A Guerra às Drogas, a condição da mulher e do negro, o transporte urbano, a crise hídrica: assuntos em debate quente
As más notícias chegam diariamente. Mesmo assim (ou talvez por causa disso), cresce o movimento no campo das ideias, o questionamento, a expressão pessoal. Fica até difícil acompanhar os acontecimentos na metrópole.
Talvez , futuramente, vejamos esse ano turbulento como um momento de grande riqueza. A inclusão social (a miséria no Rio teria caído à metade entre 2013 e 2014, de acordo com um novo estudo do IETS) abriu portas para comportamentos novos.
Tardiamente (melhor do que nunca), surge o questionamento formal das finanças das empresas de ônibus, que teriam silenciosamente embolsado R$ 90 milhões em cinco anos, em créditos expirados de cartões de passagens pré-pagos.
O mercado imobiliário, que neglenciava a moradia acessível, perde ímpeto, o que pode propiciar uma reavaliação da vocação da região do Porto e até da Barra da Tijuca e adjacências. Uma matéria recente do New York Times relata que, dos 3.604 apartamentos nos 31 torres que irão abrigar os atletas olímpicos e paralímpicos, apenas 230 foram vendidos até agora.
Na região do Porto, há tempo ainda de implementar um singular projeto paisagístico, o Circuito da Celebração da Herança Africana. Elaborada pela paisagista afro-americana Sara Zewde, em colaboração com o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, o projeto seria de grande impacto numa hora de crescente consciência negra.
No dia 19 deste mês, Sara Zewde participa de uma mesa redonda sobre o assunto, no Studio X, na praça Tiradentes, de convite aberto a todos.

Heloisa Helena Berto, Yalorixá Luizinha de Nanã, espírita candomblecista, luta para preservar um local espiritual à beira da Lagoa de Jacarepaguá, na Vila Autódromo, ao lado das instalações olímpicas
Falou-se bastante de raça, e de gênero também, durante a FLUPP, a Festa Literária das Periferias, onde alunos de escolas públicas tiveram, neste mês, a oportunidade de adentrar o mundo dos livros, junto com autores nacionais e internacionais. Para aplausos animados, uma aluna declamou a poesia sua escrita no celular, afirmando que não queria mais ser “neguinha”. Outra denunciou os comentários machistas que as mulheres ouvem ao andar na rua.

Jurados de animado “poetry slam” internacional da FLUPP, no morro da Babilônia, levantam seus números

Os fundadores da Flupp, Júlio Ludemir e Écio Salles, homenageados no final da Festa, ao lado da menina Ágata Cris, moradora do morro, fadada pelo nome a escrever
As mulheres do Rio de Janeiro foram para as ruas e para as colunas dos jornais e revistas, nas últimas semanas, com o movimento novo #AgoraÉQueSãoElas. Se manifestaram, quinta-feira passada, contra uma proposta do problemático presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, para limitar o acesso ao aborto — e também contra a candidatura do secretário de governo Pedro Paulo Carvalho Teixeira, para suceder o prefeito atual, Eduardo Paes, nas eleições municipais de 2016. Ele admitiu, semana passada, ter agredido fisicamente a então mulher, em 2008 e 2010. Também houve, recentemente, uma onda de relatos de assédio sexual, com o hashtag #primeiroassedio.
O dia em que fabricantes de cerveja deixem de objetificar as mulheres nos anúncios de cerveja no Brasil porém, conforme se planeja nos EUA, ainda não chegou.

Empoderamento dos até então marginalizados, na poesia do Poetry Slam internacional: grande apelo na FLUPP
O meio ambiente é também objeto de maior ativismo. No dia 8 de novembro, como resultado de uma iniciativa do Greenpeace e do Meu Rio, constitui-se um grupo de ação focado na crise hídrica no Rio de Janeiro. Diante dos baixos níveis de nossos reservatórios, os participantes do grupo novo sentem necessidade por maior transparência e protagonismo, por parte dos governos federal, estadual e municipal.
Dias antes, uma barragem se rompera no estado vizinho de Minas Gerais, criando mais preocupação ainda no Rio de Janeiro, pela capacidade governamental de gestão ambiental e de situações de crise. O Rio talvez tenha que lidar com o verão mais quente e seco de sua história, durante uma recessão econômica com grave impacto no emprego, renda e gastos públicos.

Raull Santiago (esq), do coletivo de jornalismo Papo Reto, do Complexo do Alemão, contou aos participantes do workshop como é viver o dia a dia da Guerra às Drogas
Seria uma receita para mais violência, num quadro de dificuldades com o programa estadual de pacificação. De mais embates entre cidadãos e policiais, o Rio de Janeiro não precisa.
Com o intuito de ajudar jornalistas a repensarem a longa e violenta Guerra às Drogas nas Américas, o CESeC, com o apoio da Open Society, organizou, para jornalistas e estudantes, um workshop de dois dias, Drogas em Pauta. O workshop culminou na entrega do prêmio Gilberto Velho Mídia e Drogas.
Mesmo para quem já acredita que está na hora de pensar drogas no âmbito da saúde, em vez da segurança — descriminalizando-as — o workshop ofereceu muita informação surpreendente: a Lei Seca, nos anos 1920 nos EUA, teve 50 mil mortes em guerras de gangues. Milhares de pessoas adoeceram ou morreram, ao beber álcool metílico. No fim, chegou-se à conclusão de que, para a sociedade como um todo, a descriminalização era melhor do que a proibição. Mesmo assim, o álcool tem mais efeitos negativos, sobre o indivíduo e outros, do que muitas drogas, inclusive a maconha.
Também, há mitos sobre as drogas. A maconha não leva automaticamente ao uso de outros entorpecentes, como se pregava. Pesquisadores mostraram que o crack não é tão viciante e mortal como se pensa. E é interessante refletir que algumas drogas tendem a expandir consciência e fortalecer laços sociais entre os seres humanos, o que pode ameaçar o status quo.

A jornalista Fernanda Mena, à esquerda, descreveu campanhas anti-droga, através do tempo, com fundo de controle social.
Nos anos de boom econômico, já tivemos bastante debate e questionamento. Pode ser, porém, que o consumo e o acesso fácil aos recursos financeiros tenham minado as reflexões de pessoas e grupos sobre identidades, papeis sociais e questões morais. Hoje constitui uma grande oportunidade, da qual muita gente no Rio de Janeiro faz proveito. Como disse o general e estadista Charles de Gaulle, “Diante de uma crise, o homem de carater descobre suas capacidades. Impõe seu próprio estilo de ação, toma responsabilidade para ele, faz ele o seu”.
Otimos debates. O perigo eh a tendencia de se ficar no eterno debater – algo que vejo acontecer em muitos outros paises em desenvolvimento que trabalho. Todos eles com varios planos estrategicos, inumeros workshops, diversos processos de consulta, e pouca ou nenhuma acao…
Noto que existe no Brasil uma certa valorizacao do discurso sobre o conteudo; da ideia sobre a acao. Se isto mudar, talvez estes debates gerem efeitos positivos concretos.
Bem, as mulheres foram à rua protestar. E o novo grupo focado na crise hídrica já planeja uma primeira ação…