Segurança pública, assunto do momento. O papo levará a algum lugar?
Todo mundo virou técnico de policiamento, no Rio de Janeiro. O porteiro da Zona Sul acha que os militares deveriam “subir o morro”, para acabar com os tiroteios que ouve, do Pavão-Pavãozinho, pelo menos uma vez por semana. O motorista de Uber quer acabar com direitos humanos. O novo ministro de Segurança Pública, Raul Jungmann, prega o condicionamento de recursos para os estados, em melhoras nos indicadores de segurança– recomendação sensata de especialistas, difícil de implementar nos dez meses que restam aos governos Temer e Pezão — e à própria intervenção federal.
E os R$ 1,2 bilhão que o presidente Temer destinou para os generais de barracas armadas no Rio há dois meses? Não chegaram ainda, diz — em uma de poucas declarações — o responsável, general Walter Braga Netto.
Enquanto isso, balas voam, até mais do que antes da chegada dele. Na ausência de planos, metas, orçamento ou balanço oficiais, a sociedade civil se encarregou de acompanhar a intervenção. Semana passada, o Observatório da Intervenção, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, dizia contabilizar 1.502 tiroteios entre fevereiro e abril deste ano, 16% a mais do que os 1.299 durante os dois meses anteriores. Na temporada fluminense de jipes, soldados e helicópteros camuflados, houve 940 homicídios, 209 mortes causadas por policiais e 19 policiais perderam a vida. Setenta operações policiais, movimentando mais de 40 mil policiais e militares, encontraram apenas 140 armas e levaram à morte 25 pessoas.
Vemos uma novidade, no panorama da violência: chacinas –três ou mais mortes num único evento– em plena acensão. A plataforma colaborativa, Fogo Cruzado, registrou doze chacinas com 52 mortos; nos mesmos meses de 2017, houve a metade disso, seis, com 27 mortos. “A existência de vítimas múltiplas em episódios de intervenção policial e de confronto de facções criminosas pode estar-se tornando uma marca deste novo momento do Rio sob intervenção”, diz o relatório do Observatório.
Ações por atacado parecem estar na moda. Policiais civis estouraram um evento (festa ou show, não se sabe ao certo) supostamente organizado por milicianos no começo do mês, prendendo, de uma só vez, 159 homens (as mulheres foram liberadas). Diante de grande confusão — apesar de supostos dois anos de investigações — sobre quem era, de fato, miliciano (quatro homens morreram em tiroteio, no local, um sítio na Zona Oeste), grande parte dos presos ficou semanas na cadeia. Também faltam informações sobre as armas apreendidas no evento, já que vários presos afirmaram ter passado por revista na entrada (pintaram a granel, também, opiniões sobre a inocência ou culpa de quem frequenta tais aglomerações).
A explicação pelas trapalhadas, de acordo com uma autoridade com proximidade aos fatos, seria uma rixa entre dois grupos dentro da Polícia Civil. Aliás, o que mais falta no Rio, além de redução de violência, é união (e pode haver uma ligação entre fragmentação e violência). Temos visto na região metropolitana, nos últimos meses, batalhas mortíferas entre diversos milicianos, policiais e traficantes de droga. Às vezes, as três funções se juntam numa só pessoa ou grupo; como os números demonstram, os embates quase sempre ferem ou tiram vidas de quem tem nada a ver.
Para complicar mais ainda, há relatos de uma presença crescente da facção paulista Primeiro Comando da Capital, PCC, no Rio de Janeiro. Famoso pela capacidade gerencial, o PCC enfrenta um mercado aparentemente desordenado, composto de vários gangues e grupos. Como o PCC lida com isso? Ao ouvir essa pergunta, uma pessoa próxima à equipe da intervenção fez um gesto com a mão como fosse efetuar um tiro.
Derrubar corpos não é uma opção para os interventores, ao se depararem com a desordem igualmente presente em nossas polícias, alguns dos quais demonstraram em março, publicamente, pouca vontade em cooperar, para não dizer obedecer. Fontes policiais apontam autonomia demais nas batalhões da Polícia Militar, pouco controle central.
Enquanto a violência aumenta, crescem também acusações a políticos e autoridades que mandaram no Rio nos últimos anos, como o atual governador Luiz Fernando Pezão e até o ex secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, de reputação bem mais limpa do que nossos eleitos. Nesse ambiente, falta clareza ainda sobre como será o pleito para o governo de estado, em outubro.
O tempo é curto; difícil saber se o Rio sobrevive 2018, meta para a vereadora Marielle Franco, morta em março, possivelmente a mando de milicianos. Numa situação cujos números aproximam, tragicamente, os dos anos pré UPP, a intervenção justamente decidiu fechar UPPs. Especialistas debatem a decisão.
A única vantagem desse quadro tão desanimador é que o assunto segurança pública nunca foi tão discutida, tão central como é hoje o caso– nem no momento em que se criou a pacificação, em 2008. Naquele ano, não havia smartphone nem Uber; a sociedade civil não contabilizava tiroteios.
Fechou-se um ciclo agora. Como será o próximo?