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Você é um dos 1,4 milhão de moradores de favela desta cidade (22% da população)? É arquiteto, urbanista ou cientista social, ou simplesmente um carioca preocupado? Talvez agora seja o momento perfeito para pintar uns cartazes novos e sair para protestar nas ruas.

Andam devagar as negociações para a remoção de famílias que estão no caminho do novo parque linear em Manguinhos
Morar Carioca, o programa de urbanização de favelas, alardeado há apenas três anos como um legado social central dos Jogos Olímpicos – e que mobilizou dezenas de escritórios de arquitetura em um concurso de projetos organizado pelo Instituto Brasileiro de Arquitetos — tinha o intuito de adequar todas as favelas cariocas até 2020. Em janeiro de 2011, o prefeito Eduardo Paes alegremente anunciou que os trabalhos começariam em março daquele ano. Mas até o momento pouco foi feito, exceto alguns projetos pontuais.
Quando perguntados, os secretários municipais, que ainda incluem o Morar Carioca nas suas apresentações públicas, dizem que o programa irá acontecer, apesar de dificuldades inesperadas.
O programa deveria alçar o pioneiro projeto de urbanização de favelas, Favela Bairro, lançado durante a década de 1990, a um novo patamar. Baseado na filosofia de igualdade urbana, ele teria focado na integração dos territórios formais e informais do Rio e poderia ter mostrado o caminho para outros esforços de integração urbana, mundo afora.
Para ser bem sucedido, era preciso desenvolver estratégias de participação comunitária. Até o momento, a maior parte das transformações que ocorreram na cidade foi feita de cima para baixo, evidenciando que todos os interessados no processo têm dificuldades para ouvir, organizar, articular e negociar as necessidades.
Por quase três anos, desde a divulgação dos resultados do concurso em dezembro de 2010, uma pergunta se faz: Cadê o Morar Carioca? Quarenta equipes foram selecionadas, porém a maior parte delas ainda aguarda convocação para iniciar os trabalhos.
As respostas mudaram ao longo do tempo. A princípio, dizia-se que o atraso estava relacionado com os contratos, maldição do processo de transformação do Rio. Em seguida, houve rumores de que a prefeitura, após ter gasto milhões em infraestrutura e ter falhado em criar incentivos à iniciativa privada para construção ou renovação de moradias acessíveis, ficou sem recursos e aguardava verbas do governo federal.
Agora, segundo avaliação de uma fonte da prefeitura, o problema é político: a Secretaria Municipal de Habitação (SMH) é chefiada por um membro do PT, Pierre Batista. Tudo bem, levando em consideração a aliança PT-PMDB que comanda a cidade — até que o PT decidiu lançar candidato próprio para a eleição estadual de outubro de 2014. O senador Lindbergh Farias pretende disputar o governo estadual contra Luiz Fernando “Pezão” de Souza, o candidato do PMDB, partido do prefeito.
Se o Morar Carioca andasse agora, o PT, ao invés do PMDB, partido do prefeito Eduardo Paes, receberia o crédito pelo êxito. Portanto, segundo a fonte, o programa será adiado mais uma vez, no mínimo, até após as eleições.
Na falta de uma revolução urbana, a prefeitura está contando com as boas e velhas obras públicas para agradar aos cidadãos. Sob a égide da Secretaria Municipal de Obras, gastam-se R$2 bilhões no programa Bairro Maravilha nas Zonas Norte e Oeste da cidade, que, após décadas de descaso, realmente precisam de melhorias. Além disso, a fonte da prefeitura diz que o prefeito Eduardo Paes vai se encontrado com moradores de vários bairros, prestando atenção às demandas deles e instigando seus secretários a atendê-las. O noticiário do meio dia da TV Globo parece apoiar essa abordagem, pois os repórteres apontam uma série de problemas cidade afora, falam com os moradores, estabelecem prazos e pressionam os responsáveis.
“É tudo feito sem planejamento,” a fonte assinalou.
E, na ausência do Morar Carioca, o legado dos Jogos Olímpicos ao Rio certamente será a mobilidade urbana, com as novas faixas exclusivas para ônibus construídas pela administração Paes, conectando a Zona Oeste ao restante da cidade; o serviço de ônibus mais bem organizado; e a quase extinção das vans (em grande parte, geridas por milícias). Trata-se de um feito admirável que, em conjunto com a extensão da Linha 4 do Metrô de parte do governo estadual, irá mesmo mudar a cara do Rio de Janeiro. Também traz novos desafios, tais como a necessidade de integrar o Metrô com o serviço de trem da Supervia e manter o crescimento da Zona Oeste a níveis mínimos.
A ausência do Morar Carioca também significa que muitos daqueles 1,4 milhão de moradores de favelas continuarão a viver em condições deploráveis. Os enormes desafios de políticas públicas para melhorar a vida deles explicam muito o ritmo devagar de mudanças, tanto na esfera municipal quanto estadual. Porém, uma visita às vielas e aos terrenos cobertos de entulho do complexo de favelas de Manguinhos na Zona Norte é uma experiência tão fétida e devastadora só se pode concluir que os 55 mil moradores oficialmente registrados naquela área simplesmente ainda estão fora do mapa.
E trata-se de uma favela pacificada onde recursos do governo federal permitiram que o governo estadual construísse uma biblioteca fabulosa e contratasse o mundialmente famoso arquiteto Jorge Jauregui para fazer um projeto de elevação dos trilhos do trem, criando um parque linear.
Segundo algumas pessoas que têm trabalhado na urbanização daquela área, a falta de coordenação entre secretarias estaduais e municipais, as negociações difíceis com os moradores a serem relocados, e mais a situação trágica do saneamento e do abastecimento de água, levaram a uma situação em que o parque está inacabado, sumiram os pregos das tábuas ecológicas, o esgoto escorre de bueiros e tomou conta de cursos d’água, moradores permanecem em casas condenadas com paredes rachadas e tortas, e as adutoras de abastecimento d’água quase sempre vazam.

…à praça em frente à Biblioteca e a apartamentos de moradia acessível, onde um chafariz foi destruído, e a torre fornece água, alguns dias
Além disso, a tentativa de transferir os empreendimentos comerciais dos moradores das casas deles para alguns quiosques construídos nas proximidades e abaixo do elevado do trem encontrou problemas, apesar de um programa de treinamento. Surgiram dificuldades relacionadas aos proprietários e à manutenção. Apesar de cada quiosque ter sido planejado para vender produtos diferentes, todos eles vendem os mesmos itens, inclusive cerveja, o que é ilegal. “A integração social não se constrói”, aponta uma pessoa com experiência em Manguinhos. “Essa é a grande questão em todos esses projetos. Não se faz uma transformação social por meio de nova infraestrutura”.
Essa é a mesma conclusão a que urbanistas chegaram pela experiência com o programa Favela Bairro. A integração social, justamente, era para ser o foco do Morar Carioca.
A área de Manguinhos talvez seja menos infernal para muitos após a pacificação, ocorrida em janeiro de 2013, (apesar de os moradores afirmarem que a polícia pacificadora matou um jovem inocente de 18 anos, quinze dias atrás), mas ainda falta tanto, principalmente em matéria de água e saneamento.
A CEDAE somente passará pelo crivo da agência reguladora Agenersa em 2015. Na semana passada, boa parte da cidade do Rio ficou sem água encanada; apenas 30% de todo o esgoto carioca recebe tratamento adequado. O governo estadual acabou de anunciar com orgulho que limpará algumas praias do Rio, mas, na verdade, isso se resume apenas à coleta de esgoto adicional para então despejá-lo no mar.
Claramente, tanto para moradores do morro quanto do asfalto, a CEDAE é mais uma “caixa preta” que demanda atenção; o grupo de ativismo digital Meu Rio está trabalhando nisso.
Enquanto isso, Cadê o Morar Carioca? Os croquis eram tão bonitos; a realidade tão feia e degradante. No início deste ano o programa foi incluído no plano estratégico do prefeito, mas os arquitetos selecionados — e milhares de moradores de favelas — ainda estão à espera.
Os políticos, presumivelmente sob pressão do Comitê Olímpico e da FIFA para reduzir a violência nas ruas, preocupados com suas carreiras na política, prestam mais atenção a muitas demandas. E, apesar do fato de que a campanha “Cadê o Amarildo?” não ter revelado o paradeiro do corpo dele, ela desencadeou talvez a mais abrangente e eficiente investigação policial sobre uma morte em favela, já vista no Rio.
De acordo com a fonte da prefeitura, o prefeito Eduardo Paes interrompeu as remoções para evitar manifestações (talvez seja por isso que há pessoas em Manguinhos morando em casas condenadas).
Portanto, talvez este seja um bom momento para lembrá-lo, pacificamente, de cumprir sua promessa de garantir moradia adequada para todos no Rio de Janeiro.
Tradução de Rane Souza
To have gone this far and not have a plan or even a pretence of building is a sign of arrogance, not incompetence
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