Uma rica troca de ideias, enquanto a criminalidade aumenta e o Exército brasileiro chega para ocupar favelas, semanas antes da Copa do Mundo.
For Rio’s toughest moment since 2008: are we shedding our skin? click here
“Como dialogar com um cínico?” dois jovens perguntaram durante uma reunião do Rio de Encontros na semana passada na Casa do Saber. Outros jovens, também estudantes universitários moradores de favelas, ecoaram a mesma questão.
Luiz Eduardo Soares, antropólogo, ativista e especialista em segurança pública, coordenador de segurança pública do estado do Rio de Janeiro de 1999 a 2000, era o palestrante. O título do encontro, “Como viabilizar o diálogo na cidade?” pressupõe a viabilidade de tal diálogo.
Porém, os jovens presentes duvidavam disso. Cínico é a palavra que usam para descrever as pessoas que gostariam de manter a tradicional estrutura de poder no Rio. Esses jovens são rappers, jornalistas, ativistas de direitos humanos, artistas e líderes comunitários. Muitos deles criticam a pacificação.
Um jovem perguntou a Soares, que durante a ditadura militar foi estudante, se estamos vivendo uma ditadura agora (Ele disse não).

Luiz Eduardo Soares foi pesquisador visitante no Vera Institute of Justice e na Universidade Columbia em 2000
Retorno aos castigos da escravidão
“Por que as pessoas estão fazendo justiça com as próprias mãos?” um participante perguntou, referindo-se ao caso emblemático de um grupo de justiceiros que, no mês passado, despiu um suposto assaltante e o prendeu a um poste usando um cadeado para bicicletas. Soares acredita que, além de uma reação praticamente automática por parte de cariocas que se sentem negligenciados pelos sistemas de segurança pública e justiça, algo mais pode estar acontecendo. Ele disse que em outro nível, mais simbólico, a classe média tradicional estaria reagindo ao que ela considera como invasão, daqueles emergindo da pobreza.
“Os rolezinhos redefinem a geopolítica da sociedade,” ele explicou. “O linchamento é uma reação a isso. Os pobres e negros começam a frequentar outros espaços.”
É impossível provar essa teoria, assim como é impossível, Soares apontou também, provar que a violência nas manifestações de rua é uma reação a décadas de violência praticada de cima para baixo na sociedade brasileira. Para muitos observadores de esquerda, essas ideias são intuitivamente corretas. Independente disso, conviver com o fenômeno não é uma proposição nacional razoável. Portanto, temos que fortalecer nossas instituições e nossos valores, ao invés de recorrer à violência ou à justiça ad hoc para defender uma ideia ou resolver um problema.
Um aspecto da vida cotidiana que não carece de provas é uma atitude disseminada em prol do autoritarismo, de cima para baixo. Soares, que propôs uma emenda constitucional para desmilitarizar a polícia brasileira, disse que essa atitude é um dos grandes obstáculos que a pacificação encontra no Rio. A Polícia, ele explicou, precisa ajudar a gerir a segurança pública. Ele disse ainda que “O orgulho profissional é o maior obstáculo à corrupção policial”.
Vozes firmes e fortes
Como dialogar? Vale a pena tentar? O Rio está fazendo firula, indo para lugar nenhum? São perguntas importantes para todos nós, mas, principalmente, para aqueles que estão no início da vida adulta. Cariocas desiludidos das classes média e alta podem levar suas habilidades e sonhos para outro lugar. Não é o caso dos jovens do sistema de cotas das universidades públicas, nem dos bolsistas do ProUni nas universidades particulares. São estudantes cujos pais jamais sonharam cursar ensino superior.
Os problemas mais sérios do Brasil advêm da desigualdade social e da aplicação diferenciada de valores democráticos. Ao longo dos séculos, instituições fracas com acesso irregular levaram à criação de um sistema autoritário paralelo de favores e pagamentos escondidos, de justiça e vingança, de leis e fluxos de informação.
“Errar os erros antigos é melancólico,” Soares assinalou. No entanto, logo em seguida, ele destacou que há vinte ou trinta anos, “esse auditório seria impensável”.
Por um lado, ele disse, muitas pessoas culpam um “eles” genérico por tudo o que acontece de errado. “Isso fala de impotência, não há nenhum ‘nós’. Trata-se de um individualismo corrosivo, de vítimas. As pessoas dizem, ‘Que se danem, vou tratar de minha vida’.”
Por outro lado, as manifestações de rua do inverno passado não seguiram o padrão tradicional de encontros preparatórios para definir demandas e atividades, seguidos de uma marcha com manifestantes por trás de uma única faixa. “Cada um escreveu seu cartaz. Estamos tecendo aquele ‘nós’, é um momento de reinvenção coletiva.” Soares disse ainda que coletivos do Rio, como o Norte Comum são vitais para o processo.
Então, em um sentido, a resposta à pergunta dos jovens é simplesmente continuar a fazer arte, a se comunicar e a organizar eventos. Soares afirmou que até os cínicos têm seus momentos de fraqueza: ”Ninguém é uma rocha”. Ainda que, em meio à crescente violência urbana e a desentendimentos, o investimento pessoal envolvido seja questionável.
Resta aguardar para ver, com doses crescentes de paciência, se Soares está certo quando diz que o Brasil está “trocando de pele”.
Tradução por Rane Souza