TROPA DE ELITE 2: UMA CHAMADA PARA A MUDANÇA POLÍTICA

O “paz e amor” da UPP ainda falta em grande parte da cidade

[ATUALIZAÇÃO 19 DE JANEIRO 2011] Tropa de Elite, com público brasileiro de mais de 11 milhões, estreia neste domingo no festival de Sundance nos EUA, hors concours, de acordo com O Globo. Dia 10 de fevereiro estará disponível em DVD no Brasil.

Tropa de elite 2 faz enorme sucesso no Brasil, com um recorde de público. Quase 8,5 milhões de pessoas já assistiram ao novo filme do roteirista-diretor José Padilha– segundo na história do cinema nacional, apenas atrás de Dona Flor e seus dois maridos, de 1976. O filme, que já rendeu uma receita de R$ 27,7 milhões, será apresentado nos festivais Sundance e de Berlim, em 2011.

A continuação de Tropa de elite mostra um Rio de Janeiro 13 anos depois do primeiro filme, em que grupos paramilitares dirigidos e integrados por policiais já tomaram grande parte da cidade, e o nó a ser desfeito é político. No filme, a mídia trabalha de mãos dadas com políticos atrás de votos nas comunidades regidas pelas milícias. O resultado disso é que a polícia age a favor das necessidades dos políticos, em vez de pelas da população geral — permitindo que as milícias agreguem poder e territórios sem limites institucionais.

Em quase todas a sessões, surge forte aplauso quando Beto Nascimento, agora coronel-tenente na Polícia Militar carioca, bate forte no secretário estadual de Segurança Pública.

Os filmes Tropa de elite se baseiam parcialmente em livros de memórias ficcionalizadas, escritos por policiais (e outros), e muitos eventos no filme novo vêm da realidade. Rodrigo Pimentel, um dos roteiristas, deu essa entrevista sobre o assunto. Dias antes do lançamento, o representante estadual do PSOL Marcelo Freixo, inspiração de um personagem que denuncia as milícias no Rio, foi reeleito na maior votação da casa.

UM CHAMADO À AÇÃO NUMA CIDADE QUE LUTA PARA MUDAR DE COMPORTAMENTO

“A realidade do Rio hoje coloca uma questão séria para as UPPs,” Padilha disse ao Globo na noite da pré-estreia. “Daqui a dez anos, como a polícia vai agir nas comunidades que ela ocupou? A Cidade de Deus já tem casos de milicianos fazendo tráfico. Sem reformar a corporação que está aí hoje, quem garante que a gente não vai estar trocando traficantes por mafiosos de farda?  […] Enquanto a UPP estiver na mídia, a polícia vai manter a ordem. Mas já que o salário da polícia não aumenta e não há mudanças no processo de seleção de seu pessoal, como vai ficar? Se era tão fácil entrar nas favelas para desarmar o tráfico, por que não fizeram antes? Porque a polícia corrupta é sócia do tráfico.”

Ao contrário da declaração de Padilha, o governo estadual está sim transformando a polícia militar, com aumentos de salário, a recrutação de novos integrantes e um novo foco em direitos humanos. Mas o BOPE, a tropa de elite da polícia militar, é bem diferente dos jovens homens e mulheres que estão ocupando e “pacificando” favelas no Rio de Janeiro. E as milícias, com seus próprios representantes eleitos na Assembleia Estadual e na Câmara Municipal, dominantes na zona oeste (a mais pobre do Rio), talvez sejam um problema pior do que os traficantes.

Mais para o fim de Tropa de elite 2, um abatido Beto Nascimento, interpretado com maestria por Wagner Moura, depõe perante uma Assembleia Estadual que ele mesmo chama de corrupta, “menos uns seis ou sete fichas limpas”. “Quando tinha dez anos, meu filho me perguntou por que meu trabalho é matar”, ele diz. “Não sei a resposta. Mas sei que a polícia não puxa o gatilho sozinha […] a PM tem que acabar.” E passa-se para uma vista de Brasília, com foco no Congresso Nacional.

PESADELO AO VIVO E EM CORES

Talvez não seja por acaso que, no dia do lançamento do novo filme de Padilha, a polícia civil do Rio (diferente da polícia militar, dedicada principalmente à inteligência e à investigação) tenha feito oito prisões de milicianos na Zona Oeste, dentre eles um inspetor da polícia civil, um oficial do Exército e dois policiais militares. De acordo com O Globo, há seis meses o inspetor da polícia civil prendeu um grupo de milicianos da Zona Oeste, passando então a exercer as próprias atividades deles: venda de sinais de TV a cabo e botijões de gás, além da extorsão de R$ 50 semanais de comerciantes, a título de “taxa de segurança”.

Como já se relatou aqui, as ações policiais nos feudos milicianos do Rio têm tido um êxito parcial, apenas. Após a recente prisão de 15 milicianos na Zona Norte, entre eles ex-policiais militares e alguns ainda de farda, envolvidos em violência, extorsão e atividades ilegais, traficantes de droga tomaram sem alarde o território — território que eles mesmos haviam perdido anteriormente para a milícia.

Padilha se diz inspirado pelo diretor grego Costa-Gavras, a quem ele presta homenagem em uma cena de Tropa de elite 2 com uma marquise de cinema. Padilha afirma que, como Costa-Gavras, ele também pretende intervir na realidade. Executivos de cinema, exultantes na noite da pré-estreia, disseram ter uma expectativa de casas cheias por muito tempo. E isso, no mínimo, levará brasileiros a conversar, pensar e, possivelmente, agir.

DADO INTERESSANTE: O policial militar André Batista, em quem o personagem de Tropa de Elite André Matias foi inspirado, negociou com o sequestrador do ônibus 174, em 2000. A negociação fracassou; depois de mais de 4 horas tensas, com a cena passando ao vivo na televisão, o sequestrador Sandro Barbosa do Nascimento, sobrevivente da chacina da Candelária, matou a refém Geisa Firmo Gonçalves e ele mesmo foi morto pela PM.  “[…]eu sabia o que fazer, mas não conseguimos salvar a vida da menina,” Batista contou numa recente entrevista ao Globo. “Faltavam equipamentos. Os fuzis de precisão tinham lunetas mofadas. E não tínhamos um grupo armado treinado para entrar e matar o sequestrador. Naquele momento, foi a falência completa.” Um documentário desses eventos foi o primeiro longa-metragem de José Padilha.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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2 Responses to TROPA DE ELITE 2: UMA CHAMADA PARA A MUDANÇA POLÍTICA

  1. Isaias Bruno Ferreira says:

    “Um filme muito triste”

    “…….Você sai da sala de cinema com resignação, com sensação de impotência, de revolta, conformado e achando que isso nunca vai mudar…..”

    Finalmente eu pude assistir o curta “Tropa de Elite 2. Não sou nenhum puritano, mas acertei em cheio quando optei por assistir o filme de forma e olhar contrários, resistente à opinião da maioria, em idéia pré concebida de um filme excelente, conforme a opinião popular. No final de contas, acabei me sentindo um desses pervertidos que pagam caro pelo sadomasoquismo, entregando-se ao autoflagelo. Me sinto bem a vontade para dizer: Não gostei do filme.

    Talvez eu seja a primeira pessoa que ouse criticar negativamente a continuação da saga do personagem Roberto Nascimento. Também, possa ser que minha opinião, esteja embasada no fato de eu ser um líder comunitário, que esteve como presidente da Associação de Moradores da Babilônia, local de gravação da primeira edição do filme. Trago as piores lembranças daquela época. Traumas e seqüelas dos estragos deixados por este tipo de “ratificação da podridão” que no final, só serve como o próprio filme declara, para encher o bolso de muita gente de dinheiro. Acontece que na vida real, a produtora também é mais um braço deste sistema de corrupção que ela mesma denuncia. Ela também leva sua fatia desse bolo, só que com o requinte de certo “deboche” com a sociedade, colocando na tela toda sujeira na qual estamos imersos. Imputa-nos a idéia subliminar de que temos que aceitar com resignação, uma vez que o filme não apresenta nem sugere uma solução.

    Em muitas ocasiões, presidente de favela é igual a marido traído: é o que menos desfruta da esposa, o que mais banca, o mais falado e sempre o último a saber.
    Não é com nenhum tipo de recalque ou remorso que falo, mas com profunda tristeza, quando me lembro de uma tarde de domingo em que eu tentava descansar em minha residência e fui chamado no portão por alguém. Fiquei assustado ao deparar-me com um soldado do tráfico local, com uma arma em punho me dizendo o seguinte:
    – Fala presidente! “Vai vim uns amigos aí falar com você meio dia. São os amigos que vão fazer um filme no morro, mas já tudo certo. É só pra tu ficar ciente e estar lá pra armar o esquema com eles.
    Foi assim que conheci a equipe de gravação, através dos traficantes. Fizemos uma reunião na sede da AMB regalada a todo tipo de indivíduo: desde o adolescente que sonhava em ser ator, a equipe de produção, os atores, o presidente da associação, neste caso “eu”, dentre outros. Havia umas vinte pessoas ao todo. Depois de muita falação, tudo acertado. O representante do tráfico era o que mais se pronunciava e dava as ordens, juntamente com as condições para a realização da filmagem. Em tudo, a equipe de produção concordava assim como o restante presente a reunião. O presidente só tinha que estar presente fazendo “figuração”, um termo bem apropriado para o assunto em questão.
    O interessante é que esta produtora conseguiu tudo o que queria. Ninguém conseguiu detê-los. Ora, se o batalhão da área, delegacia de polícia, o juizado da criança e do adolescente, os órgãos de fiscalização e o tráfico não conseguiram deter, quem dirá um “presidentizinho” metido a besta.
    Pelos becos e vielas do morro foi difundia a seguinte informação: a produtora contratou mais de 600 pessoas como figurantes pagando R$50,00 cada dia de serviço prestado, fez a locação de mais de 30 casas, pagou mais de R$30.000,00 para o tráfico, pagou propina para policiais civis, propina para policiais militares, além de incomodar muita gente com tiroteios (fictícios) a toda hora.
    No final, o mediador dos traficantes ainda surrupiou parte da doação destinada para a associação, alegando que iria aplicá-la socialmente melhor que os presidentes, muitas das vezes estigmatizados como ladrões. Também houve um incidente inesperado. As armas fictícias utilizadas na filmagem, não eram tão fictícias assim e foram roubadas pelos traficantes do local após a filmagem. É o que acontece com que se mistura com porco. Não se pode confiar em bandido.
    Este desfecho inesperado mobilizou os grupos que faziam parte do esquema da “segurança”. A delegada da época fez uma incursão na comunidade e quando eu fui recebê-la, fez a seguinte afirmação: “Pô! Os caras vem dar uma força na comunidade e vocês deixam neguinho roubar as armas? Não quero assunto com vocês não. Em nenhuma comunidade isso acontece.” Ela estava querendo dizer que “nós”, os presidentes, tínhamos o dever de ordenar sobre os traficantes, ou seja, estava dizendo que a associação de moradores e o tráfico eram a mesma coisa. Triste. Se você leitor, acha absurdo o que estou afirmando, basta lembrar que o comandante do batalhão da área na época, foi exonerado e preso em Bangu por tráfico de drogas.
    Mas eu entendo a revolta dela e da PM, afinal eles tinham sido pagos para garantir a segurança, juntamente com os traficantes. Infelizmente, alguém “deles” roeu a corda rompendo o acordo. Agora era preciso que alguém fosse responsabilizado por isso. Adivinha quem pagou o pato? Sim! Novamente a parte mais fraca. Primeiro, o traficante mais reles da organização foi apontado como cabeça e mandante do crime. Depois os presidentes das associações foram incomodados, bastante, inclusive sendo arrolados no inquérito e nos jornais como receptores de propina para franquearem com segurança, a entrada da equipe na comunidade.

    Este pequeno trecho da história eu conto no livro que estou escrevendo. Só citei para embasar e justificar minha crítica negativa ao filme.
    Para mim, este tipo de trabalho, reafirmo, é uma continuação do rio de corrupção que assola nosso país. Quem pode responder a origem de tanta grana para bancar tudo isso? O pior é que exibido com orgulho lá fora, só serve para ratificar a opinião circulante no mundo sobre o Brasil, em especial, o Rio de Janeiro: violência e corrupção. Lembrando que seremos a sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
    Olhando para o sucesso deste filme temático, concluo:o que é bom e de boa índole não dá dinheiro, nem vende jornais neste país.

    Sinceramente, o mais triste é que a maioria da população elogia o filme e paga para assistir sua própria desgraça exposta nas telas. Assim como o filme enfatiza a corrupção político-partidária, perpassando em todos os vieses do governo, da milícia, do tráfico, do contrabando de armas; as produtoras deste tipo de lixo são apenas mais um recurso de lavagem e giro de dinheiro público. Mesmo com a maioria esmagadora elogiando a qualidade, o filme serve para acirrar ainda mais ainda nossa angústia e sentimento de impotência. O filme é tão real que, a partir dele, incorremos no risco de normatizar fatos absurdos, evoluindo para uma condição pior do que a atual. A condição de aceitar passivamente o anormal. No fundo reconhecemos nossa culpa. Somos nós que legitimamos tudo isso quando entramos no jogo político deles e ainda os elegemos como nossos representantes.

    Finalmente, o Tropa de Elite 2 dá uma coroa de glória a toda pouca vergonha que está por aí, com direito a “van premier” e tudo. Chato é depois ver os jornais e televisões comentando a premiação por “tudo isso”. Os produtores desse material, concluo, fazem parte da “TROPA DA ELITE” que tiram onda com a cara dos pobres.
    Caso você, leitor, ainda não tenha assistido, o conselho é: Não vá! Mas se for, espero que o faça como eu, de forma reflexiva, em protesto a toda essa esbórnia presente na sociedade.

    Por: Isaías Bruno Ferreira

    terça-feira, 2 de novembro de 2010

    • Rio real says:

      Isaias, muito obrigada pelo seu comentário. Se quiser escrever para a página de “Hóspedes” em qualquer momento, será bem-vindo. Seria muito interessante saber de você se o Morro da Babilônia mudou desde a gravação do filme, e/ou desde a entrada da UPP. Você aqui fala “temos que aceitar com resignação, uma vez que o filme não apresenta nem sugere uma solução”. Ao meu ver, o filme simplesmente denuncia, às claras, à voz alta, a milhões de pessoas (e muitos não prestavam atenção ou não sabiam o grau do problema) a questão das milícias. E isso já é muito positivo. Outras pessoas já fizeram comentários semelhantes ao seu; acho interessante comparar a composição da assembleia legislativa antes e depois das últimas eleições. Me parece que as milícias estão menos bem representadas ao passo que o eleitor percebe a realidade através da atuação do deputado Marcelo Freixo e outros. O filme terá seu impacto nesse sentido, também. Abraço, Julia

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