Língua do P
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Recentemente um líder comunitário crítico à UPP na sua favela me disse: “Estive num debate na PUC e fique impressionado como eles são contra as UPPs. Eles têm razão, mas percebi que nenhum deles lembra que faz três anos que não morre ninguém assassinado no Borel.”
–Silvia Ramos, pesquisadora de Ciência Social no CESeC.
Muitos observadores dizem que os protestos e o Papa serviram para remover a maquiagem que os políticos do Rio passaram na cidade nos últimos cinco anos. Defendem que agora estamos vendo a verdadeira face da polícia, do governador, do prefeito, das secretarias municipais, dos especuladores imobiliários, dos donos de empresas de ônibus, da FIFA e de outros. Um morador de favela fez questão de dizer isso ao Papa Francisco quando ele visitou a comunidade da Varginha.
Com protestos acontecendo por toda a parte por motivações diversas, tudo está em debate. Nenhum candidato pode contar com um futuro certo e todas as políticas públicas passam por escrutínio.
Nem mesmo a pacificação (que agora cobre 33 territórios afetando aproximadamente 500 mil moradores de favelas), que levou o governador Sérgio Cabral a se reeleger facilmente em 2010 e de tantas maneiras beneficiou o Rio de Janeiro. O ilibado Secretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, deixou de ser infalível quando, durante os protestos e a invasão policial do Complexo de favelas da Maré, em junho, ficou evidente sua falta de controle sobre as forças policiais – divididas em polícias civil e militar e, segundo alguns cientistas sociais, em milicianos e não milicianos.
Agora é possível imaginar, em um futuro não muito distante, bases de UPPs mofando, após a eleição de algum político populista para substituir Cabral em 2014, os eleitores se esquecendo de como era conviver com uma taxa de homicídio duas vezes maior que a atual, contando com médicos cariocas especialistas em tratar os estragos de balas perdidas e aceitando a existência de escolas cujos alunos passavam mais tempo embaixo das carteiras que assentados nelas. Nosso próximo governador poderia trocar a pacificação por alguma nova panaceia de autoria própria, algo no âmbito da educação, saúde ou transporte público.
O sociólogo Luiz Eduardo Soares, que ocupou o posto de Beltrame durante o governo de Anthony Garotinho, há tempos defende a unificação das forças policiais brasileiras. Até o momento, Beltrame tem evitado agir diretamente, preferindo estimular a união mediante ofertas de bônus salariais para a redução da criminalidade em áreas de atuação geográfica compartilhada.
Soares, bastante discreto durante a gestão de Beltrame, se pronunciou na semana passada em uma entrevista circulando na internet. “É indispensável transformar as corporações radicalmente,” disse. “Sem as polícias como instrumentos legais, rigorosamente submetidos aos mandamentos constitucionais e a controle externo, não avançaremos e colocaremos em risco o futuro dos bons projetos como as UPPs. O estadista extrairia das manifestações uma agenda o mais próxima possível do espírito das ruas e de sua intensidade. Um governador com a estatura de estadista ousaria traduzir esses temas em uma ousada agenda de reformas para o país – que ele levaria a Brasília – iniciando, aqui e agora, no Estado do Rio, o que fosse legalmente viável. E haveria muito a fazer no interior dos marcos legais vigentes, antes que o Congresso Nacional promovesse mudanças de fôlego.”
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que realizou seu sétimo encontro nacional há duas semana em Cuiabá (com a participação de poucos representantes das polícias cariocas) também defende a reforma policial.

Distribuição de alimentos aos peregrinos na av. Rio Branco, a caminho de Copacabana para a missa final na manhã de domingo
O jornal O Dia especulou no final de semana que o comportamento policial desde os protestos que se iniciaram em junho certamente levará à substituição do atual comandante da Polícia Militar, que chamou os manifestantes de “o inimigo” em uma entrevista recente.
Porém, talvez o aspecto mais preocupante da segurança pública no Rio, exceto o futuro da pacificação, é a teoria de alguns cientistas sociais cariocas de que “o inimigo” está dentro da polícia. Segundo eles, o P2, o policial à paisana que se infiltrou no protesto em frente ao Palácio Guanabara após a recepção do Papa Francisco e que teria jogado um coquetel Molotov em um policial uniformizado, é membro de um grupo paramilitar que busca desmoralizar os colegas policiais, não os manifestantes. O suposto arremessador de coquetel ainda não foi identificado e não há notícia de uma investigação interna.
Esse cenário soa assustadoramente maquiavélico, mas poderia ser uma reação ao fato de que Beltrame e outros realmente têm trabalhado para eliminar, prender e levar à justiça membros da polícia que participam das milícias, que dominam grande parte da Zona Oeste do Rio e que também são acusadas de atuar em parceria com traficantes de drogas. Em maio, o vazamento do vídeo de um helicóptero da Polícia Civil tornou visível as divisões dentro da instituição e uma falta de coordenação como um todo.
O aproveitamento das rivalidades internas da polícia e das críticas à pacificação também favoreceria um candidato ao governo cujo objetivo seria de devolver o Rio aos antigos comportamentos e estruturas de poder, revertendo a integração urbana que tem ocorrido nos últimos cinco anos. Um candidato assim buscaria apoio da classe média tradicional e de outros eleitores cujas suposições, atitudes e crenças foram colocadas em cheque pelas rápidas mudanças econômicas e sociais que aconteceram no Brasil durante a última década – até mesmo dos que se beneficiaram dela.
O coquetel Molotov que iniciou a violência na noite do último dia 22 foi atribuído inicialmente a um jovem manifestante na linha de frente, que recebeu uma descarga elétrica dos policiais e foi preso. Mas, através de sua inteligência e por meio de um vídeo que atesta a inocência, conseguiu ser liberado no dia seguinte.
Um pedreiro da Rocinha não teve essa sorte. Levado pela polícia de pacificação em 14 de julho, é agora protagonista das campanhas “Onde está o Amarildo?” aqui e em São Paulo. A campanha conta com este vídeo, que também demonstra a falta de fé dos manifestantes no programa de pacificação.
Durante uma de muitas manifestações no Leblon, em frente ao prédio do Governador Cabral, a polícia no começo desta semana implementou uma nova tática que parece ter ajudado a manter a paz: a revista de bolsas e mochilas. Isso pelo menos ocupa policiais com uma tarefa produtiva.
É de se esperar que uma mudança no comando e um comportamento policial mais sensato contribuam para uma fase refletiva de debate e reforma. No entanto, a natureza errática da vida no Rio ultimamente abre espaço para praticamente qualquer coisa.
“Meu medo é que teremos uma versão atual do Edson Luís, o estudante morto pela polícia durante uma manifestação em 1968, o que levou a maiores protestos contra a ditadura militar,” afirma Maria Celina d’Araujo, cientista política da PUC – Rio. O sumiço do Amarildo, até agora sem explicação, e mais as nove mortes de moradores do Complexo da Maré, já alimentaram os protestos, porém a morte ou desaparecimento de um jovem de classe média, acrescenta ela, poderia incendiar os ânimos cariocas para além de qualquer coisa que já presenciamos.
É preciso evitar o reducionismo do quadro. Os protestos no Rio são eventos moderados quando comparados aos do Cairo. E reverter as recentes mudanças socioeconômicas pode ser uma tarefa ainda mais difícil do que aprofundá-las – com milhares de cidadãos do estado do Rio de Janeiro já tendo experimentado o acesso a mais educação, a mais informação, a mais tecnologia e mais sonhos também, bem como a mais crédito e consumo.
José Marcelo Zacchi, pesquisador de segurança pública no thinktank IETS e diretor executivo da Casa Fluminense, afirma que a pacificação consiste de vários elementos que não irão desaparecer do dia para a noite: presença policial, equipamento, tropas. “Espero, mas creio também,” ele acrescenta, “que a pauta concreta a resultar deste momento poderá ser não ‘fora UPPs’, com o descrédito alcançando grau suficiente para fazer tábula rasa dos avanços, mas sim ‘além UPPs’, rompendo as ilusões de que todas as nossas tarefas da segurança poderiam resolver-se pela simples continuidade dos esforços já em curso, e trazendo assim para o primeiro plano a agenda mais ampla, institucional e universal nas polícias e na gestão da segurança como um todo, imprescindível para dar conta delas”.
O elemento mais inspirador do cenário é, claramente, o próprio Papa – que incitou os jovens a protestarem, e falou até mesmo da pacificação. “Nenhum esforço de pacificação será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte de si mesma,” disse no discurso em Varginhas. “Uma sociedade assim simplesmente empobrece a si mesma, perde algo de essencial para si mesma.”
Perguntas enviadas por e-mail à polícia do Rio sobre os assuntos tratados neste post continuam sem resposta até o momento.
Tradução de Rane Souza
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Tudo isso é uma sinergia positiva. Obrigado Papa, obrigado Cristo, Deus, obrigado Julia M. !
Eu que agradeço sua leitura!
As always, a particularly fine posting, Julia. The problem with pacification, most notably used in VietNam, is that the tactics of the enforcers never kept up with an evolving strategy of the civil puppet masters in government. Peace is not the strategy in Rio, but rather “compliance” to change behavior and lower murder rates using weapons to enforce the peace. This twisted logic is right out of Orwell’s book 1984. Multiple police forces with agendas using different tactics searching to win the hearts and minds of the poorest lacks any shred of humanity.
wow, you said it, Michael!!