Vai colar?
O presidente da assembleia legislativa, Jorge Picciani, fez quarta-feira seu depoimento coercitivo e saiu da Polícia Federal um homem livre. As prisões dos cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado são preventivas; a não ser que sejam prorrogadas pela justiça, eles podem muito bem voltar a sentar, semana que vem, na corte.
Pouca gente sabe que a rede de favores delatada pelo ex presidente do tribunal, Jonas Lopes, cresceu no terreno fértil de um sistema de nomeações para a banca que julga as contas do parlamento, do governador e dos gastos estaduais em geral.
Três conselheiros do TCE são indicados pelo governador e quatro, pela Assembleia Legislativa, a Alerj. O conselheiro que tem menos chance de ser dobrado pelos políticos que fiscaliza é aquele único, nomeado pelo governador, que tem que ter feito carreira no Ministério Público estadual. Não por acaso, há uma conselheira apenas, entre os sete atuais, até hoje intocada pelas investigações em curso: Marianna Montebello — que veio do MP.
Enquanto já esquenta a corrida para ocupar a cadeira daqueles que dormem, pelo menos por algumas noites, em Bangu, O Globo de ontem trouxe a notícia de que a OAB propõe mudar esse sistema.
O sistema de nomeações é um adubo tão proveitoso para atos ilícitos que o delator Lopes saiu do país há alguns dias com a família toda, por ter sido, alegadamente, alvo de uma ameaça de morte. O Supremo Tribunal de Justica aprovou uma estadia de 40 dias.
Talvez esse período seja lembrado, pelos históriadores, como o tempo da conscientização do povo brasileiro sobre a institucionalização dos privilégios para ricos e das barreiras aos pobres.
Para quem quiser viver, ao contrário, no momento, é oportuno apostar sobre a corrupção ainda a ser oficialmente revelada. O presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio, Lélis Teixeira, também foi levado a depor, coercivitamente, na Polícia Federal. Reportagens locais apontam acordos e propinas entre o TCE e a Fetranspor.
Hoje, a federação publicou um anúncio de meia página, negando qualquer crime, admitindo a existência de uma “investigação dos crédito expirados do RioCard” (a Fetranspor teria embolsado R$ 90 milhões em créditos expirados), com a matéria “sob apreciação do Poder Judiciário”.
E os ônibus municipais? Um antigo funcionário da Câmara Municipal contou ao RioRealblog ter visto, nos anos 1990, uma lista de deputados estaduais e vereadores municipais que recebiam “salários” das empresas de ônibus, muita vezes maiores do que os proventos do serviço supostamente público.
Foi por causa de um aumento na tarifa, de vinte centavos, que milhares de pessoas foram para a rua protestar, em 2013. Fatos estranhos se sucederam: abortou-se uma CPI dos ônibus da Câmara Municipal e sumiu uma auditoria independente das empresas, prometida em 2014. Até hoje, não se sabe os receitas e gastos reais das empresas de ônibus, nem os motivos pela falta de transparência — enquanto a tarifa sobe todo ano. Tudo isso na gestão de Eduardo Paes, hoje residente em Nova York. Ele é citado, supostamente, em uma delação da Odebrecht, das investigações Lava Jato.
É bom lembrar, falando em transportes, que um dos filhos de Jorge Picciani, Rafael, foi secretário de transportes muncipal durante parte do governo de Eduardo Paes, presidindo a mal conceituada e implementada racionalização dos ônibus muncipais de 2015 e 2016, transtorno para milhares de passageiros.
Outro filho, Leonardo, é ministro dos Esportes no governo Temer.
Onde mais borbulha lama? Não seria surpresa se a corrupção explicasse boa parte das dificuldades dos governos no Brasil em atender às necessidades básicas do cidadão: saúde, educação, segurança pública, moradia. Ou seja, praticamente tudo.
Os grandes eventos e a bonança do petróleo exacerbaram um comportamento habitual; até o Maracanã foi entregue aos barões da malvadeza.
Ontem, Jorge Picciani já presidiu a Alerj. Foi aplaudido; disfrute de relações excelentes com políticos de todo estirpe. “O Picciani nunca te abandona e não te deixa faltar nada”, diz um prefeito fluminense, no marcante perfil por Malu Gaspar, na revista Piauí, agora aberto para não assinantes.
Malu continua a apurar a execrável sujeira da política estadual. “Quem conhece os detalhes das transações feitas no governo estadual com o aval do TCE aposta que virão à tona revelações sobre reuniões secretas, de que participavam integrantes do tribunal, realizadas com o objetivo de liberar recursos para fornecedores afetados pela crise financeira do estado. Deve ficar mais claro, também, como a poderosa federação das empresas de ônibus exerce influência sobre o mundo político do Rio”, escreveu num post online da Piauí, publicado quarta-feira.
A lama vai subindo à superfície e os cariocas e fluminenses medem confiança contra desconfiança, exercício típico aqui. Por um lado, Adriana Ancelmo, mulher do ex governador Sérgio Cabral — que estaria elaborando uma delação (de quem, afinal, muitos perguntam)– foi para casa na quarta-feira para cumprir prisão domiciliar, ao lado dos filhos (que não podem usar nem internet nem telefone celular, parte da sentença). Por outro, o juiz Sérgio Moro condenou o ex deputado Eduardo Cunha a mais de quinze anos de prisão, em apenas uma das ações contra ele.
Será que tudo isso se trata de uma mera dança de cadeiras, com novos corruptos a substituir os antigos? Que o pouco caso para o bem maior esteja no DNA do povo inteiro? Muitos brasileiros, desgostosos, fazem as malas.
Pode ser, porém, que os emigrantes percam o impacto positivo e de longo prazo de um sistema judiciário que começa a funcionar como nunca antes. Pode ser que estejamos testemunhando um momento divisor de águas. Alguns brasileiros — como os fundadores do novo movimento Agora — ficam aqui, para se dedicar ao aprofundamento da democracia e do capitalismo responsável.