Carnaval 2014: greve de garis aponta transformação social

um lado da moeda

Coroas

Carnalixo, de acordo com alguns

Tudo bem sentir raiva na multidão; a multidão sente sua ira, digere-a, alimenta a raiva do mesmo jeito que sua raiva a alimenta. De repente, você se sente mais poderoso. Você vence qualquer um. Não é mais a cidade deles, é a sua cidade. Você ganhou essa cidade pelo mérito de sua ira.

–Suketu Mehta, escrevendo sobre Bombaim, no seu livro Bombaim: Cidade Máxima, publicado em inglês em 2004

Há algo de trágico nos loucos. E não apenas o que é definido como loucura nessa época histórica. Há uma outra tragédia, que é a de não ser escutado. Sempre que alguém com um diagnóstico de doença mental comete um crime, a patologia é usada para anular as interrogações e esvaziar o discurso de sentido. A pessoa não é mais uma pessoa, com história e circunstâncias, na qual a doença é uma circunstância e uma parte da história, jamais o todo. A pessoa deixa de ser uma pessoa para ser uma doença. 

–Eliane Brum, escrevendo sobre os casos recentes de violência no Brasil, no site do jornal espanhol El País em português

O carnaval é o principal evento da cidade do Rio de Janeiro . Nós entendemos como chantagem esse movimento realizado justamente neste período.

— Vinícius Roriz, presidente da Comlurb, citado no site da Globo, G1

Cara

Cara

Diante da turbulência que começou em junho passado e que, de alguma forma, continua até hoje, era de se esperar algo diferente neste carnaval. Mas o quê, já que o carnaval em si traz tudo que questiona, burla e inverte?

Mal sabíamos nós, a equipe recém-formada da RioRealblogTV, que acertamos na mosca com a escolha do assunto de nosso primeiro vídeo.

A ironia não poderia ser maior: enquanto o carnaval representa a fuga de tudo que é verossímil, com foliões fantasiados de marinheiros, piratas, e carmelitas, a realidade se apresenta de maneira inevitável e fedida. Desta vez, os 15 mil garis do Rio deram longa vida às montanhas de detritos que até então, como num passe quase de mágica, tiravam de nossa vista.

Eis a violência que temíamos neste ano de folia. Fazendo convite ao prefeito para varrer a cidade sozinho, os garis se manifestavam nas ruas da cidade. “O prefeito quer fazer a Copa, os garis querem fazer as compras” dizia um cartaz.

A bagunça traz consigo toda a complexidade do momento, com grevistas (agora demitidos) dizendo que o sindicato, que negociou um aumento de 9%, não os representa. Como calcular o valor da limpeza urbana hoje, quando um gari facilmente arranja outro emprego, o custo de vida sobe freneticamente e estamos às vésperas da Copa?

Coleta

Coleta

No ano passado, o blog comentou a falta de sustentabilidade do carnaval evidente na produção de lixo. Aparentemente, a prefeitura, a Dream Factory (empresa que organiza o carnaval de rua) e a Ambev também identificaram o problema. Neste ano houve uma maior coleta de recicláveis e orientação de ambulantes.

Mas a greve do carnaval 2014 demonstra um descuido que vai além do meio ambiente, que permeia toda a sociedade brasileira e provavelmente seja fonte importante da violência que experimentamos, conforme comentado no artigo excelente de Eliane Brum. É o descuido do ser humano.

Por que o Rio é tão sujo? 

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About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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