Você dirige seu carro devagar numa transversal da Zona Sul do Rio de Janeiro, com dois carros visíveis no seu retrovisor. De repente, surge um quarto veículo na sua frente, bloqueando o caminho. Três homens descem e cada um deles mete uma arma na cara dos três motoristas. Você passa seus pertences e as chaves do carro; os criminosos pegam no volante. A polícia demora quinze minutos para chegar, porque carioca não abre caminho quando ouve sirene.
Você mora em Madureira, onde há dias se ouvem tiros vindo da favela vizinha. Você e sua família não conseguem nem trabalhar, nem estudar, nem sair para passear.
Você sai de casa, na Serrinha, a favela onde acontece o tiroteio − uma guerra entre gangues. Não sabe quando vai poder voltar. Pelo que você vê, a p0lícia só aparece quando há tiros.
Enquanto isso, o BOPE ocupa 13 favelas, e recrutas novatos da PM entram para pacificá-las; alguns traficantes são presos, mas outros fogem. Os moradores das favelas se dizem contentes; finalmente há paz.
Que raio de política de segurança é essa? Em blogs e no Twitter, os cariocas estão reclamando. Não é apenas pelo trauma e pela inconveniência; a morte está próxima.
A última atualização das estatísticas de crime é de agosto (e mostra, até então, uma queda geral no crime carioca). Ainda não há números que deem conta da “onda de arrastões” que O Globo e a VejaRio têm noticiado nas últimas semanas, porém cresce a sensação de insegurança geral.
O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, não se pronuncia sobre o assunto desde o começo de outubro. O que se tem são apenas suposições de especialistas, em sua maioria anônimos, de que os traficantes estão praticando assaltos no asfalto ou como resposta à pacificação, ou como uma maneira de compensar seus prejuízos com ela. Dentro de pouco tempo, teremos os números de setembro.
Todos sabemos que falta bastante para considerar o Rio de Janeiro uma cidade segura. Faltam soldados e atendimento social, falta UPP, faltam tempo e dinheiro. Sobra medo.
O medo resulta dos encontros entre bandidos e vítimas. Surge do apartheid social que todos vivem e que realimenta as divisões. Mas o medo pode se abrandar por meio de uma outra espécie de encontro − uma troca que durante séculos fez muita falta no Brasil.
No vídeo abaixo, cedido gentilmente por Regina Casé com exclusividade ao RioRealblog, ela pergunta a moradores da Zona Sul se eles alguma vez foram à casa de sua empregada doméstica.
As empregadas conhecem a vida e a casa dos patrões nos mínimos detalhes, mas eles raramente se aventuram no sentido oposto. Regina convidou, então, um menino do asfalto, jogador de tênis, a conhecer o lar de seu boleiro, morador do morro Santa Marta. Isso foi há quatro anos, antes da chegada da UPP a essa comunidade. O encontro trouxe muitas revelações. O vídeo é emocionante e vale a pena assistir, apesar de seus 20 minutos de duração.
Gente pobre mora na Rocinha porque é mais barato. Sofre com irregularidades de água, luz e saneamento básico. Joga o lixo nas encostas. Gente rica mora em prédios na praia de São Conrado, pertinho da Rocinha. Em dias de chuva o lixo desce as encostas, bloqueando canos e poluindo a praia. Gente rica entra no carro (ou helicóptero) e viaja para casas em outras praias, longe da cidade suja e insegura. Gente pobre frequenta a praia em frente aos prédios de gente rica.
De quem é a cidade do Rio de Janeiro?
Podemos e devemos criticar a política de segurança do governo de Sérgio Cabral. Mas sua reeleição demonstra que ninguém tem uma alternativa melhor. As UPPs estão aumentando em número e alcance. Pode ser que aos poucos os outros desafios de segurança sejam tratados pelo governo estadual.
É pouco para quem está preso em casa ouvindo tiros, ou para quem luta freneticamente com um cinto de segurança na mira de uma arma de fogo.
Nesse meio-tempo, somos todos levados a repensar a vida urbana. “Você soube do Tijuca Maravilhosa?”, pergunta o capitão Bruno Amaral, que chefia a UPP no Morro do Borel, Tijuca, Zona Norte. “Havia o patrocínio de empresas e lojas da Tijuca, atividades com crianças, o BOPE com o caveirão. A ideia é integrar a comunidade com a Tijuca; havia tours de jipe, moradores da Tijuca podiam ir à comunidade. As pessoas veem a comunidade e mudam suas ideias. Noventa e nove por cento das pessoas das comunidades são do bem.”
Seu filho chega em casa no Jardim Botânico e conta o dia na Escola-Museu do Encontro, projeto idealizado em 2010 por Regina Casé, Hermano Vianna e Gringo Cardia. Ele e um colega do Morro da Serrinha foram a Madureira, para tirar fotos do novo parque. Depois voltaram à escola, que fica no porto revitalizado, e prepararam o material para a Sala da Natureza do museu. Lá, os cariocas e turistas vão ver que, como Cardia profetizou há anos, o museu é “um laboratório para o que o mundo está vivendo”, pois “o Rio de Janeiro é a cidade mais miscigenada do Brasil”.
[RioRealblog conheceu o projeto Escola-Museu do Encontro durante uma apresentação especial na Casa do Saber por meio do Rio de Encontros, organizado por O Instituto e o CeSec com apoio da Globo Universidade e da própria Casa do Saber]