For Is Rio getting worse?, click here
Talvez se trate mesmo de maquiagem para mega-evento
Assim se coleta lixo na Favela da Mineira
Sua blogueira está quietinha há tempo demais, em parte devido a outros compromissos, acima de tudo por causa da perplexidade.
O que dizer? Durante os últimos cinco anos, a melhora na segurança pública esteve no coração da virada do Rio de Janeiro.
O ano de 2013 foi de mandar adagas àquele coração. Começando em junho, tivemos protestos de rua, destruição por black blocs e outros, tortura e abusos policiais, um aumento do crime, arrastões de praia, homicídios na Lapa e territórios UPP sendo cedidos a traficantes de drogas — e mais, chuvas torrenciais e enchentes, com milhares de pessoas desabrigadas, a maior parte em favelas, inclusive as pacificadas.
Na semana passada, o jornal O Globo publicou esta entrevista com um dos fundadores da Viva Rio, Rubem César Fernandes. Nela ele disse, “O ideal é o horizonte. Quanto mais você caminha, mais ele se distancia.”
A imagem era para representar os desafios que temos ainda pela frente, no Rio de Janeiro. Também se aplica aos protestos, que surpreenderam a todos nós, embora não deviam, em retrospecto, considerando esse horizonte que continuamente se afasta. O Brasil começou a lidar com suas desigualdades, e essa determinada linha que se enxerga lá longe no mar anda rápido mesmo, contra uma história de vagarosa mudança social .
Os protestos (que por enquanto cessaram) e a transformação do Rio fazem parte de grandes mudanças socioeconômicas, difíceis de digerir para todo o mundo.
Não é fácil dizer por onde surgiu o elefante que a jiboia — que é a sociedade brasileira –ingeriu, ou quando começou a deglutição. Mas a entrevista ao fundador da Viva Rio, publicada para marcar o vigésimo aniversário da ONG pioneira, nos lembra de um antes, quando, como ele comenta, bancos e empresas aéreas deixavam o Rio, e a indústria naval afundava.
Naqueles idos– 1993 — oito jovens foram mortos a bala enquanto dormiam na escadaria da igreja da Candelária, no centro da cidade. Vinte e um moradores da favela Vigário Geral morreram numa chacina perpetrada por um grupo de extermínio, de policiais. Tal violência levou à fundação da Viva Rio. “É evidente que o Rio saiu do buraco,” Fernandes disse ao Globo na semana passada. “A gente começou num ambiente em que se dizia: o Rio acabou. Hoje, a cidade, ao contrário, virou a capital de grandes eventos mundiais. Há mudanças evidentes, como na política de segurança. O Bope e a UPP hoje são instituições importantes. A discussão é como melhorá-las.”
É isso mesmo? Tantos de nós, como Rubem César, já apostamos nossos dias e anos na criação de um futuro melhor. Estamos com medo de nos abjurar?
O que há de errado
Em 2010, a taxa de homicídio no Rio caiu de maneira importante, chegando a um nível anual de 18,9 por 100 mil habitantes em 2012. Em 2007, antes do começo da pacificação, a taxa era de 37,8, praticamente o dobro. Nesse ano, porém, houve algumas altas no crime, com subidas nas taxas de homicídio e roubo de rua em agosto e setembro, os últimos meses pelos quais temos estatísticas, até o momento. Alguns bairros experimentaram aumentos em roubos de rua, quando se compara o segundo trimestre de 2013 com o de 2012, de quase noventa por cento.
No segundo trimestre de 2013, de acordo com a ONG Rio Como Vamos, com base em dados do governamental Instituto de Segurança Pública e a Secretaria Estadual de Segurança Pública, o Rio de Janeiro sofreu um total de 8.667 roubos de rua, mais do que em qualquer trimestre neste ou no ano passado.
Moradores de Santa Teresa, Botafogo, Leblon e Ipanema, entre outros bairros, dizem que andam com medo, após uma trégua bem vinda que durou dois anos. O topo da favela pacificada Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, supostamente foi retomado por traficantes de droga. Provavelmente há outros locais na cidade em situação parecida.
Ninguém oferece uma explicação global pelo retrocesso. Claramente, uma mudança começou no meio do ano com os protestos de rua, iniciados por causa de um aumento na tarifa de ônibus. Em função disso, os políticos perderam qualquer brilho que tivessem, cedendo a demandas (o prefeito Eduardo Paes, o congresso nacional e a presidente Dilma Rousseff), ou vivendo implacavelmente sob o sítio de manifestantes (governador Sérgio Cabral). A polícia também, focado há muito tempo em drogas e armas, revelou, por meio da violência e da incompetência, seu alto grau de despreparo para lidar na rua com estudantes de classe média, e, mais tarde, com manifestantes que destruíam abrigos de ônibus, caixas automáticas e objetos afim.
Esse vídeo pelo grupo de comédia Porta dos Fundos, com quase quatro milhões de acessos até hoje, demonstra que a polícia militar do Rio de Janeiro caiu num abismo, das alturas de relações públicas onde estiveram há apenas três anos, quando os cariocas aplaudiam o heroísmo de Wagner Moura no filme Elite da Tropa 2. Nesse vídeo, os policiais são retratados como imbecis traumatizados. Fabio Porchat só consegue balbuciar, repetidamente, “bala de borracha”.
Portanto, uma diminuição no respeito aos agentes da ordem pode ter algo a ver com o aumento do crime. Os protestos também podem ter esticado demais o cobertor policial, nos quesitos mão de obra, habilidades gerais e atenção ao crime, exacerbando as fraquezas institucionais e as fragilidades políticas. Há, além disso, teorias de conspiração, não provadas, responsabilizando políticos de oposição pela violência nos protestos e o aumento do crime.
Silvia Ramos, cientista social e especialista nas áreas de polícia, juventude e violência, do CESeC, lembra nossos dias de euforia, no início da virada. Dois anos após a instalação da primeira UPP, em 2008 — que aconteceu a pedido de um grupo de cariocas preocupados, do setor privado — ela dirigiu uma reunião no auditório da FIRJAN, a federação de industria do estado do Rio. Foi a primeira vez em que representantes do setor privado, ONGs, favelas e do governo se encontraram num local como esse, para falar das necessidades sociais das favelas. “[…] iríamos cumprir a missão de uma geração, finalmente levando a coordenação de políticas sociais onde havia políticas de segurança implantadas pela primeira vez,” ela recorda, num email, respondendo a um pedido por retrospeção, do RioRealblog. “Olhando para trás, reconheço que o otimismo tinha um tanto de ingenuidade e nos nossos cálculos naquele momento não entraram as dificuldades históricas e resistências para prover serviços boa qualidade para as favelas – que é a marca da cidade há décadas.”
Ela continua: “Não que a situação na maioria das favelas está hoje como estava antes das UPPs, mas a verdade é que os avanços são mínimos em relação a aspectos tão básicos e simbólicos, como lixo, saneamento, ordenamento urbano e outros. É difícil entender onde está o ponto cego e por que tão pouco se avançou mesmo ali onde há recursos, interesses e imensas possibilidades, como nas favelas da Zona Sul, situadas nas áreas mais ricas do país, que afinal está entre os dez mais ricos do mundo. Rio, a dor e a delícia de ser o que é. Mudamos pouco em relação aos nossos sintomas“.
Onde está o ponto cego?
Não se pode dizer que nada muda no Brasil, uma hipótese esse artigo maravilhoso da ESPN discute, ao colocar os recentes protestos de rua no contexto das manifestações no fim dos anos 1960.
A diferença hoje, em contraste com toda a história brasileira, é que as mudanças sociais não acontecem de maneira gradativa e devagar. Até meados dos anos 2000, a inclusão social era um caminho muito bem administrado, que mantinha praticamente intactas as estruturas sociais do país. Hoje, em comparação, o que acontece é um maremoto. Desafia a todos a repensarem atitudes, comportamentos e relacionamentos.
Acima de tudo, talvez, as tentativas brasileiras de lidar com a desigualdade trazem à tona o custo verdadeiro de séculos de desleixo.
Como coletar todo o lixo e levar saneamento a lugares onde, até então, nenhuma pessoa de meios queria morar? Lugares que se desenvolveram por conta própria, provendo moradia, esgoto, luz, água e transporte, com pouco ou nenhuma governança ou planejamento? Onde, fundamentalmente, são precisas soluções de grande escala, de engenharia e de planejamento urbano, que acarretam controversas remoções de moradores? Como fazer com que isso aconteça — tomando o cuidado de preservar a espontaneidade e as redes comunitárias que enriquecem a vida na favela, sem atrair exércitos de “gentrificadores” de classe média e alta?
O secretário estadual de segurança pública, José Mariano Beltrame, reconhece, corretamente, que tais melhorias (promessa descumprida, de parte da prefeitura) fazem parte do que jaz no nosso horizonte, que também inclui eleições a nível estadual e nacional, em outubro próximo. “Daqui a 20 anos o que será da favela?” ele perguntou, numa recente entrevista no jornal O Globo. “A reconquista do território é uma janela de oportunidade para a transformação daquele espaço público. E não se trata apenas de escola, posto de saúde etc. Em muitas favelas a oferta desses serviços é até adequada. Mas como levar saneamento se o cano não passa? Mas como ajudar os mais pobres se eles vivem em aglomerados quase impenetráveis? Adianta levar o médico se a tuberculose vai voltar por causa das condições do ambiente? A favela precisa de acesso, de canos, de transporte coletivo, de ar livre, de uma verdadeira malha que transforme a cara desses lugares.”
Não existe estar um pouco grávida
Ao cogitar tudo isso, a pacificação — ela mesma enfrentando dificuldades e questões de continuidade — parece uma obra facílima. “Todos sabemos quais são os efeitos das UPPs no curto prazo,” Beltrame disse. “O morador do morro fica aliviado e o do asfalto, muito feliz com o fim dos tiros. Mas isso é apenas uma anestesia para a cirurgia maior. A grande questão que ainda está mal resolvida é o que o Rio quer fazer das UPPs no longo prazo.”
Anestesia para uma cirurgia. É útil essa metáfora? Depende do peso que se dá ao impacto de longo prazo, da pacificação. Se você pensa que é maquiagem para os mega-eventos, o paciente pode muito bem acordar em 2017 e se encontrar sem cirurgião, grogue, de alta, coxeando em direção àquele horizonte fugaz.
Se você acredita que os cinco anos de UPPs já produz algum efeito duradouro, talvez queira considerar uma outra possibilidade. Nesse caso, a anestesia pode preceder não um transplante de rim, nem uma grande cirurgia cardíaca, nem implantes mamários, mas um atendimento obstétrico a um novo Rio, nascido aos berros.
Até lá, enquanto nos preparamos pela Copa do Mundo em junho e julho e uma forte probabilidade de renovados protestos de rua , o debate aqui em 2014 com certeza irá focar no que fazer das UPPs.