O Rio de Janeiro de 2019

Horizonte belo ou ameaçador? Depende de quem você seja

Limpeza geral é a expectativa

Seria fácil prever o futuro do Rio de Janeiro se o mundo se dividisse entre bons e maus sujeitos. Como não é o caso, nos encontramos no meio de tendências e dados conflitantes, difíceis de analisar de forma panorâmica. Sim, o Rio de Janeiro acompanha o mundo todo, no quesito confusão.

Quem é Wilson Witzel, nosso novo governador? Conseguirá cumprir suas promessas, de menos corrupção, mais segurança pública, menos crise financeira? O Rio de fato se tornará um destino turístico confiável e sustentável — vocação natural (além de pólo cultural) para a economia local?

Difícil aprofundar a natureza e as verdadeiras capacidades dele. Fez promessas e nomeações (quase todas homens), resolveu extinguir a Secretaria de Segurança Pública e afirmou que mandará abater quem carregue fuzil. Admira o Israel.

Allan de Abreu, repórter da revista Piauí, analisou as sentenças do governador eleito, de quando era juiz (deixou o cargo de juiz federal no começo de 2018, para se tornar candidato). Grande porcentagem de suas decisões foram revertidas em instâncias superiores, o que indicaria, enfim, uma questionável habilidade de produzir justiça.

Precisamos, porém, de mais informações, sobre cada decisão e suas circunstâncias, sobre o ambiente no qual trabalhava (por motivos de segurança em 2011 pediu transferência para fora do estado de Espirito Santo) e suas relações na época. Precisamos saber, também, mais sobre os anos que passou como juiz no Rio de Janeiro. Como foi que decidiu se candidatar, como chegou a formar suas ideias sobre políticas públicas, quais eram e quais são, hoje, seus interlocutores?

No âmbito de segurança pública, Witzel segue a linha Bolsonaro: mais tiros —-> menos crime. Coincidência ou não, os resultados da Intervenção Federal, que termina na hora que ele assume o cargo, batem com a receita.

Um balanço bastante completo, do site UOL, inclui dados e declarações oficiais e do independente Observatório da Intervenção. Vemos, por um lado, um aumento de abusos policiais, tiroteios ( 56% comparado com o ano anterior) e chacinas  — e, claro, no número de mortes por atuação policial:

“Desde 2007 as polícias do Rio não matavam tanto como no ano da intervenção federal. Foram 1.185 vítimas de março a novembro (quase 40% a mais do que o ano passado) e tudo indica que, após dezembro, terá sido o recorde da série histórica do ISP (Instituto de Segurança Pública). Os dados são compilados pelo órgão desde 2003.”

Por outro lado, os roubos e homicídios diminuiriam de forma significativa, como também aconteceu com as mortes de policiais.

Aí vem a explicação oficial do quadro, que assinala um futuro não menos violento do que o atual: “Em relação aos índices de criminalidade, a Secretaria de Segurança afirmou que análises iniciais dos dados do ISP ‘apontam que o aumento [do número de mortes] está relacionado à recuperação da capacidade operacional das polícias, à atuação das forças de segurança na mancha criminal e ao comportamento irracional dos criminosos quando escolhem o enfrentamento'”.

Irracionais os criminosos. Racionais, é de se esperar, aqueles beneficiados pelo decreto já anunciado pelo novo presidente, facilitando a posse de armas. Ou seja, estamos numa nova era (que, estranhamente, remete ao passado). Antes, acredita-se, a insegurança de todos era fruto da “segurança” de alguns maus elementos. Agora, a segurança de alguns depende da insegurança de outros. Que os bandidos escondam seus fuzis.

Além de caçar esses, o novo governador promete clemência nenhuma aos corruptos. Não estará sozinho nesse compromisso. Após a eliminação de vida pública de governadores, deputados estaduais (e do deputado federal do estado do Rio, Eduardo Cunha) e de conselheiros do Tribunal Estadual de Contas, falta mais um grande pedaço do quebra-cabeças estadual, no qual empresas sustentavam políticos que sustentavam empresas, com muita gente cegada por propinas: o judiciário. Há impeto nesse sentido tanto do encarcerado ex governador Sérgio Cabral (falou recentemente em delação) como do Witzel e do Ministério Público.

Essa fase da Lava Jato local, um mar de lama varrido por correntezas diversas, merecerá bastante atenção. Por um lado, há apoio de Brasília e também popular pela limpeza continuada; temos as promessas e intenções do governador e o MP estadual. Por outro, a política dificilmente deixará de ser uma troca de favores. Não se sabe se há jeito de manter tais favores dentro da legalidade. É difícil lembrar o nome de algum político que se elegeu prometendo drenar um pântano que não tenha se juntado à população réptil ali abrigada. Nada contra cobras e jacarés de verdade.

O pano de fundo disso tudo é a situação financeira do estado, que continua em regime de recuperação fiscal. Será difícil mesmo agir sem os recursos da velha política, da qual Witzel tanto diz querer se distanciar. A previdência pesa nos ombros de quase todos os executivos eleitos no país. Eis o desafio: como criar um pacto com o legislativo e a sociedade como um todo? Também, o preço de petróleo cai (e nossos royalties também), porém há investimentos importantes a serem feitos nas áreas de saúde, educação e, de novo, segurança pública. A Intervenção apenas iniciou o trabalho.

O quadro do sustento dia a dia do estado desanima; o que dizer de políticas públicas metropolitanas? A falta destas é grande fator na poluição da baía de Guanabara, no caótico transporte público e no crescimento do crime para fora da capital. No apagar das luzes de 2018, legisladores estaduais e o governador Dornelles — com um atraso de três anos — finalmente aprovaram uma lei que cria, oficialmente, o arcabouço legal para isso. Agora só falta — em situação continuada de crise —  trabalhar mobilidade, meio ambiente e segurança pública (entre outros temas) de forma metropolitana.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
This entry was posted in Brazil, segurança pública Rio de Janeiro and tagged , , . Bookmark the permalink.

2 Responses to O Rio de Janeiro de 2019

  1. Talinho says:

    O Rio de janeiro é uma cidade que nunca para. Acho que as pessoas vão começar a tomar decisões na hora de escolher quem os leva para um Rio melhor e mais seguro. http://www.cinemaqualidade.li

Leave a comment

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.