A revolução social se faz sentir

O prefeito de São Gonçalo, Neilton Mulim, comentou seus desafios e realizações na área de saúde — e logo depois teve algo importante a fazer, o caso de todos os prefeitos que receberam os seminários metropolitanos
Para quem acompanha o Rio de Janeiro, a série de seminários sobre assuntos metropolitanos, organizada pelo think-tank IETS e a recém-criada Câmara Metropolitana de Integração Governamental, trouxe uma abundância de informações instigantes e úteis.
Os seminários das últimas semanas — sobre saneamento, mobilidade urbana, segurança e saúde, cada um acontecendo em uma cidade diferente da metrópole, — foram uma espécie de aquecimento para quando a Câmara entrar em plena atividade (o que é esperado ainda neste ano), cumprindo uma decisão em agosto passado, do Supremo Tribunal. Trouxeram uma prévia dos desafios e questões que serão tratados pelos prefeitos das 21 cidades que constituem a nova entidade, a ser presidida por Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista de ampla experiência metropolitana.
Para essa blogueira, o que mais ficou evidente nos encontros é uma mudança na forma de lidar com as desigualdades, particularmente marcantes entre a capital e as cidades em sua volta.
Pense nisso: hoje, 41% da população no Rio de Janeiro metropolitano possui um plano de saúde particular. Em todo o estado, o crescimento no setor foi de 26.5% da população em 2000 para 38.6% em 2014.
Todos os temas tratados nos seminários, tiveram, historicamente, duas abordagens, uma para os ricos e uma para os pobres — tanto no Rio de Janeiro como no país como um todo. Talvez tenha sido essa dicotomia que uniu os manifestantes, em 2013: carros para quem pode, ônibus, sujeito a aumentos de tarifa sem transparência nas contas das empresas de ônibus, para quem não pode.
Parece estar em curso um encontro das águas, bastante confuso (sobretudo, agora, no contexto da desaceleração econômica). Tal encontro pode estar forçando novas abordagens das políticas públicas e dos problemas estruturais de sociedade.
Por exemplo, um número significativo dos milhões que sairam da pobreza comprou automóvel. E como ficou o trânsito? Apesar da noção de alguns, de que as novas opções de transporte em massa seriam apenas para o povão, os engarrafamentos são pedidos gritantes por mais transporte de massa viável e acessível. Mais gritante ainda para quem trabalha na capital e mora em outra cidade.
Também houve uma fuga do SUS para os planos de saúde. E como ficou o sistema privado de saúde? Tão sobrecarregado que o diretor de Assuntos Institucionais da Amil, Antonio Jorge Kropf, afirmou, no último seminário, dia 28 em São Gonçalo, que “há uma necessidade de entendimento e racionalidade entre público e privado”.
Apesar de ser mais difícil de discernir, o mesmo fenômeno pode estar acontecendo na área de saneamento. A falta de saneamento, há séculos, levou o estado do Rio de Janeiro a uma taxa de esgoto não tratado, em 2013, de 66%, de acordo com o Sistema Nacional de informações sobre Saneamento. No mínimo, é interessante ver que os moradores mais vocíferos do Complexo do Alemão e do morro da Rocinha, contemplados com investimentos PAC, dizem que gostariam de trocar teleférico (existente já, no primeiro, planejado apenas, no segundo) por saneamento.
Em todo caso, a Cedae já compartilha as tarefas de suprimento de água e esgotamento com empresas do setor privado, na região metropolitana — e nesta área o governo estadual quer mais parcerias público-privadas. Somente assim, acredita-se, é que será possível universalizar o saneamento e limpar a baía de Guanabara.
Na área de segurança, o trajeto é inverso: são os ricos que apelam ao setor público, após décadas de soluções privadas de segurança, como guardas, guaritas, muros, grades e alarmes.
O que esses movimentos demonstram é que, a longo prazo, os ex-pobres e e as classes mais tradicionais tendem a se encontrar cada vez mais no metrô, na sala de espera, e nas suas expectativas de águas limpas e cidades seguras.
No seminário sobre saneamento, falou-se de novos modelos e parcerias entre a Cedae, empresa estadual, e o setor privado.
De acordo com Antonio Jorge Kropf, da Amil, o que temos atualmente no Brasil é um sistema duplicado, com bastante fragmentação. “Os objetivos são comuns”, acrescentou, falando dos provedores públicos e privados.
O encontro das águas — das classes sociais e dos setores público e privado — vai dar, provavelmente, um monte de pororoca, senão tsunami, ao passo que os diversos atores vão aprendendo, negociando, se relacionando e criando a confiança necessária para sair dos velhos padrões de feudos e favores. Somente assim, o planejamento e acompanhamento — a continuidade das políticas públicas — irão entrar de vez na cultura brasileira.
É difícil prever o ritmo dos acontecimentos, sobretudo no quadro atual de revezes dos ganhos sociais e econômicos. Será que a inclusão social não está aqui para ficar? Será que, apesar do empobrecimento, as demandas novas persistam, se não expressadas no consumo, pelo menos presentes na esfera política?
É tristemente sintomático do individualismo tradicional que nenhum dos prefeitos que receberam os seminários — em Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Niterói e São Gonçalo — assistiu ao evento todo. A Câmara Metropolitana, apoiada pelo Banco Mundial, claramente tem muito trabalho pela frente.
Mas é bom perceber que, se até por volta de 2010 o Brasil funcionava pacatamente com dois sistemas, um para cada classe social, isso já começou a mudar. O que só pode ser bom para o Rio metropolitano.
As excelentes apresentações de todos os seminários estão aqui.
excelente post!
obrigada, Liz!