Jazz na Laje: encontro inesquecível

Uma multidão

Ouvintes e músicos na mesma onda

Era uma laje no morro do Cantagalo, varrida por uma brisa marítima. Porém, no meio de músicos de uma gama de idades, moradores e visitantes, conversando musicalmente entre si e com o público, criou-se no último dia 28 de março a sensação marcante de estar num esfumaçado clube subterrâneo no Harlem, anos 1930 ou 1940,  de volta às origens do jazz.

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Chorando de emoção, a criança tocava um solo

Praticamente não houve ensaio, confessou Leonardo Januario, 22 anos, fundador da escola de música Bela Arte Jazz, que produziu o evento. Em compensação, aconteceu um emocionante encontro de músicos, na maioria de instrumentais de metal, apoiados pelo contrabaixista David Nascimento, o baterista Mattheus Cruz e o pianista Jonathan Moreira. O guitarrista Rodrigo Medina acompanhou os alunos, também.

Maestro, aos 22 anos

Maestro, aos 22 anos

Para ajeitar as participações, Leonardo saltitava pela laje, contornando o trombone do convidado Paulo Nogueira, que tocava junto com o trompetista Darcy Cruz, ambos veteranos. Na hora de tocar, ele mesmo, Leonardo tirava por um instante a mão das teclas para fazer sinais aos colegas, facilitando os diálogos. Quando a jovem cantora Mariana Lisandro se apresentou — corajosa, sem amplificação, porque o microfone havia acabado de falhar –, do meio do público uma outra cantora, a experiente Thais Fraga, iniciou uma “conversa” com ela, através do canto scat.

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Ao rastrear o som que ouvia pela favela, o jovem trompetista francês Antoine Jacquet encontrou a escola Bela Arte Jazz, onde hoje dá aula

Alunos animadíssimos

Alunos pediram para tocar mais um tema, e ganharam muitos aplausos

Como solista, sobretudo na flauta, Leonardo passava profundidade e ousadia. Bem quando parecia que a música ia cessar, ele a levava a algum lugar inesperado, certeiro.

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Lá embaixo, samba e policiais da UPP: sem ideia da energia na laje do tio do Leonardo

Era impossível ficar imóvel e difícil lembrar de alguma experiência semelhante de ouvir jazz no Rio de Janeiro — ou em qualquer parte. Será que aquela energia do improviso que permeia a vida na favela fazia uma contribuição especial?

Thais Fraga improvisou também

Thais Fraga improvisou também

Músicos e vizinhos

Músicos e vizinhos

O morro do Cantagalo entrou no programa de pacificação em dezembro de 2009. Nos últimos meses, houve confrontos esporádicos entre polícia e traficantes, supostamente devido à saída da prisão de um traficante. As dificuldades da pacificação dos morros Pavão-Pavãozinho/Cantagalo se somam aos problemas que surgiram desde o ano passado, na favela da Rocinha e no Complexo do Alemão. Amanhã, o estado do Rio de Janeiro, com a ajuda das forças armadas do governo federal, parte para o desafio da ocupação do Complexo da Maré, considerada indispensável pelo governo para a realização da Copa do Mundo, que começa em junho. A pacificação é uma questão chave da eleição para governador em outubro.

O acesso ao evento Jazz na Laje foi facilitado por jovens voluntários, que a partir da estrada principal da favela indicaram o caminho — com direito a muitas escadas — aos visitantes.

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Muito foco

Há dois anos, Leonardo — que começou a estudar saxofone aos 17 anos — fundou a escola Bela Arte Jazz sob o guarda-chuva da pioneira Agência de Redes para a Juventude, uma espécie de incubadora de startups para jovens de favela, com recursos da Petrobras. Hoje, a escola funciona sem apoio institucional, atendendo a uma dúzia de alunos. Recentemente, Leonardo instalou um teto na laje.

Canto sem microfone

Canto sem microfone

Flautista, saxofonista, aglomerador, maestro, arranjador, animador, professor, empreendedor. O talento do Leonardo — e o encontro de tantos outros músicos e ouvintes — iluminou a noite. No próximo evento, é capaz de a laje do tio dele, no morro do Cantagalo, ficar pequeno.

Se você quiser ajudar com este projeto, pode fazer um depósito no Banco Itaú, agência 8586, conta 20871-5.

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Vista da laje

 

 

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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