Há muitos cariocas que pagariam para ver a cara do ex prefeito Eduardo Paes ontem, hora que pintaram os primeiros números da corrida para governador do estado do Rio de Janeiro.
Eram pouco mais das 18 horas quando apareceram na tela da GloboNews os parciais: o Paes, com os vinte e tantos pontos percentuais com os quais liderara, nas últimas semanas; e um tal de Wilson Witzel, com mais de 40%. Witzel contava com apenas 10% na última pesquisa Ibope!
Os dois vão para o segundo turno, Witzel com 42,28% dos votos e Paes com 19,56%, terminada a apuração. Paes — nos anos de bonança carioca citado como presidenciável — já deve estar pensando em voltar a vender carros elétricos chineses, trabalho que exerceu durante o auto-exílio nos EUA, depois de sair da prefeitura no fim de 2016. Ao perder no segundo turno, Paes perderia também a chance de renovar o foro privilegiado; acabou de ser objeto de uma acusação de recebimento de propina, para caixa dois de campanha, sem provas.
Por um lado, os eleitores fluminenses parecem ainda sentir o gosto amargo do fim dos Jogos Olímpicos, trazidos pelo Paes e os hoje encarcerados ex governador Sérgio Cabral e ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por outro, estão curtindo um poderio novo — o de chacoalhar políticos tradicionais. Menos de uma semana de mensagens Whatsapp foi fundamental, aparentemente, na subida do Witzel.
Ambos fatores, pela lógica, devem continuar em jogo no segundo turno, dia 28.
Durante a campanha do primeiro turno, Paes focava na concorrência do ex jogador de futebol, Romário, que era o segundo na corrida e ficou com apenas 8,7% dos votos tabulados. Tarcísio Motta, candidato do partido oposicionista PSOL, também cresceu na última hora, para terceiro lugar, com 10,72%.
Pouco se sabe de Witzel, do nanico Partido Social Cristão. Juiz de vara criminal até se candidatar, é amigo do juiz Marcelo Bretas, que cuida dos casos das investigações Lava Jato no Rio de Janeiro. De acordo com a imprensa, Witzel teve um papel na retirada de um grupo de indígenas do Museu do Índio, em 2013; hoje prega o abatimento policial de qualquer bandido armado de fuzil.
Talvez seja a primeira vez que o Rio tenha como governador um ex juiz, vindo do único braço de governo estadual ainda intocado pela Lava Jato.
Ontem houve, em geral, uma grande troca política. Antes, especulava-se, tanto no caso da eleição de Bolsonaro como a de Haddad, dificuldade nas negociações com o Congresso para, sobretudo a promulgação de políticas econômicas. Mas o partido de Bolsonaro, PSL, obteve tantos lugares no Congresso que talvez não enfrente tantos obstáculos assim.
O PSL também domina a assembleia legislativa do Rio de Janeiro, o que facilitaria, em tese, as relações parlamentares com o futuro governador, se Witzel vencer no segundo turno.
Também torna-se possível, agora, imaginar uma aliança entre Witzel, a nível estadual, com um futuro presidente Bolsonaro, que é do Rio. Ambos cenários, porém, dependem de futuros comportamentos políticos completamente desconhecidos. As dificuldades do Rio terão prioridade federal? As relações e negociações envolverão ideologia, interesses, cargos, dinheiro?
Bolsonaro irá se comportar como qualquer político? Ou dará uma de Trump? Estamos, enfim, na era do imprevisto.
Também ameaça ser a era dos principiantes. A curva de aprendizagem tem seus custos, com os quais os cidadãos da capital têm sofrido, na administração de Marcelo Crivella, eleito em 2016.
Com Crivella na prefeitura, Witzel como governador e Bolsonaro no Planalto, o Rio certamente viverá uma transformação, com possível ênfase em policiais, milicianos e igrejas evangélicas. Resta saber quais serão os papéis das instituições responsáveis pelo cumprimento das leis e a fiscalização de concessões e autoridades.
Diante de posições conflitantes e mutáveis dos políticos, qual ênfase terão a cultura e o setor de petróleo, pilares do Rio?
Como ficará o espírito boêmio e transgressor?
Talvez de maior importância, as forças armadas devem sair do Rio de Janeiro no fim do ano, tendo contribuído para um aumento de violência entre agentes de segurança e civis que, num cenário mais permissivo, tende a se exacerbar.
Acima de tudo, iremos depender da imprensa, tanto a tradicional como a independente. Precisaremos a constante cobertura jornalística dos novos governantes, no dia a dia e de forma investigativa. Como se vê hoje nos Estados Unidos, tal trabalho vira alvo fácil dos governantes e não traz resultados imediatos. Mas a informação, nesse novo momento político, será mais crucial do que nunca.
Em todos os níveis, as urnas demonstram o desejo — e a capacidade– de mudar “tudo que está aí”. O eleitor quer o fim da corrupção, a volta da honestidade. Pouco lhe importa que a honestidade não seja atributo suficiente para constituir um político. O caminho será longo para que identifiquemos outros atributos desejáveis para quem nos governa e representa.
“Rouba mas faz”, lema secular da política brasileira, talvez dê saudades, daqui a algum tempo.