blog que passa uma temporada no Nordeste do Brasil todos os anos, disse que a experiência de vivenciar o fim do comunismo na Polônia é similar ao que está acontecendo aqui.

Nossa nova liberdade se estende até aos menores detalhes. Atualmente, os usuários brasileiros do Facebook perguntam por que, há três anos, tiveram que mudar para um novo plugue elétrico, só utilizado no Brasil, e “quem faturou nisso?”.  Ainda não há respostas para essas perguntas.

Nesta semana, a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro criou uma CPI para investigar os contratos e fornecedores de transporte municipais, depois de ver as galerias abarrotadas de manifestantes. Quarta-feira, o editor da seção Rio d’O Globo, Gilberto Scofield, publicou uma coluna explicando em que A CPI irá focar. 

Também, as milhares de pessoas nas ruas, muitas em pequenas cidades, mudaram o modo de reportar as notícias. O Jornal Nacional do dia 25 de junho, na TV Globo, dedicou quase cinco minutos à violência na favela da Maré, na Zona Norte do Rio. Segunda e terça-feira, tiroteios na favela, após manifestações pacíficas, mataram ao menos um policial e oito civis. Enfatizando o possível abuso de direitos humanos, a cobertura da Globo terminou com o âncora William Bonner dizendo que a rede havia perguntado à polícia se os suspeitos mortos tinham passagem pela polícia. Segundo ele, a polícia respondeu que ainda não havia identificado os mortos e que investigaria os homicídios.

No passado, o velho ditado “bandido bom é bandido morto”, ainda bastante ouvido por aqui, influenciava o jornalismo brasileiro, e poucas perguntas eram feitas sobre mortes em favelas.

Enquanto isso, uma fonte próxima ao prefeito Eduardo Paes confirmou ao RioRealblog o que já era óbvio para a maioria dos observadores mais atentos: o programa Morar Carioca, criado para urbanizar todas as favelas cariocas até 2020, a um custo estimado de R$ 8 bilhões, está praticamente parado.

Apresentado com grande destaque em 2010, o programa faria parte do legado social dos Jogos Olímpicos e está descrito no site Cidade Olímpica da Empresa Olímpica Municipal, EOM. Não fez parte explícita da candidatura olímpica, que menciona sim “melhorias na habitação”.

Quarenta projetos, selecionados em um concurso organizado em 2010 pelo capítulo carioca do Instituto Brasileiro dos Arquitetos e pela Secretaria Municipal de Habitação, deveriam ter começado os trabalhos há dois anos.

“De fato, o Morar Carioca parece ter saído completamente da agenda prioritária da prefeitura,” diz Jailson da Silva, coordenador da ONG de defesa das favelas, Observatório de Favelas. “De qualquer forma, seu processo de implantação não leva em conta as perspectivas dos moradores.”

Oficialmente, a prefeitura diz que o programa ainda vai acontecer. No mês passado, durante um debate do OsteRio, Washington Fajardo, presidente do Instituto Patrimônio da Humanidade, do município, assegurou a uma arquiteta insatisfeita que o programa seria implementado em breve. Mas isso já foi dito muitas vezes.

De acordo com a fonte próxima ao prefeito, o Morar Carioca recebe recursos apenas do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que são suficientes apenas para custear os dois projetos que estão em andamento. A fonte disse ainda que a prefeitura, com dificuldades financeiras, aparentemente dá prioridade orçamentária a projetos de infra estrutura de grande escala, em detrimento das favelas, visando os Jogos Olímpicos de 2016.

Recursos poderiam vir do governo federal, responsável pelos programas PAC II na Rocinha, no Jacarezinho e no Complexo do Lins, que são também programas de urbanização.

Segundo urbanistas, o Rio não oferece incentivos para que o setor imobiliário contribua por tais melhorias ou por quaisquer iniciativas de habitação de baixa renda ou de renda mista. O direito de construir é concedido sem que haja exigências sociais nos contratos, como acontece frequentemente em outras cidades, inclusive São Paulo.

Pode haver outras dificuldades de implementação, além da questão de recursos. Quando se analisa a descrição do programa sob à luz dos acontecimentos dos últimos dois anos – e principalmente dos acontecimentos das últimas duas semanas – ela parece fora da realidade. Como realmente engajar os moradores para escolher prioridades e para decidir quais casas darão lugar aos tão necessários espaços abertos?

À medida que os acontecimentos se aceleram e que políticos cedem à pressão, somente o tempo irá dizer como os moradores de favelas irão dialogar com a prefeitura e se o Rio de Janeiro conseguirá manter sua ambiciosa promessa de integração urbana.

Catherine Osborn colaborou neste post.

Tradução de Rane Souza

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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