Limpeza geral é a expectativa
Seria fácil prever o futuro do Rio de Janeiro se o mundo se dividisse entre bons e maus sujeitos. Como não é o caso, nos encontramos no meio de tendências e dados conflitantes, difíceis de analisar de forma panorâmica. Sim, o Rio de Janeiro acompanha o mundo todo, no quesito confusão.
Quem é Wilson Witzel, nosso novo governador? Conseguirá cumprir suas promessas, de menos corrupção, mais segurança pública, menos crise financeira? O Rio de fato se tornará um destino turístico confiável e sustentável — vocação natural (além de pólo cultural) para a economia local?
Difícil aprofundar a natureza e as verdadeiras capacidades dele. Fez promessas e nomeações (quase todas homens), resolveu extinguir a Secretaria de Segurança Pública e afirmou que mandará abater quem carregue fuzil. Admira o Israel.
Allan de Abreu, repórter da revista Piauí, analisou as sentenças do governador eleito, de quando era juiz (deixou o cargo de juiz federal no começo de 2018, para se tornar candidato). Grande porcentagem de suas decisões foram revertidas em instâncias superiores, o que indicaria, enfim, uma questionável habilidade de produzir justiça.
Precisamos, porém, de mais informações, sobre cada decisão e suas circunstâncias, sobre o ambiente no qual trabalhava (por motivos de segurança em 2011 pediu transferência para fora do estado de Espirito Santo) e suas relações na época. Precisamos saber, também, mais sobre os anos que passou como juiz no Rio de Janeiro. Como foi que decidiu se candidatar, como chegou a formar suas ideias sobre políticas públicas, quais eram e quais são, hoje, seus interlocutores?
No âmbito de segurança pública, Witzel segue a linha Bolsonaro: mais tiros —-> menos crime. Coincidência ou não, os resultados da Intervenção Federal, que termina na hora que ele assume o cargo, batem com a receita.
Um balanço bastante completo, do site UOL, inclui dados e declarações oficiais e do independente Observatório da Intervenção. Vemos, por um lado, um aumento de abusos policiais, tiroteios ( 56% comparado com o ano anterior) e chacinas — e, claro, no número de mortes por atuação policial:
“Desde 2007 as polícias do Rio não matavam tanto como no ano da intervenção federal. Foram 1.185 vítimas de março a novembro (quase 40% a mais do que o ano passado) e tudo indica que, após dezembro, terá sido o recorde da série histórica do ISP (Instituto de Segurança Pública). Os dados são compilados pelo órgão desde 2003.”
Por outro lado, os roubos e homicídios diminuiriam de forma significativa, como também aconteceu com as mortes de policiais.
Aí vem a explicação oficial do quadro, que assinala um futuro não menos violento do que o atual: “Em relação aos índices de criminalidade, a Secretaria de Segurança afirmou que análises iniciais dos dados do ISP ‘apontam que o aumento [do número de mortes] está relacionado à recuperação da capacidade operacional das polícias, à atuação das forças de segurança na mancha criminal e ao comportamento irracional dos criminosos quando escolhem o enfrentamento'”.
Irracionais os criminosos. Racionais, é de se esperar, aqueles beneficiados pelo decreto já anunciado pelo novo presidente, facilitando a posse de armas. Ou seja, estamos numa nova era (que, estranhamente, remete ao passado). Antes, acredita-se, a insegurança de todos era fruto da “segurança” de alguns maus elementos. Agora, a segurança de alguns depende da insegurança de outros. Que os bandidos escondam seus fuzis.
Além de caçar esses, o novo governador promete clemência nenhuma aos corruptos. Não estará sozinho nesse compromisso. Após a eliminação de vida pública de governadores, deputados estaduais (e do deputado federal do estado do Rio, Eduardo Cunha) e de conselheiros do Tribunal Estadual de Contas, falta mais um grande pedaço do quebra-cabeças estadual, no qual empresas sustentavam políticos que sustentavam empresas, com muita gente cegada por propinas: o judiciário. Há impeto nesse sentido tanto do encarcerado ex governador Sérgio Cabral (falou recentemente em delação) como do Witzel e do Ministério Público.
Essa fase da Lava Jato local, um mar de lama varrido por correntezas diversas, merecerá bastante atenção. Por um lado, há apoio de Brasília e também popular pela limpeza continuada; temos as promessas e intenções do governador e o MP estadual. Por outro, a política dificilmente deixará de ser uma troca de favores. Não se sabe se há jeito de manter tais favores dentro da legalidade. É difícil lembrar o nome de algum político que se elegeu prometendo drenar um pântano que não tenha se juntado à população réptil ali abrigada. Nada contra cobras e jacarés de verdade.
O pano de fundo disso tudo é a situação financeira do estado, que continua em regime de recuperação fiscal. Será difícil mesmo agir sem os recursos da velha política, da qual Witzel tanto diz querer se distanciar. A previdência pesa nos ombros de quase todos os executivos eleitos no país. Eis o desafio: como criar um pacto com o legislativo e a sociedade como um todo? Também, o preço de petróleo cai (e nossos royalties também), porém há investimentos importantes a serem feitos nas áreas de saúde, educação e, de novo, segurança pública. A Intervenção apenas iniciou o trabalho.
O quadro do sustento dia a dia do estado desanima; o que dizer de políticas públicas metropolitanas? A falta destas é grande fator na poluição da baía de Guanabara, no caótico transporte público e no crescimento do crime para fora da capital. No apagar das luzes de 2018, legisladores estaduais e o governador Dornelles — com um atraso de três anos — finalmente aprovaram uma lei que cria, oficialmente, o arcabouço legal para isso. Agora só falta — em situação continuada de crise — trabalhar mobilidade, meio ambiente e segurança pública (entre outros temas) de forma metropolitana.
O Rio de janeiro é uma cidade que nunca para. Acho que as pessoas vão começar a tomar decisões na hora de escolher quem os leva para um Rio melhor e mais seguro. http://www.cinemaqualidade.li
Concordo, Talinho. Vamos tentar…