Será um quaresma e tanto, no Rio e em todo o país
A pergunta faz parte da vida em qualquer cidade turística: a quem pertence nossa metrópóle? Cada cidade vai trabalhando a equação visitante/morador, todo dia, toda hora. Não seria diferente aqui na Cidade Maravilhosa, onde o Carnaval de rua e o turismo crescem com cada ano que passa.
A resposta governamental também cresce, com um número sempre maior de banheiros portáteis e fiscais de todo tipo. O Rio estava programado para ter um policiamento de quase 50 mil homens e mulheres, praticamente o efetivo total da polícia militar.
Não sabemos ainda o número total de turistas carnavalescos, mas esperava-se um milhão, mais 9% do que em 2014. No porto, mais navios transatlânticos do que nunca, e a esperança de que os marmanjos de fora gastassem uns R$ 20 milhões, total. Os 456 blocos quer iriam para as ruas aguardavam um total de cinco milhões de foliões.
Apesar de promessas, por parte dos governantes, de maior fiscalização e atenções redobradas, parece que esse Carnaval — de rua– foi um dos mais difíceis. Recebemos turistas e renda a mais, sim, mas ganhamos o caos também. Uma associação de moradores pretende fazer um balanço do Carnaval em Ipanema ao Ministério Público, mês que vem.
Há relatos de arrastões e assaltos, generalizados durante os blocos, de caos na saída da rodoviária, de acampamentos de vendedores ambulantes nas praias da Zona Sul, lixo, fedor, acidentes horríveis e o esfaqueamento mortal de um turista alemão na rua Uruguaiana, centro da cidade.
Enquanto a prefeitura requereu que a Ambev, patrocinadora do Carnaval de rua, credenciasse os ambulantes para vender a cerveja dela, coexiste a clássica informalidade brasileira. Uma filial do supermercado Zona Sul vendia exclusivamente para os credenciados; outro, bem maior, vendia, e muito, para qualquer um.

Mistura saudável: a Zona Sul também é da Zona Oeste, de onde vem o costume de se fantasiar de Clóvis, ou “bate-bola”, no Carnaval
De maneira geral, o patrocínio em si está minguando, talvez como reflexo da situação econômica do país e da região metropolitana do Rio, muito dependente no setor de petróleo em gás, que passa pela pior crise de sua existência.
Possivelmente, a dureza econômica acabe por colocar os pés dos foliões mais firmemente no chão, levando a um Carnaval mais democrático e autêntico. Pela primeira vez, neste ano, era possível comprar ingressos para um camarote, antes restrito a convidados de empresas e governos. Por outro lado, lamentam tradicionalistas, havia camarote tocando música funk, entre desfiles.
Carnaval é bom para esquecer de crises, mas é também uma ocasião para brincar com tristes realidades. Neste vídeo, uma escola de samba fictícia canta algumas verdades. É bem no espírito momesco que tenha sido produzido pela rede Globo, a mídia que mas enaltece e lucra com o Carnaval.
Muitos cariocas que ficaram na cidade durante o Carnaval perguntam se não está na hora, já que parece impossível administrar adequadamente os festejos, de diminuir ou centralizar as atividades de rua. Diante dos investimentos da Ambev e da Dream Factory, (empresa de organização de eventos qu pertence ao criador do Rock in Rio, Roberto Medina) porém, não será fácil mudar a trajetória da festa, de crescente participação, com tudo de bom e ruim que isso nos traz.
Sua blogueira confessa um certo estado rabugento, no tocante a Carnaval, neste ano. Foi impossível se esquecer da estiagem que afeta o sudeste do país, com políticos se ausentando do mais do que necessário papel de liderança e visão. Como brincar, quando logo pode acabar a água — com efeitos drásticos no quadro energético do país?
[Atualização: Para combinar com o momento, na quarta-feira de cinzas os jurados selecionaram a Beija-Flor como escola vencedora do desfile no Sambódromo: supostamente, a escola recebeu fundos do ditador do Guiné Equatorial, por meio de construtoras brasileiras que fazem obras naquele país — algumas das mesmas citadas no escándalo Lava-Jato, atualmente sob investigação.]
Uma escola de samba entendeu a seriedade da situação. Mocidade Independente de Padre Miguel fez um desfile sobre o fim do mundo. Mas não se preocupe, caro leitor: o foco do enredo, bem no estilo brasileiro de aproveitar a vida, foi o que cada um de nós faria se tivéssemos apenas mais um dia na terra.