Às vezes, falta solidez à pacificação, mas estes cariocas apostam nela
Click here for Urban integration in Rio: all about connecting
Marcelo Ramos, de 38 anos, técnico de telefones, é casado com Gabriela Romualdo, que trabalhava com Recursos Humanos – e cujo pai, Gabriel, tinha uma garagem vazia à disposição. Cleber Araújo Santos, de 37 anos, administrava um setor da oficina mecânica automotiva que faz a manutenção dos veículos dos governos municipal e estadual. A esposa dele, Marluce Maria de Souza, de 31 anos, tinha um salão de beleza. Todos eles vivem no imenso conglomerado de favelas chamado Complexo do Alemão, que abriga por volta de 400 mil cariocas.
A pacificação no Alemão – apesar de problemas importantes – mudou as perspectivas deles.
“Antigamente, chegavam ônibus lotados para os bailes funk”, diz Marluce. “As mulheres faziam cabelo e maquiagem, no salão, e depois iam para a casa de algum amigo ou parente para se arrumar, antes do baile.”
Espetáculos promovidos pelo chefe do tráfico no melhor estilo pão e circo, regado a drogas, os bailes aconteciam todas as noites e entravam madrugada a dentro. “Era difícil de eu fazer o almoço,” Marluce rememora. “Todo mundo comprava carne, fazia churrasco na rua, convidava o pessoal para comer. Tinha churrasqueira a cada cinquenta metros.”
O exército brasileiro invadiu o Alemão em novembro de 2010, em resposta a uma série de incêndios criminosos de veículos, em toda a cidade. Em meados de 2012, os soldados passaram o território para a Polícia Pacificadora.
O salão de beleza viu a clientela minguar. Marluce e Cleber dizem que, apesar de ainda haver comércio de drogas, o fluxo de dinheiro no Alemão diminuiu. Então, eles olharam para o alto – para o teleférico de seis estações, construído com recursos do governo federal, que começou a operar em julho de 2011. Olharam para além dos fios emaranhados, das lojas, dos mototáxis, do lixo, das pipas, das lajes e das casas de tijolo exposto. Pensaram em turistas – mas não em apenas levá-los para um simples passeio de teleférico.
No domingo passado, foi a primeira vez que Cleber e Marluce, pais de um filho de treze anos, fizeram uma caminhada por uma parte grande do Alemão com um grupo de turistas, todos usando camisas vermelhas de fácil identificação. Após uma primeira parada em barracas de roupas, bijouterias e lembranças feitas na comunidade (boa parte de materiais reciclados), o percurso começou em uma das áreas mais pobres do complexo, o “Inferno Verde”. Os cicerones não queriam esconder nada.
Os turistas muitas vezes se preocupam, com razão, que os moradores de favelas possam ressentir a presença deles. Porém, Cleber valoriza a interação amigável e dá o exemplo, com apertos de mão, tapinhas nas costas e gritos de “Mengoooo”(uma partida aconteceria no final daquela tarde) gritos levados adiante em repetição pelo território, onde cães trotavam livremente e moradores jogavam sinuca, bebiam cerveja, ouviam música amplificada e faziam churrasco. Passando pelas ruas estreitas e por espaços abertos aparentemente aleatórios, descendo degraus irregulares, alguns visitantes arriscavam um “Tudo bem?”, recebendo um “Tudo bom!”, acompanhado de um sorriso.
“O pessoal acha que eu vou me candidatar,” Cleber comentou. “Mas, eu só quero – eu quero – é viver!”
O Alemão já presenciou muitas mortes, em batalhas entre traficantes rivais e entre os traficantes de droga e a polícia. Localizado nas proximidades do aeroporto internacional e de rodovias importantes, o complexo por muito tempo funcionou como um depósito de armas e drogas. À medida que a pacificação avançou na Zona Sul em 2009 e 2010, o Alemão tornou-se um refúgio para chefes do tráfico em fuga.
Apesar da atração das vistas fantásticas do teleférico, tanto da vida na favela (do alto) quanto da cidade que se estende entre os morros e a Baía de Guanabara, o Complexo do Alemão tem sido uma complicação para a polícia do Rio e para os serviços municipais.” A Comlurb vem dia sim, dia não – quando eles querem,” afirma Cleber.
Apenas uma semana antes do passeio organizado por Cleber, para estudantes e docentes do programa de estudos internacionais em campo Greehey, de MBA, da universidade texana St. Mary’s , a polícia matou um suposto traficante de drogas, levando comerciantes locais a fecharem as portas por dois dias. Disseram que era ordem de um chefe do tráfico — uma demonstração de luto, como se fazia antigamente, antes da pacificação. Em resposta a esse e a outros episódios de violência, a polícia reforçou a presença e a coleta de inteligência no local.
Apesar das dificuldades da pacificação, alguns moradores estendem a mão – para turistas e para novas oportunidades de negócios. Os cicerones Cleber e Marluce fizeram parceria para constituir a empresa “Turismo no Alemão” com os guias Wagner Medeiros e Daniel Brandão, que ajudam a fazer a conexão entre “asfalto” e “morro”, como os cariocas designam as partes formais e informais da cidade.
A pacificação permitiu que Marcelo Ramos e Gabriela Romualdo ousassem. “Um bistrô de cerveja na favela – por quê não?” ele pergunta. Um dia quando estava consertando o telefone de um bistrô de cerveja no Centro do Rio, Marcelo descobriu a nova onda de micro-cervejarias. Assim que ele terminou o serviço, o gerente do bistrô lhe ofereceu uma cerveja… E, agora, onde era a garagem do sogro dele, Marcelo mapeia o gosto do cliente e enche copos como um veterano. O bistrô do Centro colocou ele em contato com fornecedores.
“Metade da minha clientela é de moradores; a outra metade, turistas,” ele diz. “Os moradores tomam uma cerveja mais cara e depois bebem algo como Antártica Original. Pra mim tá ótimo.”
Assim como Cleber, Marcelo recebeu treinamento do Sebrae-RJ, que, custeado pela industria fluminense, a FIRJAN, ajuda pequenos empreendimentos. Após reformar a garagem por conta própria, Marcelo instalou ar condicionado e toldos, com os recursos de um empréstimo oficial a custo zero.
Há cinco meses, quando ele inaugurou o negócio, o lixo era um problema, assim como é para muitos moradores do Alemão. Apesar de ter plantado árvores e arbustos ao longo de um muro em frente ao Bistrô Estação R & R, para colocar mesas onde os fregueses pudessem beber, comer os deliciosos croquetes e apreciar música ao vivo (Jazz, Blues e MPB), os vizinhos ainda jogavam lixo.
“Primeiro, fiz folhetos e distribui”, ele se lembra. “Mas no fim, tive que me esconder no meu carro e pegar eles no ato!”
A Pacificação começou há quatro anos e meio, em novembro de 2008. As Unidades de Polícia Pacificadora agora chegam a 33, com mais algumas a serem implantadas em breve no Complexo da Maré – e com o objetivo de atingir 40 até o final do ano.
A reeleição de Sérgio Cabral, no primeiro turno, em 2010, ocorreu devido ao êxito de seu governo em reduzir a violência urbana. Eduardo Paes, o prefeito que os cariocas adoram odiar, também foi reeleito em primeiro turno no ano passado – em grande parte devido à virada que a pacificação viabilizou.
É provável que o sucessor do governador, que será eleito no próximo ano, mantenha a pacificação de alguma forma.
Problemas espinhosos persistem, em áreas como governança policial, corrupção, treinamento e o recrutamento, em uma economia com baixos níveis de desemprego. É importante lembrar que até o ano passado, os policiais não recebiam pagamento por horas extras – a mesma situação das empregadas domésticas.
Também há novos desafios de segurança pública na agenda cheíssima do Rio de Janeiro, tais como a visita do Papa em julho e a Copa das Confederações da FIFA no mês que vem.
No Alemão, o teleférico, inspirado em algo similar construído em Medellín, Colômbia, e apenas o primeiro de vários a serem instalados no Rio, teria custado R$ 21o milhões. Muitos cariocas reclamam que atende somente àqueles que moram perto das estações e que os recursos poderiam ser melhor utilizados se fossem empregados em escolas e crêches. O Alemão só tem uma escola pública; a maioria das crianças precisa sair da favela para frequentar aulas.
Com esses problemas pendentes, não é sem motivo que o Marcelo, do Bistrô, se mantenha no emprego, apesar de ter recebido muita atenção da imprensa.
Por enquanto, pode ser que um dos maiores benefícios da pacificação seja a conexão entre cariocas das favelas e os da cidade formal — e também com turistas. Sem tal conexão, fica impossível descobrir as semelhanças e diferenças que nos aproximem e que apimentam nossas vidas. Tal descoberta é crucial para que o asfalto e o morro se unam em uma cidade justa.
“Nossa visita ao Alemão foi o melhor dia da nossa viagem,” disse um dos estudantes da St. Mary’s, que também passaram uma semana em Curitiba. “Vou me lembrar desse dia pelo resto da minha vida.” Diretores da instituição estão pensando em formas de estabelecer parcerias com pequenas empresas nas favelas do Rio; alguns alunos têm vontade de voltar para ensinar Marcelo a produzir sua própria cerveja.
Outros bares e botecos em favelas, para incluir em sua lista de lugares a visitar no Rio, recomendados por leitores e amigos do blog (sem ordem de preferência):
Bar do David, no Morro do Chapéu Mangueira, mundialmente famoso por sua feijoada de frutos do mar. É o mesmo local da Favela Inn, que tem uma vista maravilhosa do Leme e de Copacabana e serve feijoada (inclusive vegetariana!) para grupos e festas em uma laje coberta, tel: 7562-3877 ou 3209-2870 Cristiane
Bar do Zequinha, na favela Dona Marta, rua do Mengão, entre as estações #1 e #2 do plano inclinado
Bar do Tino, no Morro dos Prazeres
Bar do Baiano, no Morro dos Cabritos
Restaurante Bom Apetite e Pizza Rio, na Rocinha
Bar e Pensão Bela Vista, no Pavão-Pavãozinho, Rua Hortênsia, tel: 2513- 2288
Você também pode conferir outros locais aqui (em português) e aqui (em inglês). E se quiser, indique seus favoritos nos comentários.
Traduçao de Rane Souza