O plano do Rio de Janeiro, ao sediar os Jogos Olímpicos, era colocar a cidade no palco mundial, atraindo turismo e investimento. Competir com outras metrópoles, fazer um branding de nós mesmos.
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No meio de tudo isso, esquecemos o próprio produto. Entre a maioria das cidades no mundo, o Rio se sobressai, quase sem esforço. Quem mais apresenta a paisagem e a percussiva mistura cultural que temos aqui?
E se tivéssemos conseguido melhorar o saneamento, a distribuição de renda, moradia, segurança pública e a educação…

Alguns deputados estaduais assistem a uma apresentação do plano novo para o Rio metropolitano, que poderia, enfim, levar a saneamento e transporte adequados

Trabalhadores da Comperj, que contavam com o emprego na construção da refinaria, na região metropolitana, sofrem com a repentina e duradoura perda de renda
O foco no marketing — deixando nossa realidade em segundo plano — é o motivo pelo qual muitos brasileiros não se animam com os Jogos Olímpícos.
Ao refletir no passado, vemos o fato estranho de que o legado olímpico de Londres em 2012 era de cunho social, enquanto o legado do Rio é a mobilidade. Londres mirou a moradia, basicamente; diferente de nossa vila dos atletas, o empreendimento imobiliário Ilha Pura, um conjunto de prédios requintados em regime de condomínio fechado, a vila londrina hoje abriga, acima de tudo, proprietários e locatários de classe média e baixa.
Um e cada cinco habitantes na capital fluminense mora em favela.
Talvez, porém, o legado carioca não seja tão estranho: as investigações da Lava Jato revelam, cada dia sempre mais, a importância econômica e política das empresas de construção no Brasil. Construíram não apenas empreendimentos imobiliários na Zona Oeste, os BRTs e a extensão do Metrô; são concessionárias para o Metrô, os trens, as barcas e até o novo VLT. Resta saber até que ponto essas empresas, que hoje passam por grandes dificuldades, poderão investir nas suas concessões, inclusive para a manutenção mais básica.

Desempregados se preparam para o protesto mais tarde, dentro da Alerj, a assembleia legislativa estadual
O legado do Rio 2016, conforme tomou forma, deixou de considerar o quadro maior, de necessidades metropolitanas, inclusive trens, o metrô e as barcas. A criação de linhas de BRT e VLT, além da extensão do Metrô para a Barra, mexeram com apenas parte do quadro. Ainda falta, no Rio, uma plena integração tarifária, a transparência dos custos, e planejamento metropolitano. Nem temos um mapa de tudo que existe de transporte público.
Diante da aversão governamental à realidade, a decepcão, as lamentações e a pura raiva dos cidadãos não devem surpreender. Os cidadãos cariocas, cujas expectativas cresceram durante a virada de 2009-2013, hoje apontam tudo que dizem ainda merecer a atenção dos políticos, depois dos mega eventos.
Mas cedo neste mês, trabalhadores do projeto abortado de refinaria de petróleo, a Comperj, assistiram a uma sessão da Alerj sobre a Câmara de Integração Metropolitana, (em vias de ser criada por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal). Ao passo que minguaram os recursos federais para a refinaria, ano passado, a cidade de Itaboraí, outrora em plena expansão, virou cidade fantasma. Na sessão, sindicalistas denunciaram que trabalhadores desempregados estariam pedindo esmola e praticando crimes, que lhes falta dinheiro para comprar remédios.

Moradores do Alemão, de “tochas” olímpicas na mão, fazem passeata, carregando um caixão contendo nomes dos mortos desde 2014
Há seis anos, no momento da histórica ocupação militar do Complexo do Alemão, um jornal proclamou que a alma do Rio havia sido lavada. Hoje, jovens líderes denunciam a violência inaceitável que ali acontece. Sábado passado, ativistas da favela encheram um caixão de papel com os nomes de moradores e policiais que morreram a tiros desde 2014, e fizeram uma passeata de uns dois quilômetros pela avenida Itaóca, até a estrada do Itararé na altura da região Grota do Alemão. Participaram mais jornalistas do que moradores. De acordo com os líderes, um motivo era que um tiroteio aquela manhã mantinha os moradores em casa; estava parado, portanto, o famoso teleférico (anteriormente uma concessão da problemática empreiteira Odebrecht, agora gerenciado por um pouco conhecido grupo, também envolvido na investigação Lava Jato).
A segurança pública, após uma melhora entre 2010 e 2013, tornou a ser uma questão central, em favelas e também nas partes formais da cidade. O jornal Globo de segunda-feira relata que o prefeito atual, Eduardo Paes, quer ser eleito governador em 2018, para assumir essa responabilidade. Como indica o relato desta blogueira sobre o que deu errado na política de segurança pública, falar é fácil, fazer nem tanto.
É de se esperar que até 2018, quem for eleito terá meios de pagar nossa polícia, com as finanças do estado deixando de ser “calamitosas”, como as chamou o governador interino, Francisco Dornelles. O prefeito Paes se gaba ao dizer que as contas municipais estão melhores do que as do estado do Rio. Mesmo assim, cresceu a dívida municipal enquanto diminui a receita, como demonstra um novo estudo independente. Também, Paes pretende pedir um empréstimo de R$800 milhões, sem esclarecer o objeto, ao BNDES. De acordo com uma reportagem, os recursos seriam para repor gastos locais que se tornaram necessários porque Brasília não cumpriu seu papel no custeio das Olimpíadas.

O caixão, na feira de sábado na entrada da Grota ao Alemão, onde já aconteceram vários confrontos fatais
Também é de se esperar que, uma vez que caia o pano nos Jogos, voltando nossa atenção para as eleições municipais de outubro, possamos olhar para dentro e começar a trabalhar em tantas questões que demandam melhorias. Semana que vem, a Casa Fluminense lança sua Agenda Rio 2017, um portfólio de prioridades para aqueles que serão eleitos na região metropolitana do Rio. Todos são bem vindos: dia 26 de julho, 17h, Teatro Rival, perto da Cinelândia.
Infelizmente ainda existe muita insegurança e criminalidade. O que é exibido na mídia as vezes não é nada do que realmente acontece. Espero que em um futuro próximo possamos viver mais tranquilos