Contagem regressiva ao primeiro megaevento: quanto o Rio já andou?

Para a maioria dos brasileiros, planejar e monitorar são novidades. Participação e confiança, também.

Click here for Countdown to first mega-event: how far has Rio come?

A menos de um mês de 13 de junho, dia inicial da conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável Rio + 20 , o governo corria para reduzir o custo da hospedagem e para disponibilizar mais quartos. O problema não era apenas uma escassez de hotéis nem suas taxas absurdas, mas uma agência de viagens que bloqueara um número enorme de quartos por uma taxa de serviço de meros 25% , acima do preço do hotel.

E a apenas dois anos da Copa do Mundo, um novo relatório governamental indica que até agora gastou-se menos de 1% dos R$ 27 bilhões marcados para a infraestrutura necessária, com 44 de 101 projetos ainda no papel.

As árvores brasileiras estão sempre carregadas de fruta– e há sempre tantos imprevistos. Para que se dar o trabalho de planejar?

Relíquia dos anos 1980s em frente à Secretaria estadual de Segurança Pública: naqueles dias, o bandido só precisava correr muito rápido

Pode-se nutrir esperança pela prontidão de megaeventos? Eis uma questão posada por um número sempre maior de observadores.

Uma amiga estrangeira do blog com larga experiência nas artes explica o pendor para a protelação, observando que os brasileiros gostam de esperar até o último minuto para então produzir um resultadado fabuloso por meio de um esforço heroico, e assim assumir o papel de herói.

Muitas vezes, esperar até o último minuto é um artifício para dispensar o processo requerido de licitação, o que permite o superfaturamento de contratos.

Assim, pode-se dizer que adiar até amanhã o que você pode fazer hoje é preciso para agarrar a oportunidade de dar o melhor de si.

Contudo–

Uma apresentação do novo Plano Estratégico do Rio de Janeiroi no forum de debates OsteRio no último dia 14 de maio indicou que o planejamento já se tornou imprescendível à vida urbana e à política. Ao tomar posse o prefeito Eduardo Paes elaborou um plano e  não desviou dele, instituindo reuniões, acompanhamento e implementação que incluiu bônus de desempenho para os servidores municipais que cumprem metas. Pretende-se que o plano novo faça parte de debate eleitoral para as eleiçoes municipais de outubro.

O chefe da Casa Civil de Paes, secretário Pedro Paulo Teixeira, apresenta o segundo Plano Estratégico do prefeito no OsteRio

A reação ao novo plano de R$ 30 bilhões– elaborado com a ajuda da consultoria da McKinsey & Company, mais 200 notáveis cariocas e uma pesquisa de opinião pública — era que sua mera existência é motivo para comemorar. Representa “a recuperação da capacidade de ação da prefeitura”, disse o pesquisador José Marcelo Zacchi, acrescentando que os grandes desafios que se apresentavam no começo do mandato do prefeito Eduardo Paes demandavam muita reflexão e planejamento.

Não se deve esquecer, afinal, que até quinze meses atrás, tudo que se precisava fazer para subir num ônibus era levantar a mão, desde que se estivesse ao ar livre e em proximidade ao meio-fio (sobreviver a viagem sem precisar de fisioterapia era, e ainda é, outra questão). E que até uns oito meses atrás, as empresas de luz, tv a cabo, gás e água e esgoto cavavam buracos e faziam suas redes com fiscalização zero e coordenação zero entre si. Pois assim explodem tampos de bueiro.

José Marcelo Zacchi saiu recentemente do programa municipal UPP Social para se juntar ao thinktank de assuntos urbanos, IETS. Como todo mundo que está envolvido com a transformação do Rio de Janeiro, ele demanda mais todos os dias. “Temos um núcleo qualificado, mas não temos gestão metropolitana, e não temos um rebatimento dessa qualificação na gestão local, decentralizada, de bairros,” ele disse, sobre o Plano Estratégico. “Criamos mecanismos de planejamento, de transparência, de acompanhamento, de prestação de contas, mas temos muito que avançar em participação e participação descentralizada na ponta nesses processos.”

Pedro Paulo Teixeira, chefe da Casa Civil da prefeitura, que apresentou o Plano no OsteRio, reconheceu a necessidade por mais planejamento de baixo para cima.

A polícia do Rio também investe pesadamente em planejamento– e em recursos humanos,  área de trabalho e condições de trabalho. Eles também tem muito chao pela frente. Surgiu um fato chocante numa apresentação no dia 17 de maio do plano da Secretaria de Segurança Pública para a Rio + 20, para jornalistas estrangeiros: os policiais convocados para trabalhar hora extra em eventos especiais recebiam nada. Isso muda agora.

“Terão outra vontade de trabalhar,” disse Roberto Alzir, Subsecretário de Grandes Eventos. Os instrutores da academia de polícia tampouco recibiam; o sistema inteiro está sendo reformulado, acima de tudo para produzir mais policiais de pacificação. Hoje, cinco mil soldados trabalham em nas atuais 22 UPPs. O número programado para 2014 é 12.500.

Se estão subindo, fica mais fácil

Cresce claramente a atenção a quem está na base da pirámide. Não é a toa que a nova novela das oito da TV Globo, Avenida Brasil, traz à tela os nem-tão-pobres-mais das zonas norte e sul, e teve a melhor audiência de início de novela dos últimos cinco anos. Aliás, em algum momento recente, a TV Globo, notavelmente, começou a chamar a novela das oito de novela das nove– que sempre foi o horário do programa.

Ricardo Henriques, que em agosto deixa o cargo de presidente do órgão municipal de planejamento estratégico e de estatística, o Instituto Pereira Passos (IPP), fala de uma “reconfiguração do tecido social”, e diz que os cariocas aprendem a dialogar. Henriques, que passa para a atual Secretária municipal de Fazenda Eduarda de la Rocque  suas responsabilidades, que incluem a UPP Social,  construiu  o programa com base no conceito de “escuta forte”. O resultado foi uma expansão significativa dos serviços municipais, mas há críticas, que fazem parte da grande e saudável troca de ideias que acontece atualmente no Rio.

Ricardo Henriques, segundo da esquerda, vai chefiar o Instituto Unibanco em agosto

Pode-se observar um comportamento clientelista e patrimonial não apenas de parte das elites, mas também entre os pobres, diz Henriques. “Frequentemente, eles vêm com uma pauta de reivindicações, em vez de dialogar,” assinalou ele durante um debate do Rio de Encontros na semana passada, sobre empreendedorismo e sustentabilidade. “Temos que quebrar a armadura dos dois lados, para construir a confiança.”

Durante um bate-papo apoiado em parte pelo Instituto EBX do magnata de mineração e energia Eike Batista, com o diretor Pedro Rivera do Studio X da universidade de Columbia Escola de Pós Graduação de Arquitetura, Planejamento e Preservação, o agitador urbano Marcus Faustini fez eco a esse pensamento. Sugeriu a criação de “Fundos Territoriais”, a serem administrados por comunidades. “As pessaos têm que se empoderar para decidir seus rumos,” ele acrescentou. “[O cidadão de origem popular] não é um ator preparado. Seria até pedagógico.Tem que planejar, não pedir. Todo mundo tem que mudar.”

O prefeito Paes e a futura presidente do IPP de la Rocque já propuseram uma ideia parecida de fundo. A desigualdade de renda está no cerne de tantas tarefas ainda por completar.

Jailson da Silva:  “Aparentemente os moradores do Cantagalo eram surdos– nunca perderam o sono por causa de tiros.”

Os desafios e armadilhas mentais jazem em locais inesperados.  Jailson da Silva, coordenador do grupo de pesquisa e advocacia de favelas Observatório de Favelas, criticou o título de mais um encontro da semana passada, o Seminário Integração: Favela-Cidade. “Favela é cidade,” ele assinalou. “É integrada– e desigual. Quando havia tiros no morro do Cantagalo, invariavelmente os jornais davam uma manchete dizendo que os moradores de Ipanema haviam perdido o sono por causa de tiros, ele acrescentou.

Árvores frutíferas carregadas, para poucos e seletos?

Pode ser que o motivo pela falta de firmeza temporal no Brasil não seja a ausência de um inverno rigoroso com galhos vazios e a necessidade de pensar em picles, mas o fato que a fruta é abundante por uma minoria; porém muita gente não consegue chegar perto.

Como colher manga, quando um grupo pequeno tem mais músculos e braços mais longos? E porque fazer muitos planos, se você estiver no grupo pequeno, bem perto da mangueira? No caso de um imprevisto é só jogar dinheiro para um bando de peões e eles irão chacoalhar a mangueira (rezando para que nenhuma manga caia na cabeça deles), ensacar a fruta, e entregá-la. A solução deixa de agradar a alguns tucanos, mas aqueles aves desajeitados se alimentam dos ovos de outros pássaros, então merecem.

Exceto que os peões estão ficando caros e contestadores (e relativamente mais qualificados); um número crescente de pessoas se dão conta de que quem planta as mangueiras é quem paga imposto e que todos nós pagamos imposto; a desigualdade se torna uma assunto sempre mais chave; e os encontros que a globalização outorga nos levam a desafiar tradições, comportamentos e valores que remetem a séculos passados.

Em outras palavras, talvez o Brasil não fique totalmente pronto para seus megaeventos, mas até o fim do último deles, não apenas o Rio de Janeiro terá mudado de forma dramática, mas teremos um país bastante diferente.

Uma ebulição de perguntas, demandas, ideias e dúvidas

Para ver a apresentação da Secretaria de Segurança Pública sobre os planos de segurança durante a Rio + 20, clique em Segurança Rio+20 (1).

Para ler a apresentação da Secretaria de Segurança Pública sobre estatísticas de crime, clique em O Globo (1).

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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5 Responses to Contagem regressiva ao primeiro megaevento: quanto o Rio já andou?

  1. Ana Rosa says:

    Otimo artigo, com colocações importantes sobre aspectos que de fato acontecem, rico em detalhes, principalmente sobre aspectos culturais do nosso país, tais como deixar as coisas para última hora. Muito ainda para ser mudado, paradigmas comportamentais quebrados. Vamos Caminhando!!!
    A propósito, a foto do carro de polícia sendo fusquinha foi boa escolha, muito legal, a famosa “joaninha”.

  2. Rio real says:

    Ana Rosa, muito obrigada. Esqueci que se chamava joaninha!

  3. Juliano Lacerda says:

    adorei a materia sobre o Rio+20 e sobre o projeto das obras da Copa do Mundo, realmente o Governo Vive no limite do tempo para poder superfaturar as obras e acreditar que deixar para o ultimo minuto para começar a fazer se dá mais um animo para minha opinião, isso só me leva para um classico ditado: “A pressa é Inimiga da Perfeição”… O Governo esta interpretando esse ditado de forma contrária e pouco se vê fazer. O brasileiro tinha que ter um sistema de avaliação onde pudesse mostrar o seu grau de insatisfação ou satisfação pelo que o Governo vem fazendo com o NOSSO DINHEIRO PÚBLICO, uma ferramenta mais simples e de fácil acesso a todos… essa política que é meio que teia de aranha, que já vem amarrada aos outros políticos que não fazem nada e ganham milhões às nossas custas. Infelismente o povo brasileiro se conforma com a migalha que cai das mão dessas pessoas e nos cegam porque a nossa necessidade de se sustentar é infinitamente maior. Que esse projeto venha a calhar.

    sou o rapaz q vc conheceu na praia de Ipanema nessa sexta (08/06/2012)…

  4. Juliano Lacerda says:

    ok,… fico feliz q tenha respondido e que ainda tenha se lembrado de mim… quero vê-la novamente por la… e se vc tiver mais tempo poderemos conversar um pouco mais… espero manter contato… abraços

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